O anúncio recente do lançamento de uma nova versão de meio de geração do Playstation 5 ainda está fresco em nossa memória, assim como os maiores questionamentos sobre a necessidade do foco em um hardware mais potente para esta geração que, verdade seja dita, tem se apoiado bastante em relançamentos, releituras, remakes e remasterizações de clássicos, alguns nem tão antigos assim. Dito isso, não há dúvidas também que algumas propostas interessantes que acabaram ficando datadas pelo tempo implacável merecem uma segunda chance de encontrar – ou buscar de volta – seu público, e depois de alguns dias vivendo essa maratona, é fácil dizer que Dead Rising Deluxe Remaster (ou RDRD, para os mais chegados) pode justificar sim o seu novo retorno.
Para os desavisados, a aventura original do jornalista bonachão Frank West esteve por muito tempo ligado ao Xbox 360 para só 10 anos depois chegar aos consoles Playstation com uma versão remasterizada que incluía também os jogos seguintes, Dead Rising 2 (2010) e Dead Rising 2 Off the Record (2011), estes já presentes no Playstation 3, mas presos lá pela falta de retrocompatibilidade posterior. Portanto, esta edição que chega aos mercados em 2024 não é a primeira reiteração do game, mas é provavelmente, 18 anos depois do seu lançamento original, a melhor e mais caprichada versão dele. A promessa de uma revisão completa em quase todos os aspectos do jogo, por fim, se cumpriu, mesmo que em essência se mantenha a despreocupação original, tão ausente neste mundo ranzinza da indústria atual.
Algo que felizmente não mudou é a sua história, bem como a estrutura narrativa baseada em uma linha central e objetivos secundários contextuais. Tal como muitos filmes de cerco zumbi, DRDR nos traz a perspectiva deste herói improvável que, atrás de uma boa matéria, se envolve numa invasão, com toques de ação militar, na antes pacata cidade de Willamette, Colorado. Com 72 horas para sobreviver a um inferno dentro do outrora simpático Parkview Mall, algo que escala em níveis de perigo muito rapidamente, ele precisa compreender o que está acontecendo e lidar com intenções nada inocentes de vários dos seus recém-aliados, percebendo que os comedores de cérebro não são a única ameaça à sua saúde. Tudo isso tentando conseguir alguns bons cliques em sua inseparável câmera fotográfica.
A primeira diferente técnica, a migração para o onipresente e polivalente RE Engine, resulta em uma harmonização facial – prática e metafórica – bastante notável. Tanto Frank quanto alguns dos mais relevantes NPCs da história estão com feições bem mais sofisticadas e menos grosseiras na comparação com suas últimas aparições, incluindo participações especiais em crossovers como os games da série Marvel vs Capcom. Mesmo longe dos mais notáveis trabalhos gráficos da atualidade, o game é beneficiado pela tom cartunesco e propositalmente exagerado das expressões e trejeitos de seus personagens, e o salto gráfico é evidente e muito bem trabalhado. A modelagem dos ambientes diversos dentro do famigerado shopping center (no melhor estilo Madrugada dos Mortos, de Zack Snyder) que serve de cenário para a produção também foi potencializada por texturas mais vivas, uso mais contundente da colorização e efeitos de partículas que fazem todo tipo de carnificina parecer ainda mais visceral.
O maior contraste está, contudo, nos efeitos de iluminação global, que reage muito melhor às diversas fontes, que vão desde o sol vazando de portas e janelas até toda a breguice dos neons e outras firulas nas lojas tão típicas das cidades interioranas estadunidenses. Se os bonecos ainda parecem meio duros e pouco atléticos – o que faz sentido considerando que nosso pseudo-herói é um jornalista e não um soldado treinado – há uma boa variedade de movimentos e reações que cumprem o seu papel de oferecer situações inesperadas de cerco, combate contra hordas e situações de fuga por um terreno acidentado e cheio de obstáculos. Também é perceptível que os sistemas de colisão no uso de diversos armamentos é bem preciso, mesmo avesso ao realismo por motivos óbvios.
O remapeamento dos controles, se apropriando de convenções mais modernas, não chega a revolucionar o que já era conhecido antes, e muita gente que jogou as versões iniciais do game nem vão se notar as diferenças, mas há uma naturalidade melhor em se movimentar, manipular objetos e interagir com o mundo e com a interface complementar, como o mapa e os espaços com habilidades (quase) especiais do velho Frank. Poder andar e atirar é, portanto, só a mais óbvia atualização do jogo, muito útil nos momentos de aperto para um jogo tão dinâmico quanto este. Posso dizer, depois do meu contador de corpos ir para além do que eu imaginava, que nunca foi tão divertido descer o banco de praça na fuça desses mortos-vivos, ainda que seja o taco de golfe, como o vídeo dos minutos originais que ilustra essa análise, a minha arma favorita.
Outra grande melhoria na qualidade de vida está no salvamento automático, que mesmo nos deixando na mão uma ou outra vez em passagens mais alongadas, evita a perda de progresso por questões como queda de energia ou urgência da vida adulta. Afinal, muitos de nós que em 2006 tínhamos tempo para planejar o salvamento nos pontos convencionais (da mesma forma como fazíamos em Resident Evil e similares) hoje dispomos de, por vezes, 15 ou 20 minutinhos que não são muito práticos de ficar indo e voltando aos pontos mal distribuídos para o salvamento manual. Sem sobressaltos, andar pelo mundo semi-aberto do jogo nos torna mais livres das âncoras com checkpoints providenciais e inevitáveis.
Nem tudo são flores, porém. Se as mudanças estéticas são escancaradas, algo já esperado de versões recauchutadas assim, o mesmo não pode ser dito da inteligência artificial ainda bem deficitária no jogo. Não são raros os momentos onde é obrigatório escoltar, acompanhar ou ter a ajuda de outros sobreviventes desse apocalipse zumbi, e sejam grupos grandes ou companhias pontuais, as vezes é difícil cuidar de gente tão burra. Não foram poucas as vezes onde estava eu abrindo caminho por entre trechos infestados de desmortos e ao chegar do outro lado, descubro que meus companheiros tinham ficado para trás seja para enfrentar inimigos que estavam quietinhos no canto deles, seja porque escolheram o pior trajeto possível e ficaram cercados. No preview do jogo escrito pelo nosso parceiro Mateus Alexandre já havia sido detectado esse problema que, pelo jeito, permanece ao menos para o lançamento oficial.
Para além de personagens tão tapados quanto os próprios zumbis, o jogo apresenta alguns pequenos bugs de colisão, com corpos flutuantes, personagens entrando em paredes, objetos pipocando no cenário repentinamente e coisas do tipo, mas são coisas menores que não trouxeram nenhuma consequência mais grave durante a minha experiência que não a comédia involuntária. Para o espírito de um jogo tão escrachado, são questões bem pouco importantes que certamente serão corrigidos com as primeiras atualizações tradicionais. Na balança entre as melhorias resultantes da quase reconstrução total e os defeitos herdados, o saldo é definitivamente bastante positivo.
No quesito sonoro, a localização para o nosso idioma segue um padrão bem alto estabelecido no trabalho de vozes (assim como nas legendas), e a mixagem parece bem refinada inclusive com efeitos e ruídos bastante presentes, sem ficar poluído demais nos momentos de maior tensão. Se não é brilhante, é competente, considerando o som estéreo da TV ou o uso de bons headsets, como o Pulse 3D, algo que pode ser dito também de elementos como a vibração dos controles e as opções de interface. Nada é revolucionário, mas tudo parece ter recebido um certo carinho de uma Capcom que parece cada vez mais cuidadosa com suas propriedades intelectuais, inclusive as menos nobres como esta. Símbolo desse afeto é a quantidade de opções temáticas que trazem de volta algumas das marcas mais importantes do guarda-chuva da empresa para o vestuário de Frank, das mais óbvias às mais estapafúrdias.
DRDR é, para todos os efeitos, uma atualização bastante profunda em tudo o que já conhecíamos. A migração de motor gráfico não aprimora só visuais, mas também traz algumas boas contribuições para animações, fluidez de movimentos e desempenho. Com melhorias também nas questões de jogabilidade e adições pontuais na qualidade de vida, o jogo ainda não é perfeito, e talvez nunca tenha se proposto a ser, sobretudo porque o sistema de múltiplos sobreviventes pode ser muito mais irritante do que agregador pela IA estruturalmente pouco adaptativa.
Para fãs de longa data, que passaram por isso há quase vinte anos, uma ótima motivação para retornar a esse universo. Para fotógrafos de primeira reportagem, a melhor forma possível para conhecer esse clássico subestimado. Para incrédulos e críticos da profusão de remasterizações na atual geração, uma bem-vinda exceção que precisava desse banho de loja. Nada mal para um jogo que se passa em um shopping, certo?
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Capcom.
Veredito
Dead Rising Deluxe Remaster é, para todos os melhores efeitos, o mesmo jogo consistente e divertido de sempre, com várias ótimas melhorias na qualidade de vida e visuais repaginados e atraentes. Mesmo requentado, continua sendo um clássico recomendado para antigos e novos fãs da boa e velha carnificina zumbi.
Dead Rising Deluxe Remaster is, for all intents and purposes, the same consistent and fun game as ever, with several great quality of life improvements and revamped, eye-catching visuals. Even rehashed, it remains a recommended classic for old and new fans of good old zombie carnage.
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