É necessário admitir que Disgaea 7: Vows of the Virtueless me assustava um pouco. Não que o seu universo cheio de demônios e outras criaturas seja assustador em qualquer aspecto, muito pelo contrário. Mas que, para uma das séries que mais me marcaram ao longo dos anos, com um dos meus jogos preferidos em duas gerações distintas de console, havia uma estranha sensação de que esse título poderia ser um divisor de águas.
Isso se dava, em grande parte, pelo fato de Disgaea 6: Defiance of Destiny ter sido um jogo muito mais genérico e sem alma, ironicamente, do que eu jamais imaginaria ver. Para uma série construída de um jeito tão único, tão bem-humorado e tão específica e honestamente presa aos seus divertidos excessos, ela parecia ter alcançado um estranho ponto de auto-paródia, perdida entre o que ela é e o que quem nunca a jogou achava que ela era.
Bom, se faltam virtudes aos personagens do novo jogo da série que finalmente chega ao Ocidente alguns poucos meses após o lançamento japonês, ao menos eles conseguiram resgatar a alma da franquia. Afinal, esse talvez seja o melhor jogo da franquia até aqui e não só uma correção dos seus rumos, mas um passo excepcional de volta ao caminho que a estabeleceu como uma das mais importantes, influentes e divertidas séries de RPG de Estratégia existentes no mercado.
Como já é tradição nos jogos principais da franquia, em Vows of the Virtueless somos apresentados a um novo par de protagonistas: Fuji e Pirilika. Fuji é um “demônio tipicamente demoníaco” de Hinomoto, o Netherworld onde o jogo se passa, encarnando as principais características dos protagonistas da série, sendo igualmente poderoso, mão-de-vaca e preguiçoso, além de notoriamente alérgico a empatia, vomitando sangue sempre que é confrontado com sentimentos bons.
Já Pirilika é o completo inverso. Uma jovem demônia vinda do Netherworld de Wahei, igualmente caracterizada pelo seu amor por Hinomoto quanto pelo seu uso um tanto quanto exagerado da riqueza do seu pai. Pirilika vai para Hinomoto com uma única missão: restaurar o caminho do Bushido e, para isso, precisará enganar quem for necessário para obter as sete armas sagradas de Hinomoto.
E a história é basicamente isso. É tudo bem direto e surpreendentemente “simples”, algo bem comum pra franquia mas, como é de se esperar, com várias e várias curvas no meio do caminho. O plot como um todo funciona excepcionalmente bem, voltando ao alto nível que havia sido visto em Disgaea 5, mostrando que a NIS aprendeu com todos os erros cometidos no jogo entre ele e esse novo lançamento.
E muito do sucesso vem da química excepcional entre os dois protagonistas. A história é sobre a dinâmica entre Fuji e Pirilika e como ambos vão aprendendo um com o outro e evoluindo com base nisso. O completo desdém de Fuji por tudo além de fazer o que é melhor pra ele e sua literal alergia à empatia são um contraste excelente pro fato de que, apesar de também ser uma demônia, Pirilika literalmente acredita na bondade dos outros, independente do quão maligna aquela criatura possa ser.
Isso faz com que a escrita do jogo seja muito divertida e quase assombra pelo quão bem as piadas se encaixam uma em sequência da outra. É claro, algumas melhores do que outras, mas o jogo é recheado de momentos genuinamente divertidos e que vão arrancar um sorriso ou uma gargalhada do jogador. É talvez o melhor jogo da franquia nesse aspecto desde Disgaea: Hour of Darkness, sem, no entanto, contar uma história coesa ou se apoiar em piadas metalinguísticas como a série passou a fazer nos jogos de PS3, por exemplo.
Outro ponto que ajuda muito na qualidade disso é que o jogo abraça o seu absurdo de uma forma que funciona, com os personagens secundários trazem algo de especial e único para a narrativa justamente por serem ainda mais ridículos (da melhor maneira possível) que os protagonistas. O absurdo de conhecer Ao, a filha de Fuji, logo após ela destruir um castelo só por querer um abraço do pai é insano e de alguma forma totalmente condizente com o ambiente que o jogo vai criando, sendo que se pode dizer o mesmo da ladra de armas lendárias viciada em cheirar pólvora ou o Shogun mulherengo e covarde. Até personagens que não entram em combate, como o assistente pessoal da Pirilika, o prinny Pii-chan trazem bastante para o jogo e são bem divertidos.
Um último ponto sobre isso que cabe dizer é que a ambientação de Hinomoto funciona muito bem. A NIS, naturalmente, bebeu muito de construções históricas japonesas do período Edo para construir os cenários do jogo. É claro, o estilo gráfico funciona melhor nas cenas em 2D de diálogos do que nos cenários 3D implantados nos campos de batalha, mas o jogo possui um charme especial e foge bastante da estética que havíamos nos acostumado a ver nos últimos 6 jogos (e não é à toa que adicionaram um Netherworld Sightseeing para os jogadores poderem explorar o visual dos cenários).
Combate, bem, é o bom e velho combate de RPG de Estratégia que Disgaea sempre carregou com muito orgulho e subverteu com ainda mais primor. Você move suas unidades por um mapa em grid, com seu grupo agindo num turno e depois os inimigos, podendo atacar, usar itens, habilidades e tudo que se espera da série. Elementos tradicionais como os Geo-Panels, levantar e arremessar aliados e itens, combos e link attacks todos aparecem por aqui. Então, se existiu em um Disgaea, você provavelmente verá aqui.
O que me deixa felizmente surpreso é que, ao contrário de Disgaea 6, por exemplo, D7 traz uma série de bem-vindas novidades para a franquia e, novamente, abraçando o absurdo que ele se propõe a trazer, exemplificado principalmente pelo Jumbification e Hell Mode, mas também visto um pouco nas chamadas Certain-Kill Techniques.
Jumbification é, francamente, a versão de Disgaea para o Dynamax de Pokémon Sword & Shield. Através dele, seus personagens ficam gigantescos e podem realizar poderosos ataques em área capazes de destruir múltiplos inimigos de uma vez só. Eles também ganham acesso a habilidades especiais chamadas de Jumbilities (olha, é Disgaea, parte da piada são os nomes). Elas afetam a todos os personagens no cenário e variam de personagem para personagem e tem efeitos que vão desde a regeneração de HP ou SP até, no casos dos Prinnies, fazer com que todo mundo que seja arremessado exploda. E como até 04 personagens (incluindo inimigos) podem entrar nesse estado, é tudo muito caótico, mas bem funcional e divertido no contexto do jogo.
O Hell Mode é outro que está intrinsecamente atrelado ao que esse jogo trás de novo. A medida em que Fuji e Pirilika vão reunindo as Sete Armas Demoníacas, os seus portadores tem acesso a esse modo ao preencherem uma barra. Ao ativar o modo, que dura 03 turnos, você ganha uma melhora considerável nas suas estatísticas, acesso a habilidades distintas, mais EXP pelas suas ações e por aí vaí. A forma de preencher a barra varia de personagem para personagem, então é algo que precisa ser monitorado e utilizado nos momentos que melhor convier para o jogador.
Por último, as Certain-Kill Techniques são bem claras no que são pelo seu nome. Elas são, basicamente, as habilidades definitivas de cada tipo de arma e podem ser destravadas simplesmente usando as armas e as habilidades atreladas a elas. Isso faz com que o jogador se sinta mais compelido a ter múltiplos personagens dedicados a usar armas diferentes, já que não é necessário ter o máximo de afinidade com uma arma para aprender elas. É só usar realmente.
Mas não é só no sistema de batalhas que as novidades aparecem. Pela primeira vez na história da série, existe um sistema de batalhas ranqueadas nele. Diferente do que se imaginaria, aqui você cria as estratégias do seu time e eles lutam em batalhas online usando inteligência artificial. A influência do jogador basicamente fica por conta só de criar as táticas, montar o tabuleiro e enviar seu time para combate.
A última grande novidade fica por conta do sistema de Item Reincarnation. Ele é, basicamente, o sistema de reencarnação que já existia para os seus personagens, que lhe permitia basicamente reiniciá-los do zero após alcançar um certo nível de experiência e crescimento (como um sistema de prestige, por exemplo).
A diferença é que agora você pode evoluir seus itens e manter suas características originais. Então, se você criar uma arma de um acessório, por exemplo, ele ainda trará alguns dos bônus vistos antes para essa sua nova “existência”.
No geral, são sistemas muito bem-vindos e que mantêm a progressão do jogo funcionando excepcionalmente bem ao te dar toda liberdade para fazer o que você bem quiser com, bem, literalmente tudo, já que os sistemas anteriores seguem presentes aqui. Disgaea 7 é facilmente o jogo mais completo da série nesses aspectos. Você poderá fazer o que bem quiser e como quiser com sua equipe e gastará horas e horas para ver tudo o que o jogo tem a oferecer.
E, mesmo como fã de longuíssima data da série e alguém que cresceu jogando ela, é impressionante que Disgaea 7: Vows of the Virtueless consiga refrescar todas as sensações positivas que a franquia tinha e minimizar problemas, fazendo com que até algo que me incomodou bastante em D6, que foi a mudança dos gráficos, pareça algo tão menor diante de todo o sucesso estrondoso que ele tem.
A cada momento a sensação que eu tive foi de diversão. Tudo é muito divertido, do combate aos diálogos, os personagens são carismáticos (talvez o melhor elenco da série e facilmente o melhor protagonista desde Valvatorez ou até mesmo Laharl) e o jogo funciona excepcionalmente bem como um conjunto. Então, quer seja você um fã da série ou um novato procurando um ponto de entrada, Disgaea 7: Vows of the Virtueless é não só um dos melhores jogos de toda a franquia, mas um dos melhores SRPGs da atual geração.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela NIS America.
Veredito
Disgaea 7: Vows of the Virtueless é a maior prova do quão incrível a série é quando todos os seus elementos encaixam e a traz de volta para a direção certa após um considerável vacilo. Combate, história, personagens e ambientação se combinam para fazer deste um dos melhores jogos em toda a franquia.
Disgaea 7: Vows of the Virtueless is the biggest proof of how amazing the series is when its elements click and bring it back to the right direction after some missteps. Combat, story, characters and setting all work together to make it one the best game in the whole franchise.
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