Botany Manor – Review

Uma mansão antiga, cheia de portas trancadas, puzzles e segredos nos faz pensar em Resident Evil, não é? Em Botany Manor temos uma mansão vitoriana e os bons puzzles, mas trocamos os zumbis pelas plantas, o terror pela ciência e as armas pelos livros e sementes.

É preciso contextualizar.

Botany Manor

A Era Vitoriana foi um período da história da Inglaterra que durou a segunda metade do século XIX. É muito retratada no imaginário moderno por visões contrastantes: um lado romantiza o período, no qual grandes mansões despontam em meio a campos idílicos, como um resgate memorial de tempos mais elegantes e verdejantes. É uma fuga compreensível do outro lado da moeda, um refúgio interiorano da degradação urbana e dos céus escurecidos da Revolução Industrial, que seguia a todo vapor em sua marcha do progresso.

O bucólico jardim britânico é parte da identidade cultural daquele país — Tolkien comparava seus hobbits aos ingleses, sendo o Condado uma expressão do passado campestre, pré-industrial. Mesmo tendo sido mais forte em tempos passados, esse antigo gosto pelo cultivo ainda hoje é foco de revistas, eventos e competições.

Uma obra conhecida que é fruto direto da visão vitoriana é O Jardim Secreto (livro e filme), na qual a descoberta e recuperação do jardim do título serve de metáfora ao renascimento e crescimento de duas crianças ressecadas por dentro.

Botany Manor_20250131160424

De tudo isso encontramos semelhança em Botany Manor, que também é sobre uma mansão inglesa (“manor”), seus jardins e a maneira como a vitalidade da botânica reflete o espírito de sua protagonista e da natureza diante das forças de seu tempo.

No jogo, nosso objetivo é conseguir fazer crescer certas plantas fictícias e peculiares. Para isso, exploramos uma grande mansão em busca das pistas que compõem as pesquisas da protagonista, Arabella Greene, e as colocamos em prática para fazer as plantas florescerem por seus meios inusitados.

Botany Manor_20250202195422

Em termos de videogame, o que fazemos é explorar o local em visão de primeira pessoa para solucionar puzzles e destrancar mais aposentos da mansão e seus jardins, encontrando mais sementes e mais pistas para, enfim, concluir a pesquisa de Arabella para que seja publicada.

Além dos jardins e do retorno à natureza, a carreira intelectual de nossa personagem é outro tema central em Botany Manor. Estamos em 1890 e ela, já idosa, busca alcançar com seu livro aquilo que lhe foi negado por toda a vida: o reconhecimento e respeito como uma cientista botânica legítima.

Botany Manor_20250201140844

Junto ao material de pesquisa espalhado por toda parte também estão cartas antigas que revelam o passar dos anos. Na juventude, o pedido de Arabella para ingressar na universidade foi rejeitado pelo motivo determinante da instituição não aceitar mulheres. A pesquisa apresentada por ela foi tratada apenas como hobby que, segundo a carta, ela não deveria confundir com o engajamento acadêmico sério dos homens.

Essa é uma questão histórica ultrajante. Para se ter uma ideia, a primeira vez que uma universidade inglesa passou a aceitar mulheres estudantes foi em 1868, mas a abertura foi lenta e parcial, ainda com segregação de gênero. A Universidade de Oxford, por exemplo, a mais antiga da Inglaterra com seus oitocentos anos de existência, passou a aceitar estudantes femininas na década seguinte, mas com uma pegadinha: elas podiam estudar lá, mas não graduar. Foi apenas em 1920 que a instituição reconheceu os títulos que suas alunas formadas mereciam.

Botany Manor_20250201150235

Tal quadro de menosprezo sistemático e imposição de obstáculos à inteligência e desenvolvimento feminino foi muito bem abordado pela escritora Virginia Woolf em seu livro Um Teto Todo Seu, uma obra que não pude deixar de lembrar enquanto jogava Botany Manor. A quem gostar do tema do jogo vale a pena conferir o livro, e vice-versa.

Nossa fictícia Arabella recebe no jogo até a recomendação de um livro real, Botânica para Senhoras, escrito por John Lindley em 1834 e tido como adequado para mulheres e crianças, equiparando os dois grupos. Há nisso alguma ironia, pois o próprio John Lindley reivindicava legitimidade à botânica como ciência, defendendo-a como mais que um conhecimento menor, campestre e feminino, uma defesa que, como consequência, matava uma parcela do estudo da botânica ainda na raiz, para que não pudesse brotar e frutificar.

Botany Manor_20250203172745

Fica claro em todo o contexto de Botany Manor que Arabella é uma botânica competente. Ela contribuiu com as pesquisas de campo de um cientista de renome, que reconheceu o brilhantismo da então jovem autodidata em uma carta, mas não cuidou de incluir o nome da moça no livro, como fez com o de seu outro assistente. O cavalheiro acadêmico ficou com o mérito para si.

Na trama, vemos que outras mulheres além de Arabella passam por desdém semelhante, como vemos nas cartas de amigas que compartilham não apenas da mesma paixão pelas plantas, mas também do vigor científico. A avó dela foi uma dessas pessoas. Os textos somam à narrativa ambiental contada pelos fragmentos, e também às pistas dos puzzles que devemos solucionar para progredir no jogo.

Botany Manor_20250202085317

Eu disse antes que as plantas exóticas de Botany Manor requerem métodos inusitados, o que leva a enigmas criativos e bem executados. Em alguns, precisamos descobrir as condições da terra de origem da flor, como temperatura, vento e até iluminação. Para outras, a tarefa é desvendar a dose de aditivo e simular aspectos da estação em que ela floresce.

Todas as pistas para o enigma do primeiro capítulo estão na sala inicial, mas as outras onze flores que virão adiante requerem cada vez mais informações em seus plantios particulares. Gradualmente, vamos resolvendo mais puzzles para acessar novas áreas da mansão. No início, a coisa toda parece razoavelmente simples e sem muitas demandas, bastando prestar atenção às informações obtidas para associá-las mentalmente e chegar à conclusão pretendida.

Botany Manor_20250201140536

Não demora até o game passar a mostrar sua verdadeira engenhosidade, com quebra-cabeças interessantes que nos fazem ir e vir para checar as referências da investigação, em busca do detalhe que falta para que tudo encaixe e, AHÁ!, eis a solução! O momento da descoberta é importante em jogos assim e, a cada novo problema resolvido, Botany Manor nos dá a satisfação de ter colocado a cabeça para trabalhar. Há até passagens secretas pelo caminho.

Um problema é que as pistas encontradas não ficam disponíveis integralmente no menu. Por isso, sempre que precisamos revê-las temos que voltar ao local correto onde ela estava (ou verificar a galeria de imagens do PS5, se tivermos a perspicácia de gerar capturas de telas quando virmos algo que pareça uma pista).

Botany Manor_20250131134754

Para ser mais exato, os conteúdos das pistas não ficam disponíveis, mas os títulos delas e os aposentos em que se encontram entram para uma lista de itens que podemos associar a cada planta dos nossos objetivos, ajudando a organizar o pensamento.

Por exemplo: se uma planta tem apenas quatro espaços para dicas, ao associarmos a ela todas as fontes corretas o jogo confirma o acerto, o que significa que já encontramos todo o necessário para solucionar o método de cultivo que buscamos. Dessa forma, o principal elemento da pesquisa de quem joga é a atenção aos detalhes e o raciocínio que formará a equação vegetal correta.

Botany Manor_20250131135311

Quando a maior parte da mansão está disponível, refazer os trajetos repetidas vezes pode ser um incômodo, o que me fez recorrer à opção de menu para ativar a corrida. A ideia de Botany Manor é uma pesquisa tranquila e contemplativa, absorvendo e admirando os arredores e as pistas sobre as plantas e a vida de Arabella. Por isso, a velocidade padrão é de caminhada sem pressa nem pressão. Um jogo calmo e relaxante, sem dúvidas, mas, felizmente, a protagonista pode andar mais rápido se assim preferirmos.

Na parte técnica, encontrei alguns problemas com o livro de pesquisas que nos serve de mapa, menu e inventário de informações. Um está na diagramação dos indicadores de botões, que, como pode ser visto na imagem acima, quebra algumas palavras. Outro está em uma distorção piscante dos elementos visuais do livro, o que me ocorreu em mais de uma ocasião e me obrigou a fechar o menu e abrir novamente. Também a lista de fontes que usamos para completar as pistas de cada planta teve problema gráfico em uma ocasião, apresentando um estranho granulado que me impediu de ler seu conteúdo. Mais tarde, quando retornei ao jogo, o defeito havia passado. Não tive glitches fora do livro.

Botany Manor_20250201150806

Em minhas cinco horas até completar tudo do jogo, Botany Manor me surpreendeu positivamente, superando expectativas ao aprofundar tanto sua narrativa quanto a gameplay de puzzles com inteligência, elegância e satisfação.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Whitehorn Games.

Veredito

Com uma mansão e seus jardins, Arabella tem mais que um teto todo seu para cultivar plantas fantásticas e tratados científicos. Botany Manor usa o contexto histórico de uma estudiosa vitoriana para construir um engenhoso jogo de puzzles de exploração, gerando aquela prazerosa satisfação de resolver enigmas ao mesmo tempo que ilustra uma percepção histórica sagaz representada pela menosprezada vida intelectual da protagonista. Tanto a narrativa quanto a gameplay é solucionada em nossas mentes por suas pistas e fragmentos, fazendo do jogo um todo belo e digno que é maior que a soma de suas partes.

85

Botany Manor

Fabricante: Balloon Studios

Plataforma: PS4 / PS5

Gênero: Puzzle

Distribuidora: Whitethorn Games

Lançamento: 28/01/2025

Dublado:

Legendado: Sim

Troféus: Sim (sem Platina)

Comprar na

[lightweight-accordion title="Veredict"]

With a manor and its surrounding gardens, Arabella has more than a roof of her own to cultivate both fantastic plants and scientific treatises. Botany Manor uses the historical context of a Victorian female scholar to build an ingenious exploration puzzle game, delivering the satisfaction of solving riddles while illustrating a clever historical insight represented by the protagonist’s overlooked intellectual life. Both narrative and gameplay are bounded together in our minds by their clues and fragments, making this game a beautiful and worthy whole that is greater than the sum of its parts.

[/lightweight-accordion]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo
Este site está registrado em wpml.org como um site de desenvolvimento. Você pode mudar para uma chave de site de produção para remove this banner.