Não lembro como o primeiro Cat Quest atraiu minha atenção, anos atrás. Honestamente, deve ter sido uma promoção que me fez dar uma chance a um jogo que se propunha a ser um RPG super simples em um mundo de fantasia com gatos. A questão é que o carisma me conquistou e a brevidade ajudou a não saturar a falta de profundidade e diversidade da gameplay. Saí satisfeito.
Tempos depois, foi anunciada a sequência, Cat Quest 2, com a ótima novidade de ser criada pensando no modo cooperativo para dois, algo que não tinha no primeiro e que caía como uma luva para jogar com meu filho de cinco anos. Foi uma aventura bem melhor que a primeira, mostrando razoável evolução do pequeno estúdio The Gentlebros, de Singapura.
Agora, Cat Quest III retoma a série levando-a a novos mares. Como a sequência se equipara aos antecessores? Para quem já gosta da série, a resposta é simples: vai gostar novamente. Para quem ainda não jogou, é importante ressaltar os dois pontos que formam a identidade das missões dos gatos: simplicidade e carisma inocente.
Eu chamo de “RPG-lite”: uma aventura por um grande mundo de fantasia, com espada, magia e missões secundárias, ganhando experiência para passar de nível, subir os atributos e melhorar os equipamentos. Tudo isso está presente aqui, mas de forma reduzida para fazer da campanha o mais acessível e fluida possível.
Destaco um ponto importante: pela primeira vez na série, Cat Quest III tem um mundo completamente aberto desde o começo, mantendo o conceito de um mundo que imita o visual de mapas, com nomes e linhas na superfície. Existe uma história principal a ser seguida e torres que apontam o próximo objetivo, mas todas as ilhas podem ser visitadas logo de cara com o navio.
O terceiro título abandonou a temática de reinos medievais e foi navegar as águas azuis do Caribe Pataribe para uma jornada pirata em busca de um tesouro lendário, a Estrela do Norte. Logo salta aos olhos como o visual é superior ao dos antecessores. Ainda há muitas texturas planas, mas os Gentlebros optaram por um 2.5D que as mistura muito bem com pitadas tridimensionais que realçam com grande sucesso o relevo e a paleta de cores vibrante e tornam a perspectiva mais profunda e destacada. Cat Quest III é muito bonito e agradável de olhar.
As mini-dungeons também receberam tratamento gráfico diferenciado, não mais sendo aquelas áreas aplainadas e sem paredes de antes. Estão mais sólidas, atmosféricas, escuras e bonitas, ainda que mantenham a mesma lógica de concisão simplista.
Aos aventurarmos por esse mundo, encontraremos ratos piratas pi-ratos, piratas metaleiros miautaleiros e javalis oincadores. Cartazes de procurados preenchem a parede da taberna, oferecendo bons desafios e boas recompensas. Navios perigosos vagam pelo oceano para duelos navais. Pedras mágicas fornecem puzzles para resolver e NPCs animais pedem favores (sim, são fetch quests, missões de achar itens e entregá-los a alguém).
Deve ser suficiente para perceber que a ideia é lúdica e fofa, e que os trocadilhos dominam os textos, né? Prepare-se para ver “miau” e palavras relacionadas a pets aglutinadas a outras das formas mais engraçadas, bregas e forçadas possíveis. Esse é parte do charme de Cat Quest III, sem medo de ser bobo. Talvez a tradução brasileira force a barra mais que o inglês, pois Mewtallica, em referência à banda, soa mais natural que Miautallica. A decisão de traduzir o nome do povo que guardava a Estrela do Norte, os Seekers, como Xeretas, é o bastante para desconfiar de outras escolhas da localização. No fim das contas, faz parte do espírito do jogo, então tá valendo.
Isso torna o game especialmente atraente às crianças e é muito bom jogar com elas no modo cooperativo, que realça a graça e a diversão do pacote. Joguei com meus filhos de 9 e 5 anos se alternando, e eles também jogaram juntos. Senti falta de um modo para três ou quatro pessoas, mas é compreensível. Quem sabe num próximo jogo?
Adultos também podem curtir sozinhos ou em par, é claro. Se a proposta de pets, fofuras e bobices em um mini-épico agrada a você, não tenha medo, a diversão é garantida.
O loop básico é esse: percorra o mundo, enfrente inimigos para encontrar equipamentos, XP, dinheiro e gemas. Se o inimigo for difícil, viaje por outras bandas, use o dinheiro para pagar melhorias para os equipamentos com o ferreiro e as gemas para aprimorar as magias com a maga da loja.
Mesmo sem uma customização de build profunda, é possível adaptar o estilo de combate de acordo com a preferência, focando em corpo a corpo, armas de fogo, escudos de ataque e defesa ou magia, ou até mesmo em um misto de vários deles. Ou seja, por mais simples que a coisa seja, ainda há versatilidade suficiente para nos fazer escolher os equipamentos desejados de acordo com nossa abordagem preferida ou mais vantajosa contra determinado inimigo.
As lutas em si seguem a dinâmica básica de “esmagar botão para atacar e sair de perto na hora certa”. Nos jogos anteriores, havia dois círculos vermelhos ao redor dos inimigos: o primeiro era a área de ataque e o segundo aumentava até alcançar o tamanho do primeiro, que era o momento em que o ataque realmente acontecia, cabendo aos heróis sair da área vermelha antes disso. Nesta terceira aventura, os círculos vermelhos se foram, mas a lógica ainda é parecida. A diferença é que, agora, é necessário observar melhor o comportamento do inimigo para saber a hora de desviar.
Essa mudança tem vantagens e desvantagens. Acho que variar a fórmula é importante para refrescar a gameplay e o novo formato realmente exige maior atenção, uma vez que a área perigosa não é mais explícita como antes, tornando as lutas mais interessantes. Por outro lado, esses embates são caóticos e muitas vezes é difícil perceber que um ataque inimigo vem aí. No geral, acho que funcionou bem o bastante para manter a diversão.
Outra mudança na mesma linha é que agora as missões não são mais classificadas por nível e, com algumas exceções, os inimigos também. Creio que essa escolha foi para evitar induzir a um passo a passo na exploração do mundo aberto, deixando os heróis mais livres para medir forças por onde quiserem.
No começo, me deparei com alguns locais difíceis e fiquei na dúvida se essa falta de clareza do nível era uma boa ideia, mas, com o tempo, deu para pegar o jeito e saber bem o que dava para encarar e o que era melhor deixar para depois. Caso alguém sinta dificuldade, a qualquer momento ela pode ser regulada entre Fácil e Normal.
Por outro lado, a abertura de Cat Quest III o faz correr um risco comum de mundos assim: o de explorar muito e acabar ficando forte demais para os desafios da campanha principal. Notei isso de forma moderada em minha experiência. A dificuldade nunca ficou trivial, mas senti que, da metade em diante, comecei a encarar certos chefes com a certeza da vitória.
Ficou certa estranheza de ver um oponente difícil ficar totalmente acessível após subirmos mais uns 10 níveis. Mesmo assim, o jogo mantém duelos casca-grossa que só serão vencidos no fim do jogo.
Nessa simplicidade, que chamei de mini-épico, Cat Quest III é um jogo breve. Levei 12 horas para chegar ao final, mas ainda deve render mais um tempinho para completar o que falta. Embora possa parecer pouco, essa marca não só era esperada, como também benéfica. A gameplay direta se tornaria cansativa caso tivesse a pretensão de repetir conteúdo apenas para inchar a jogatina. Para quem quiser avançar, terminar a história libera um modo Novo Jogo+ com inimigos mais difíceis.
Felizmente, os Gentlebros não caem na armadilha de achar que mais é melhor. Infelizmente, eles ainda precisam melhorar a variedade geográfica. Mesmo diferentes na forma, os locais ainda são muito homogêneos, como partes levemente separadas de um único bioma.
A mesmice visual faz a coisa toda parecer mais concisa do que realmente é. A história mais compartimentada, também. Em quase todos os aspectos, Cat Quest III é o melhor do trio, mas senti que ficou atrás em um ponto que considerei centrais à identidade: o carisma narrativo.
Os NPCs amigos têm relevância menor. Aqui não tem Kit Cat, a ferreira, e seu substituto não passa disso, um lojista para melhorar equipamentos, sem se envolver nem cativar. Não tem ninguém à altura de Katioro Kent, do segundo game, um papel que poderia ser desempenhado por Dona Galacta, a dona da taberna. Na verdade, a própria taberna, que tem potencial para ser um ponto importante na história, é subutilizada, servindo apenas como um local para coletar recompensas. Até há NPCs interessantes em algumas missões secundárias, mas são figuras isoladas que não formam um elenco de maior peso.
Cat Quest III atendeu às expectativas ao manter o espírito da série e levá-la adiante na estética e técnica. A variedade do mundo e os personagens secundários não evoluíram da mesma forma, mas vejo o jogo com força suficiente para me fazer acreditar que essa não será a última vez que os The Gentlebros vão nos bombardear com trocadilhos de bichos.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela The Gentlebros.
Veredito
Com visual melhorado e mudanças sutis na gameplay, Cat Quest III mantém os pontos fortes e melhora a série em quase tudo, exceto na narrativa. É uma aventura pirata solo ou cooperativa que não se estende além do necessário e não tem medo de ser fofa, boba e bem-humorada, sendo garantia de diversão para quem gosta da série e convidativa para novatos.
With improved visuals and subtle gameplay changes, Cat Quest III maintains the series’ strengths and improves on almost everything except the narrative. It’s a solo or co-op pirate adventure that’s just the right size and also isn’t afraid to be cute, silly, and funny, guaranteeing fun for those who like the series and inviting for newcomers.
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