É notória a contribuição e influência da From Software para a indústria dos jogos, desde o desenvolvimento de Demon’s Souls, em 2009. Com a direção de Hidetaka Miyazaki, a empresa japonesa criou sua própria identidade por meio de jogos famosos pela sua dificuldade, além de conter uma excelente estrutura de exploração e um jeito particular de contar história. A cada lançamento, tais peculiaridades podiam ser observadas, às vezes de forma mais ou menos intensa.
Pouco a pouco, melhorando a fórmula de seus jogos de ação e RPG, a introdução de um open world parecia algo inevitável para o futuro da From Software, afinal, é uma fórmula que foi bastante abraçada por boa parte do público de jogadores. Então, na E3 de 2019, eis que a Bandai Namco introduziu ao mundo o novo jogo do time de Miyazaki, em parceria com o roteirista e escritor de ficção, George R. R. Martin. Embora um anúncio com detalhes escassos, a promessa seria a de um game de mundo aberto, dentro da temática de dark fantasy – uma especialidade das duas partes envolvidas no projeto. Desde então, despertou-se na comunidade dos jogos um considerável entusiasmo e curiosidade sobre o que estaria por vir.
Agora próximo ao seu lançamento, e sem mais delongas, posso afirmar que Elden Ring representa o acúmulo de toda a experiência da From Software ao longo dos anos. É um produto que carrega todas as particularidades e a filosofia de desenvolvimento de jogos da empresa; do seu combate punitivo ao som característico da navegação dos menus, assim como os clássicos corais em alto volume que tocam de forma súbita, ao se deparar com um chefe.
Embora parecesse arriscada a transição de uma estrutura de mapas menores, com um level design meticulosamente criado, para um jogo imenso e de mundo aberto, esta foi uma decisão acertada da From Software. A narrativa e a técnica para a composição audiovisual do jogo não mudaram muito, mas o gameplay se beneficiou de forma considerável por tal transformação.
Por falar em sua estrutura narrativa, a premissa básica da história de Elden Ring possui algumas semelhanças com os jogos anteriores da desenvolvedora, colocando como avatar do jogador um personagem sem aparente importância, para restaurar (ou não) a ordem do mundo. Na pele de um maculado e sob o guia da graça, o objetivo do jogador é encontrar os fragmentos do anel pristino, mas para isso é preciso enfrentar cinco seres poderosos, em seus respectivos territórios. Dessa vez, a cena de abertura é apresentada por meio de transição de artes conceituais ou imagens estáticas, um método distante, e um pouco decepcionante, das belas e imersivas computações gráficas dos jogos anteriores da From Software.
Ao contrário de Sekiro, em que a história era contada de maneira mais clara e direta, Elden Ring se assemelha mais à estrutura narrativa de Dark Souls ou Bloodborne. Isso significa que a transmissão da história se dá por pequenos fragmentos de informação, usualmente na forma de diálogos com NPCs ou por meio da descrição de itens. A história parece bastante superficial nas primeiras horas de jogo e leva tempo até o jogador juntar as peças deste grande quebra-cabeça. O que torna ainda mais difícil de absorver os fatos de Elden Ring, é o grande espaçamento entre a divulgação de informações da história, tendo em vista sua grande quantidade de conteúdo e progressão mais demorada na main quest.
Quanto ao tópico de acessibilidade, Elden Ring não traz muitas medidas inovadoras em suas opções. Contudo, se a dificuldade alta sempre lhe afastou dos jogos da From Software, em Elden Ring a situação é mais convidativa. Não que se trate de um jogo fácil, longe disso; o jogo é extremamente punitivo. Mas há mais subterfúgios dessa vez – como mais opções de coop, a inauguração da invocação de espíritos nas batalhas, construção/crafting de itens de suporte e o fato de existirem muitas tarefas secundárias, permitindo que o jogador desenvolva bastante seu personagem, antes de encarar os grandes confrontos. Deste modo, é possível contornar a dificuldade por meio da força bruta, após investir o tempo necessário em side quests.
Elden Ring é jogado de forma similar aos demais action rpgs da From Software, só que a introdução de uma montaria para navegar o open world e o botão de pulo tornam a exploração bem mais agradável. O jogo apresenta grande ênfase nos combates e exploração, mas também proporciona desafios de plataforma e alguns puzzles. Importante mencionar que, desta vez, é possível usufruir do stealth para efetuar ataques críticos nos inimigos – uma pequena herança do gameplay de Sekiro.
Sobre o combate, há ampla opção de customização. Ao iniciar o game, é preciso escolher entre 10 classes para definir os atributos básicos do seu personagem. Posteriormente, o usuário do jogo pode evoluir e moldar os status da forma como quiser, priorizando características como vitalidade, stamina, força, destreza, fé, entre outros.
A próxima etapa de customização é com foco nos equipamentos. Dessa vez, o menu de itens e equipamentos é bem mais organizado, enquadrando tipos de armas e itens em fileiras específicas. O jogador pode equipar seu personagem com até 3 slots para o braço direito, 3 slots para o braço esquerdo, 4 peças no corpo, 1 talismã (no início) e configurar uma lista de itens de rápido acesso.
Obviamente, cada equipamento tem uma resistência e um peso específico. É preciso levar em conta a capacidade do seu personagem de suporte ao peso, para que a sua movimentação não seja comprometida com armaduras pesadas. Nesse ponto, quanto às vestimentas, pouco mudou em relação aos games anteriores da From Software.
A mudança mais drástica fica por conta das habilidades/afinidades que uma arma usualmente possui e as cinzas da guerra. Com o botão L2, é possível ativar tal habilidade durante o combate, gastando FP (o equivalente a pontos de mana). O primeiro aspecto interessante desse recurso é dar utilidade à barra de “mana” para personagens focados estritamente no melee, sem qualquer afinidade com fé ou encantamentos. O segundo aspecto é trazer mais profundidade à sua build, com uma habilidade que pode fazer toda a diferença nos confrontos.
Mas talvez o elemento mais brilhante dessa inclusão, é a possibilidade de editar tais habilidades, a livre gosto, por meio do “item” cinzas da guerra. É possível, por exemplo, transformar uma simples adaga sem atributos especiais, em uma adaga mágica (com propriedades de dano mágico), por meio de uma cinza da guerra específica. No meu caso, pude transformar minha Estoc em uma arma especializada em sangramentos, ao incluir em sua habilidade nativa um ataque de sangue, similar ao da Chikage de Bloodborne. A cereja do bolo de tal sistema é a possibilidade de trocar livremente entre cinzas da guerra, caso arrependa, pois não há custo ou perda de itens, associado a tal processo. É uma ferramenta fantástica, que permite muitas combinações, além de dar um contorno único para seu personagem.
Por mais entusiasmante que seja a diversificação de builds e modos de lutar, a maior proeza de Elden Ring deve ser atribuída à composição e design de seu mundo. As Terras Intermédias são divididas em várias regiões, com características bem distintas, usualmente cada uma com um nível de dificuldade específico.
Amplamente divulgada nos trailers anteriores e pelo teste fechado do jogo, Limgrave é a região inicial que ensina o básico do jogo e introduz um desafio mais moderado. Ainda que introdutória, trata-se de uma área vasta, dividida em sub-regiões, cada parte contendo diversas localidades, itens raros e chefes escondidos.
Inicialmente o mapa completo das Terras Intermédias está majoritariamente ofuscado, exigindo que o jogador desvende-o por meio da busca do mapa de cada sub-região. Nesse ponto, é interessante como o jogo nos engana, dando uma falsa percepção que o mapa total é relativamente pequeno.
A verdade é que Elden Ring surpreende pela diversidade de ambientações, biomas e localidades no geral. O único aspecto negativo quanto a isso é derivado da repetição de dungeons paralelas à campanha, ou seja, aquelas atreladas às sidequests. Com o tempo, o jogador percebe que a arquitetura e layout das várias catacumbas do jogo, por exemplo, guardam muitas similaridades. Para efeito de comparação, lembram um pouco da estrutura das Chalice Dungeons de Bloodborne.
Por outro lado, as chamadas “legacy dungeons”, que são as dungeons obrigatórias para o desfecho da campanha principal, são exemplares. Todas possuem um formato singular e um level design excelente, ficando a par dos melhores níveis que a desenvolvedora japonesa já criou. O já divulgado Castelo Stormveil é impressionante, do início ao fim. Há muita exploração opcional nele, diversos atalhos e vários segredos que exploram a verticalidade do ambiente. É absolutamente brilhante!
A liberdade que o novo jogo da From Software proporciona também merece reconhecimento. É possível desde os momentos iniciais, sair rapidamente com sua montaria ao destino de áreas mais difíceis, compostas de inimigos muito mais agressivos e fortes, que obviamente contém itens e equipamentos mais valiosos. O imediato acesso à região de Caelid é um exemplo dessa liberdade.
De forma geral, o design do mundo de Elden Ring proporciona uma experiência amplamente satisfatória. Isto porque há um equilíbrio delicado de posicionamento de conteúdo, evitando espaços vazios, assim como espaços permeados de conteúdo, que, por vezes, cansam o jogador com tantos ícones no mapa. Elden Ring não só balanceia bem tal aspecto, como sabe recompensar o usuário do jogo por cada jornada trilhada. Seja uma espada nova, um talismã ou uma magia, há sempre algo interessante escondido em cada canto das Terras Intermédias.
É gratificante notar que um jogo vasto e de mundo aberto, com tantas possibilidades de interação e customização, proporcione uma experiência sem bugs significantes em seu lançamento. Todavia, para a surpresa de ninguém, Elden Ring traz um defeito pontual em seu quesito técnico – a performance deixa a desejar no PlayStation 4 e 5.
É um problema de longa data que assola os jogos da desenvolvedora. A taxa de quadros por segundo não é constante no PS5 e, no PS4, retorna o “frame pacing” irregular – típico do que houve em Bloodborne e Dark Souls III – o que resulta em uma sensação estranha de falta de suavidade na imagem, mesmo quando os 30 frames seguem constantes.
Para esta análise, a versão PS5 foi testada de forma extensiva em sua versão 1.01. Em seu estado pré-lançamento, as perspectivas não são boas. As métricas da performance parecem similares às observadas no teste fechado de Elden Ring, com muitas oscilações ao percorrer pelo mundo aberto na montaria ou em dungeons mais abertas. Em determinadas regiões, a situação piora; caso de uma determinada planície de Stormhill, onde a presença de inimigos pequenos e gigantes, somados aos efeitos do tempo, podem resultar em momentos indesejáveis para o combate.
Há também algumas quedas bruscas bastante estranhas ao transportar via fast travel para áreas distantes; o jogo apresenta uma breve, porém intensa queda nos quadros, além de stutter no movimento da câmera. Outro detalhe decepcionante, referente à performance, é como o uso de tocha ou outros meios de iluminação, em alguns ambientes (mesmo em cavernas fechadas) pode despencar os frames no PS5. Algo que também não surpreende, haja vista que o uso da lanterna em Bloodborne também causava a queda de alguns frames. Existem alguns problemas de “pop in” no mundo aberto, mas nada que incomode tanto.
Vale ressaltar que Elden Ring possui áreas imensas, permeadas de detalhes e qualidades como um bom draw distance, sendo possível enxergar inimigos distantes em um precipício, estando no topo de uma montanha. Portanto, é um jogo que demanda um certo poder gráfico, como pôde ser observado pelas especificações mínimas da versão PC.
No PlayStation 5, Elden Ring possui dois modos – Qualidade e Performance. No primeiro, a resolução fica cravada em 4K (possivelmente nativo) e roda a 30 quadros por segundo. No modo performance, o game fica a 60 frames, com uma resolução 4k alcançada por meio da renderização “checkerboard” – similar à técnica utilizada em Sekiro, que proporciona uma excelente qualidade de imagem.
Diante das inevitáveis comparações dos gráficos de Elden Ring com o remake de Demon’s Souls da Bluepoint, é preciso apontar que o novo jogo da From Software não deixa a desejar. Não restam dúvidas de que Demon’s Souls é um jogo mais bonito, especialmente nas qualidades das texturas e na iluminação dos ambientes, mas há de se considerar que é um jogo menos pretensioso, com mapas mais “fechados”.
Elden Ring traz uma evolução significativa no departamento visual em relação aos seus antecessores espirituais. A qualidade das animações está ainda melhor, há uma boa variedade da vegetação e dos assets em geral, as texturas estão mais nítidas e a arte continua sublime, como é típico da From Software. Existe suporte ao HDR, com bons resultados, só é uma pena que seja difícil calibrar a imagem com as ferramentas fornecidas dentro do jogo.
Em suma, o aspecto técnico que prejudica a experiência neste título, é a performance. Os fãs da From que já desfrutam do PlayStation 5 vão notar com facilidade a diferença no gameplay, ao comparar Demon’s e Elden Ring, rodando na nova plataforma da Sony. No remake, os 60 frames são cravados, em Elden Ring, os “engasgos” são extremamente perceptíveis. No fim da história, tudo depende do quão sensível é cada um com tais variações na performance.
É oportuno lembrar que a From Software planeja um robusto patch no dia do lançamento, a fim de otimizar a performance do jogo e corrigir pequenos bugs. Contudo, diante do histórico da empresa, é difícil acreditar que patches subsequentes estabilizem a performance do jogo, a não ser que sejam tomadas algumas medidas mais drásticas como a diminuição de efeitos visuais/resolução ou a implementação de uma resolução dinâmica mais agressiva.
Também já anunciado, a desenvolvedora japonesa pretende introduzir um patch com a tecnologia de ray tracing em um futuro breve, que será um novo modo disponível para os consoles nova geração e PC. Apesar dos problemas técnicos, os pequenos engasgos nunca se tornaram frustrantes o bastante para comprometer o entretenimento proporcionado pelo jogo.
Por fim, infelizmente não foi possível testar a qualidade do modo online de forma extensiva e por uma duração desejável, em virtude da limitação da comunidade até o momento da publicação desta análise. O pouco testado não permite uma conclusão precisa sobre o pleno funcionamento das diversas possibilidades de coop e pvp que Elden Ring oferece. Convém destacar que não há crossplay, somente o elo entre a versão PS4 e PS5.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Bandai Namco.
Veredito
Com Elden Ring, a From Software consagra um modelo ideal no design de jogos de mundo aberto. Nem muito vazio, nem artificialmente lotado, sendo que cada aventura traz uma recompensa significativa, embora proporcional à intensidade do desafio. O jogo estabelece um novo paradigma para esse gênero, especialmente por encontrar um equilíbrio perfeito ao premiar o jogador por cada quest cumprida, pela exploração bem desempenhada ou por cada batalha vencida. A jornada do maculado em busca do anel pristino é massiva, repleta de conteúdo e com um mínimo de repetição. Elden Ring entrega ampla customização e um sistema de combate ainda mais aprimorado do que seus antecessores espirituais. Aspecto este que, somado ao componente online, promete uma vida longa ao jogo e que transcende a experiência da campanha principal. É lamentável que os problemas de performance existam, mas tal fator não deve ser um impeditivo para que a comunidade desfrute de um jogo tão brilhante e especial.
With Elden Ring, From Software establishes an ideal model in open world game design. Neither too empty nor artificially crowded, with each adventure bringing a significant reward, albeit proportionate to the intensity of the challenge. The game sets a new paradigm for the genre, as it strikes a perfect balance by rewarding the player for each task accomplished, exploration well performed, or each battle won. The journey is massive, full of content and with minimal repetition. Elden Ring delivers extensive customization and an even more enhanced combat system than its spiritual predecessors. This aspect, added to the online component, will surely ensure a healthy community for years to come. It is unfortunate that performance issues exist, but such a factor should not be an impediment for the community to enjoy such a special game.
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