Ser um obcecado por história tem seus benefícios no que tange ao consumo de mídia. Embora exista um potencial gigantesco em ideias jamais concebidas nos gêneros de ficção científica ou fantasia medieval, há algo que faz com que, pelo menos para mim, obras envolvendo ficção histórica sejam especialmente empolgantes.
Pegar um certo momento histórico sobre o qual todos já leram ou estudaram sobre e extrapolá-lo para criar uma narrativa ainda mais empolgante e envolvente, se valendo de crenças e ideias vigentes na época para brincar com nossas próprias interpretações sobre o oculto, magia e com os poderes e habilidades de figuras lendárias é uma receita de potencial imenso quando bem executado. E há uma miríade de obras assim, especialmente na literatura, com alguns desses elementos voltando a ficar em voga também nos videogames.
É neste contexto que temos o lançamento de Crown Wars: The Black Prince, produzido pela desenvolvedora francesa Artefacts Studio e publicado pela Nacon, o jogo é ambientado no riquíssimo período da Guerra dos Cem Anos, famoso conflito entre Inglaterra e França, ou, mais especificamente, duas casas da nobreza de ambos os países, pelo controle da coroa francesa. Essa guerra, que acabou escalonando e envolvendo uma fatia considerável da Europa Ocidental, durante boa parte dos séculos XIV e XV (durando, ao contrário do que o nome indica, 116 anos).
Aqui, você assume o controle de uma das diferentes casas da nobreza francesa, se encarregando de expandir os seus domínios, ganhando assim mais poder para lutar contra as forças malignas colocando em risco a integridade não só da coroa francesa, mas do próprio povo do reino. Cada uma das casas a sua disposição para sua campanha ocupa uma região diferente no território francês e possui uma afinidade com uma classe de guerreiro distinta, fazendo assim com que cada uma delas traga uma experiência de gameplay e história um pouco distintas.
Independente da casa escolhida, todas elas possuem um inimigo principal a ser enfrentado: um misterioso grupo conhecido apenas como a Ordem. que parece estar tentando guiar das sombras o conflito entre as diferentes nações envoltas nele (e vai além só de franceses e ingleses, com bretões, navarrinos e castelanos – reinos que hoje fazem parte do território francês e espanhol – no meio da confusão). Não espere, no entanto, uma conclusão pro conflito, uma vez que o jogo se passa bem no começo da guerra, se iniciando em 1356.
A narrativa então vai se desenvolvendo ao redor do conflito, com cada um dos diferentes reinos envolvidos passando por suas próprias tramas, traições e batalhas, sendo um prato cheio para fãs de ficção histórica, por mais que muitas dessas históricas fiquem restritas a documentos e texto, com as cenas à disposição do jogador sendo relativamente limitadas. Ainda assim, o jogo faz um bom trabalho em criar uma ambientação e desenrolar narrativo que te prendem o suficiente para lhe engajar no ponto principal aqui que é o gameplay.
A jogabilidade gira em torno então de dois momentos. No primeiro deles, o jogador precisa gerenciar sua base, recrutando novos membros para o seu exército, adquirindo novos equipamentos para melhor arma-los, progredindo-os através das árvores de habilidades específicas de cada uma das classes e curando aqueles que retornam machucados do combate. Tudo isso então para enviá-los em missões ao redor da França para coletar recursos que são usados nesses upgrades e avançar na campanha.
A grande questão é que o jogo gira em torno de um excelente sistema de progressão de tempo. Isso significa que as missões ficam ativas apenas durante um certo tempo, sendo necessário levar isso em consideração na hora de enviar suas unidades para realizá-las, já que elas precisam de uma certa quantidade de dias para chegar até a região, evitando assim que elas expirem antes do seu grupo poder cumpri-la.
Outro ponto interessante é que soldados feridos precisam passar uma certa quantidade de dias se recuperando para voltar a ter seu HP completo, impedindo assim que você monte um pequeno grupo de guerreiros super-poderosos, exigindo que você tenha sempre múltiplas equipes capazes de lidar com as missões, inclusive porque, geralmente, você precisará enviar várias delas ao mesmo tempo para dar conta da quantidade de objetivos que o jogo coloca na sua frente.
Dito isso, nem todas as missões precisam ser cumpridas, já que elas se dividem em tipos diferentes. Existem missões da campanha principal e missões atreladas a casa que você escolheu, mas também uma quantidade considerável de missões geradas proceduralmente que só existem para lhe ajudar a evoluir seus soldados e coletar recursos, então não espere conseguir realizar todas. É uma estrutura, no geral, legal e bem funcional e exige uma boa dose de estratégia para melhor executar suas missões e conseguir coletar recursos suficientes para continuar evoluindo.
Durante as missões, o combate é um tradicional RPG de Estratégia, com sua equipe se movimentando por matas até um pouco grandes, alternando turnos entre você e seus inimigos. Cada membro da sua equipe possui três pontos de ação, sendo um exclusivo para movimentação e outros dois que podem ser usados para expandir o seu raio de movimento ou para outros tipos de ação, como usar habilidades ou atacar.
Combates exigem um considerável grau de cuidado pelos jogadores, já que inimigos atacam de forma coordenada e qualquer vacilo pode ser facilmente punido pelos seus adversários. Os mapas possuem diferentes elementos que podem ser usados, incluindo vantagens para Esfoladores (usuários de arcos) e Alquimistas (usuários de bestas) por estarem em locais altos e itens no cenário que podem ser usados, como barris de piche ou bestas montadas.
Um ponto fundamental aqui é a sinergia entre as classes das suas equipes. Embora seja possível enviar grupos compostos só por Alquimistas (há um limite de quatro unidades por grupo) e se valer do combate a distância e suas diferentes armadilhas para completá-las, é sempre mais seguro ter um Cruzado, Duelista ou Mestre das Feras, classes mais voltadas para o combate corpo-a-corpo, para lidar com certos tipos de inimigos.
No geral, o combate é bem divertido e interessante, sendo mais do que suficiente para manter fãs do gênero envolvidos única e exclusivamente só pelo looping de gameplay muito bem afinado aqui. Se você jogou o recém-lançado para consoles King Arthur: Knight’s Tales, sabe o que esperar aqui, já que Crown Wars: The Black Prince é bastante inspirado por ele. Embora o gameplay se torne um pouco repetitivo com o tempo (já que a variedade vem mais só pelas habilidades que vão sendo destravadas), a necessidade de gerenciar sua base e suas unidades faz com que o combate consiga se manter desafiador pelo tempo básico da campanha, que gira em torno de 25 a 30 horas.
Por fim, cabe dizer que tecnicamente o jogo tem uma estética um pouco diferente, caminhando mais pro cartunesco do que o realismo, funcionando estranhamente bem aqui. Não espere nada tecnicamente muito incrível, mas o jogo não apresenta grandes problemas técnicos e isso por si só parece bastar. Então, se você é um fã de ficção histórica e gosta de ambientações mais medievais, Crown Wars: The Black Prince, com sua narrativa bem construída e aparições de figuras históricas importantes, além de um gameplay bem divertido e cativante, mais do que merece ocupar um lugar de destaque na sua wishlist.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Nacon.
Veredito
Crown Wars: The Black Prince é um divertido RPG de Estratégia com bons elementos de construção de base e um interessante sistema de combate que, juntamente com o uso criativo da sua ambientação, faz mais do que o suficiente para prender o jogador.
Crown Wars: The Black Prince is a fun Strategy RPG with good base-building elements and an interesting combat system that, together with the creative use of its setting, does more than enough to keep the player engaged.
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