Gatos são fascinantes. Imprevisíveis, cheios de personalidade, belos, misteriosos… toda a expressão blasé que parece um desdém por tudo e por todos, escondendo suas intenções, é uma antítese do que se espera de um companheiro pet ideal, e confesso que o conjunto destas qualidades subestimadas me encanta. Possivelmente foi por esta perspectiva que eu realmente aproveitei bastante o meu tempo em Stray, e também por ela foi que me interessei em conferir Cat Rescue Story, mesmo compreendendo que, de uma forma mais absoluta, eu não sou exatamente o público-alvo da produção.
O jogo é, antes de mais nada, uma verdadeira simulação de cuidados com esses animais incríveis. Logo nos primeiros minutos, quando recebemos a nobre missão de cuidar de um deles quando abandonado na soleira da casa que acabamos de herdar, é fácil compreender que aqui há um jogo relaxante, mas nem por isso isento de compromisso e paciência. Afinal, cuidar demanda paixão, carinho, mas também uma certa dose de resiliência, e é nesse aspecto fundamental do sistema central do jogo onde está o envolvimento ou a repulsa por parte do jogador, porque a experiência aqui proposta não é muito simpática aos atalhos e exige muito, não pela dificuldade quase inexistente, mas pelos ciclos contínuos que impõe.
Por mais parecido temática e esteticamente que seja com os jogos da linha My Universe, principalmente o Pet Clinic Cats & Dogs, há aqui algumas especificidades bem importantes. Os cuidados com os bichanos são categorizados em quatro linhas principais: higiene, diversão, saúde e alimentação, e todas elas trazem alguns tipos de minigames para equilibrar o bem-estar de seus novos hóspedes, que normalmente chegam meio estrupiados. Como um jogo claramente pensado para um sistema de controle touch típico do mobile, grande parte das ações depende da adaptação dos analógicos assumindo o papel que seria feito com os dedos em uma tela, seja para fazer carinho, esfregar a sujeita ou arrancar pulgas indesejadas. Tudo se baseia, no final das contas, a movimentos na tela e a um botão de ação.
Se dar de comer e beber (além de trocar a bendita areia higiênica) são as tarefas mais óbvias e pouco significativas do pacote, não fosse o custo e o tempo em que ambos ficam disponíveis, cuidar de possíveis questões de saúde oferece um pouco mais de variedade, nos dando opções para cuidar de machucados, retirar carrapatos e espinhos, ou cuidar da desinfecção de pequenas enfermidades. O mesmo vale para questões de higiene, porque no final das contas, animais encontrados na rua trazem consigo uma série de sujeiras e incômodos, então vários tipos de escovação de pelo é parte do pacote. Ainda assim, é inevitável que algumas poucas horas cuidando desses bichinhos comecem a demonstrar que por mais imaginativo que tente ser, não há como não cair em um estado de repetição tanto de ações quanto de mecânicas.
É nesse momento onde o espírito empreendedor pode oferecer uma vida útil maior para o jogo, porque além de lidar diretamente com essas criaturas, é importante cuidar do estabelecimento e deixá-lo em ordem, ampliando os espaços e investindo para receber mais animais e tratar de mais problemas enquanto os hospeda até que eles encontrem lares definitivos. Neste meio tempo, há passatempos interativos, como guia-los com um laser pelos corredores do abrigo em busca de coletáveis em diversas fases que demandam planejamento e agilidade, aspectos complementares ao resto do game. Ações como esta ajudam a manter o interesse e aumenta indicadores de felicidade (e consequentemente, seu nível geral) dos animais, algo que somado aos cuidados pontuais e a uma alimentação abundante aumentam as chances de adoção, principal objetivo estabelecido pelo game.
Toda a tensão em Cat Rescue Story, portanto, considerando uma ambientação pronta para o relaxamento, está na qualidade do atendimento e na atenção às demandas apresentadas por cada animal. Guiar o gato pelos cômodos do lugar atrás de ratinhos de brinquedo parece uma tarefa óbvia, mas qualquer engasgo pode significar uma penalização e a consequente pontuação menor. Nos demais aspectos, dar bobeira e deixa-los sofrendo cria um empecilho para a adoção. Quanto melhor e mais qualificado o serviço, mais rápido se progride tanto na aquisição de recursos para o crescimento do lugar como na rotatividade de adoções. Uma vez mais, destaca-se que não há grandes dificuldades, mas há uma certa exigência que demanda dedicação e atenção, algo que aumenta significativamente conforme se progride na campanha.
Interessante também é o sistema de personalidade, e isso vale não só para os gatos, mas também para os humanos, já que tentar combinar indivíduos incompatíveis é motivo de falhas catastróficas. Se por um lado as pessoas são mais diretas naquilo que esperam de seus novos companheiros, como sexo, cor ou raça, os bichinhos tem outros indicadores mais sutis, e todos tem dois traços determinantes, podendo ser aventureiros, animados, sociáveis, etc. Indicar um encontro resulta em uma análise de compatibilidade com quatro detalhes e quanto mais parecidos forem os pares, melhores as recompensas. Joias e dinheiro são implementados para suprimentos consumíveis, enquanto ferramentas servem para reforma e expansão do lugar.
Tudo isso funciona como um ciclo de ações independentes e interconectadas, ou ao menos deveria ser assim, porque é nesse ponto onde entram elementos variáveis que parecem carregar demais no aspecto da aleatoriedade. Muitas vezes, alguns animais podem demorar para demonstrarem seus traços de personalidade, o que emperra o seu processo de combinação e, consequentemente, adoção. Ao exigir que continuemos mimando esses sujeitinhos até que eles resolvam se revelar, o jogo estabelece muito mais ações a serem exaustivamente repetidas do que o normal, como por exemplo, repetir a higienização, lenta e enfadonha, duas ou três vezes no mesmo gato.
Por um lado, a emulação de indivíduos vivos com suas peculiaridades faz sentido, já que não deveria se parecer com uma linha de produção com receitas exatas de procedimento. Por outro, a prática começa a ficar tediosa muito rapidamente, atravancando a campanha e a engordando para além do que precisaria. Algumas ferramentas de aceleração são disponibilizadas via petiscos a serem adquiridos na loja vizinha (tal como outros suprimentos), que podem aumentar rapidamente alguns indicadores, mas além de custar caro, exigindo ainda mais arrecadação, quebram o propósito do sentido de cuidar. Melhor seria se o atendimento fosse mais dinâmico, ou se ao menos fosse ficando mais rápido com a prática. Por mais viciante que seja descobrir o próximo amigo, cuidar dele deixa de ser divertido e se torna maçante muito rapidamente.
A repetitividade cíclica de Cat Rescue Story, é, contudo, parte da proposta e até do charme deste simulador, e se dissolve diretamente pela expectativa e pelo engajamento do jogador, desde que ele esteja intimamente compromissado a isso. Até porque, por mais que as 50 espécies felinas tragam uma certa sensação de colecionismo à equação, nos deixando ansiosos para quando aquela raça raríssima vai finalmente entrar pelas portas da frente, não há gato que consiga trazer quaisquer sensações de novidade depois das primeiras horas dedicadas á missão. Itens de decoração e mobiliário agregam valor sobretudo para quem tem o interesse em customizar ambientes, e alguns esforços narrativos, como sussurros sobre mistérios esquisitos na floresta próxima ou a possibilidade de um empreendimento imobiliário botar tudo abaixo, oferecem algumas camadas de frescor, mas como elementos periféricos, são um tempero extra que não muda muito a essência prática.
O que não significa, porém, que esteticamente tudo isso não tenha seus atrativos por si. Confesso que há algumas limitações visíveis nas animações de todas as criaturas, felinas ou não, e que não há nenhum virtuosismo que se destaque diante os padrões da atual geração, mas há um carisma cartunesco nestes personagens coloridos muito agradável para o público infantil ao qual o jogo se dedica, e mesmo com texturas mais leves, os efeitos de cores e pelagem são realmente intrigantes. Ainda é uma tratamento de imagem bastante reconhecível de jogos similares em dispositivos móveis, mas funciona bem para aquilo que se propõe. O mesmo vale para a trilha musical agradável, calma e confortável, mas executada à exaustão sem pontos de respiro ou de quebra, e sem efeitos especiais que vão para além dos miados suplicantes, há pouco o que destacar no campo sonoro.
Cat Rescue Story é, portanto, uma proposta que tem seus atrativos, mas que peca pela falta de componentes que o sustentem como jogo propriamente dito. Seus aspectos de simulação contínua funcionam, mesmo com alguns engasgos questionáveis no ritmo por conta de variáveis quase irritantes, e as simples mecânicas de interação nos diferentes tipos de tratamento e gerenciamento jamais ultrapassam uma camada superficial de intervenção do jogador, com artifícios de desafio focados em uma qualidade de execução, não de escolhas. Mas tudo isso ainda pode ser divertido, ao menos por algumas boas horas, para um público bastante específico, menos exigente em termos de complexidade narrativa ou controles sofisticados, e que seja minimamente apaixonado por esses animais tão ariscos quanto encantadores. Só não espere que o jogo, tal como um bom felino, demonstre se importar demais com o que você está sentindo por ele.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Nacon.
Veredito
Cat Rescue Story tem seus truques para seduzir um público mais jovem, e/ou fanáticos por estes misteriosos animais de estimação. Mas suas mecânicas simplórias herdadas de suas raízes mobile, a ambientação narrativa rasa e ciclos extremamente repetitivos o tornam cansativo rapidamente, mesmo para os mais dedicados.
Cat Rescue Story has its tricks to seduce a younger audience and fans of these mysterious pets. But its simplistic mechanics inherited from its mobile roots, the shallow narrative setting and extremely repetitive cycles make it tiresome quickly, even for the most dedicated.
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