Disney Speedstorm – Review
Atualmente, há poucos clichês maiores do que comparar a popularidade e a relevância para a cultura pop de Mario e Mickey, duas figuras gigantescas que carregam em si muito mais do que desenhos animados ou jogos digitais que protagonizam. O mais recente longa metragem animado nos cinemas estrelado pelo encanador bigodudo tem alcançado marcas impressionantes em um terreno onde a Disney tem sido soberana há quase um século, e agora é a vez do rato orelhudo se testar em um terreno onde seu adversário sempre foi a maior referência: os jogos de kart. Seria Disney Speedstorm suficiente para desafiar a eterna pecha de “clone genérico de Mario Kart” que todos esses games recebem a cada novo lançamento?
Chegando ao mercado em formato de acesso antecipado, Disney Speedstorm é, portanto, um jogo de corrida que conta com grande parte do panteão de personagens da gigante do entretenimento, do qual Mickey é evidentemente a estrela maior, mas que também traz corredores inusitados de produções mais antigas e mais recentes, e não só das animações da empresa. Logo de cara, então presentes Mickey, Pateta e Donald pelo lado dos clássicos; Bela e Fera (do longa que empresta o nome de ambos); Mike, Sully, Celia Mae e Randall (de Monstros S.A.); Fa Mulan e Lee Shang (de Mulan); Jack Sparrow e Elizabeth Swan (de Piratas do Caribe); Hercules e Meg (de Hércules); e o inesperado Figment, mascote do parque Walt Disney World. Um elenco de respeito, mas evidentemente ainda bem longe de explorar todas as possibilidades do catálogo possível.
Isso porque este não é, por um modelo de negócios, um game fechado em si. O planejamento de longo prazo faz deste um projeto ousado de jogo como serviço onde se espera que a cada novo ciclo sejam incluídos desafiantes diferentes, e exatamente por isso algumas das marcas de maior apelo popular devem estar prontinhos aguardando sua vez para brilhar. Já estou ansioso para quando Frozen, Moana, Toy Story e O Rei Leão chegarem para dar ainda mais substância e diversidade às corridas. A questão fundamental é a forma como o sistema de monetização será efetivamente implementado e o que será necessário fazer para se ter acesso a todo o conteúdo possível. Nesta primeira versão, acessível via compra de um dos três pacotes iniciais, a resposta é, confesso, melhor do que eu imaginava.
Pelo pacote padrão de fundador, o qual tivemos acesso antecipado, eram três personagens disponibilizados desde o início, sendo dois por padrão e um a partir da escolha dentre alguns possíveis. Para facilitar, detalhamos um pouco mais sobre o que está disponível nas três versões diferentes aqui, mas basicamente temos um alicerce padrão de onde partimos para a temporada, conquistando estrelas a cada vitória e assim abrindo terreno para receber novos itens e uma tonelada de melhorias para um monte de coisas. A experiência da Gameloft no mercado mobile é evidente e a contabilização de progressão se assemelha muito ao que vemos em uma infinidade de jogos gratuitos para se jogar, algo que pode parecer confuso a princípio mas que com o tempo acabamos nos acostumamos.
Para liberar novos personagens para jogarmos nos diferentes modos single player ou multiplayer on-line, é necessário vencer desafios perenes e também os de temporada com tempo limitado. Vitórias e o cumprimento de metas nos dão alguns prêmios diretos, dentre eles itens de potencialização de nível, alguns cosméticos, diferentes moedas usadas na lojinha do game e fragmentos que, quando em quantidade certa, liberam um novo corredor, uma nova corredora, ou ainda um novo ajudante para compor a equipe. Explico melhor: nem todo sujeito na listinha da Disney será um corredor, mas poderá ser uma espécie de complemento. Tico e Teco ou Gansolino, por exemplo, quando disponíveis, podem aumentar atributos como velocidade máxima, aceleração ou poder de combate da equipe Classics se agregados à equipe, e o mesmo vale para as diferentes sub-franquias que funcionam, cada qual, como equipes rivais.
Soma-se a isso o nível de cada corredor, que pode ser aumentado queimando alguns coletáveis sejam nas corridas regulares, nas de temporada ou nos desafios sazonais, além de estarem também disponíveis nas famigeradas caixas de loot que podem ser adquiridas com os prêmios conquistados dentro da pista e, futuramente, com dinheirinho de verdade. O princípio é aquele já conhecido: é possível conquistar tudo (ou algo perto disso) jogando, mas o investimento em micro transações pode, digamos, encurtar o caminho e o esforço. O grande problema aqui está na aleatoriedade das premiações, o que pode incomodar um pouco já que nem sempre aquilo que se encontra dentro das caixas universais é o que se quer, ou o que se precisa. Há uma lista de probabilidades do que pode vir em cada item adquirido, mas nada é garantido, salvo a compra de coisas específicas, na maioria das vezes, itens cosméticos para personagens e carros.
Dito isso, eu realmente fiquei positivamente surpreso com a velocidade que conquistei coisas. Minha lista de opções aumentou muito em poucos dias e tudo o que conquistei foi o suficiente para vencer quase tudo o que o game me colocou como desafio até aqui. A única parede onde bati foi a progressão na temporada regular onde é necessário correr com Mulan e, bem, a personagem ainda não foi adquirida. O pior, neste caso, é que os desafios que prometem dar subsídios para ganhá-la estão dentro de seu próprio nível. Ou seja, para ganhar itens e desbloquear a Mulan, é necessário correr com ela antes. Muito provavelmente, nos próximos dias haverá outros eventos com tempo contado para ganhar os fragmentos suficientes para isso, mas até aqui, estou limitado por isso.
A ótima notícia é que o jogo casual multiplayer local não se prende a isso e logo de início temos todos os personagens até aqui lançados prontos pra corrida descompromissada. Mesmo que o modo seja um dos poucos pontos do jogo que não contribuem para nenhum tipo de progressão (já que não soma pontos de experiência e a vitória não dá qualquer tipo de bônus) é o maior ponto de diversão em família, algo que eu espero muito de um jogo do gênero. Ainda que a carreira possa contribuir muito para questões de engajamento e dedicação, poder jogar sem amarras quando naquela tarde preguiçosa de domingo é o que faz a diferença e fiquei bastante aliviado ao conectar um segundo controle e encontrar todo mundo lá à disposição para correr em qualquer pista.
O mesmo eu não posso dizer dos modos on-line, já que nesse período de testes pré-lançamento não encontrei nenhuma partida para duelar com outras pessoas. A promessa é que as classificações nesse modo serão o maior potencial de crescimento e desbloqueio contínuo de conteúdo, valorizando os mais competentes e dedicados, uma vez que os meios single player podem chegar em um teto. O vídeo que abre essa análise, por exemplo, captado depois de se vencer o nível exibido, mostra que não há mais nenhum ganho jogando coisas já superadas. Ou seja, ou se farma recursos nos desafios diários ou semanais, ou se aventura no mundo selvagem das batalhas multiplayer onde chora menos quem pode mais.
Voltando ao conteúdo disponível atualmente, cada núcleo narrativo conta também com sua coleção de circuitos própria muito bem otimizada. Na verdade, não são pistas diferentes, mas sim uma variação grande de traçados dentro da mesma arena, algo que oferece uma boa variedade de opções para se correr sem perder a sensação de novidade. Claro que em algum momento todas as opções se tornam conhecidas, mas ainda assim há aqui, desde o princípio, algo mais diversificado que muito jogo finalizado. Novos mundos no futuro significam também novos cenários e a projeção é de muito material para fã nenhum botar defeito. Se o modelo de disponibilização via temporadas for equilibrado entre o que pode ser liberado e o que deve ser comprado, evitando o exagero predatório comumente praticado em experiências do tipo, há em Disney Speedstorm um grande potencial de, em termos de conteúdo, um desafiante finalmente à altura de Mario Kart.
Por outro lado, a maior armadilha para tudo o que veio nas últimas duas décadas está na jogabilidade, onde parece haver um teto já alcançado pela franquia da Nintendo sobretudo no último jogo lançado. E aqui é onde há também poucas novidades ou inovações palpáveis, sendo o ponto menos provocador do jogo, já que tudo parece se apoiar no lugar comum. Acelerar, derrapar para carregar um bust, usar itens de ataque ou defesa, fazer manobras no ar, trilhar por atalhos e caminhos alternativos, armadilhas de terreno, itens de aceleração no chão, está tudo lá, como reza a cartilha, só que de modo pouco inspirado. São poucas as opções, e nem todas elas interessantes ou visualmente agregadoras. Bomba, itens de arremesso semi-teleguiado, escudo de proteção, item de velocidade, nada é visualmente tão criativo como poderia, engraçado ou impactante como o material base teria condições de oferecer.
Salvam-se os poderes específicos de cada personagem, que podem fazer realmente muita diferença na estratégia de corrida e nos dar um bom motivo para decidirmos por um personagem e não por outros, que também são divididos em categorias, como Apressadinho, Defensor, Traiçoeiro e Brigão. Há ainda a possibilidade de usar uma variação carregada de cada apetrecho coletado com efeito levemente diferente, como por exemplo, o item de fogo pode nos deixar em chamas afetando a todos que nos tocarem por um breve período de tempo se utilizado da forma padrão, ou explode em uma onda de choque se carregado. Isso, somado aos já convencionais ataques para trás, dão o grande dinamismo que esse formato pede.
Controles muito confortáveis e acessíveis também significam uma maior competitividade e batalhas ferrenhas dentro da pista, que é o que realmente importa. Então felizmente nada de quedas exageradas para fora do cenário, quinas irritantes ou circuitos demasiadamente fechados que nos colocam de cara para a parede a cada curva. Ao contrário, se manter na pista é relativamente fácil. Fazer isso e chegar na frente dos adversários, aí é outra história, porque se todo mundo consegue dirigir bem, vence quem fizer isso de forma mais ousada e agressiva. Os comandos são óbvios para qualquer um que já experimentou jogos do tipo, e o DualSense tem lá o seu uso no que se refere á sensação tátil, mesmo que seja um uso dos mais simples.
Além de generosos e permissivos, os cenários são visualmente deslumbrantes e cheios de detalhes encantadores. É aqui onde todo o legado Disney se permite brilhar, com uma tonelada de fan service despejado a cada curva, a cada cor, a cada objeto de cena, a cada armadilha. De pratos voando no castelo da Fera a ruínas ancestrais na China antiga; de uma vegetação viva nas florestas de Mogli à palheta preta-e-branca que nos leva diretamente aos tempos de Steamboat Willie, cada pista tem seu brilho particular que, compondo com as ótimas modelagens de personagens, fazem deste um dos jogos mais bonitos do gênero. Não há receio no uso de cores e formas que nos transportam a cada produção já conhecida, e mesmo os elementos que originalmente foram criados em live action de Piratas do Caribe encontram aqui uma tradução que transita entre o realista e o caricato de modo bem satisfatório.
Ainda assim, o maior destaque estético para mim foi, de longe, a trilha sonora. Os efeitos de ambientação e o ruído de carros e explosões são bem competentes, mas se tornam especiais mesmo quando somados ao trabalho de vozes econômico mas muito bem encaixado, e principalmente ao tema musical de cada mundo, com muitas canções-tema remixadas de forma brilhante para a dinâmica do jogo. É praticamente impossível correr no mundo de Mulan, por exemplo, sem cantar “Homem Ser” acompanhando a batida eletrônica que oferece, ao mesmo tempo, frescor e nostalgia a uma música tão icônica, e é aqui onde a memória afetiva pode ser uma potência para este jogo como não é para quase nenhum outro que se presta a colocar um bando de malucos em uma corrida de kart. Disney Speedstorm é um deleite com a avalanche de ótimas referências que transbordam todo o eterno legado de alguns dos nossos filmes e personagens favoritos da vida.
No conjunto da obra, eu realmente fiquei bastante satisfeito com o que vi até aqui. A jogabilidade, se não é necessariamente original e sequer pretende reinventar a roda, é fluida, muito objetiva e bastante funcional ao inclusive não colocar muitas complicações na pista, deixando toda a dificuldade e desafio para o embate entre adversários. É impossível não se vincular aos personagens que marcaram e continuam marcando a nossa vida mesmo depois da fase adulta e é uma ótima forma de revisitar este universo ao lado de crianças que simplesmente amam cada pequeno detalhe presente aqui. A perspectiva de um conteúdo extenso que pode retroalimentar o game por anos a fio sem precisar cair na repetição é promissora e já dá pra imaginar outros tantos personagens memoráveis arrebentando nas estradas insanas cujo limite é só a imaginação dos desenvolvedores.
Contudo – há sempre um contudo nesses casos – o sistema de monetização tem todas as portas abertas para práticas contestáveis, mesmo quando o jogo estiver em sua forma final e, a princípio, gratuito para iniciar, algo que já é predominante no nicho mobile e que aqui pode ganhar novos e decisivos capítulos para sistemas dedicados. Por enquanto e com uma licença inicial, tive a oportunidade de experenciar tudo o que me foi oferecido e passar dezenas de horas jogando sozinho ou acompanhado pela família, conseguindo liberar tudo o que eu precisava sem bloqueios ou uma sensação de necessidade de gastar mais. Claro que há um público que certamente investirá algumas cifras a mais para ter um aerofólio roxo personalizável ou um macacão vermelho premium, e se for só nesse sentido, menos mal. Microtransações nunca foram de meu agrado, mas cá estou eu louco para ver o que vem pela frente em Disney Speedstorm. E se for coisa boa, sai da frente que eu quero passar.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Gameloft.
Veredito
Disney Speedstorm estabelece, neste primeiro momento, uma base estrutural muito interessante, divertida e promissora. Se não é uma revolução no gênero, sabe se apoiar no rico universo das IPs da casa do Mickey e o faz de forma agradável, imersiva e sedutora, restando saber se, no futuro próximo, o modelo de negócios adotado aqui será adequado (ou não) para a plataforma e o público ao qual se dedica.
Disney Speedstorm establishes a very interesting, fun and promising structural base. If it is not a revolution in the genre, it knows how to rely on the rich universe of Mickey’s house IPs and does so in a pleasant, immersive and seductive way, leaving to be seen whether, in the near future, the business model adopted here will be adequate (or not) for the platform and audience to which it is dedicated.
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