O ano de 2003 foi bom para a Ubisoft. Em um período de doze meses a empresa lançou Tom Clancy’s Splinter Cell, Rayman 3: Hoodlum Havoc, Prince of Persia: The Sands of Time e fechou o ciclo com uma novidade: Beyond Good & Evil.
O título foi criado por Michel Ancel, o pai de Rayman, e saiu-se muito bem na crítica e na opinião dos jogadores, mas não nas vendas, o que complicou o desenvolvimento de uma planejada sequência. E bota complicado nisso!
Em 2008 foi divulgado um teaser em CGI para um segundo jogo, mas depois disso houve apenas rumores, vazamentos e confirmações de que o desenvolvimento prosseguia. O conceito do projeto foi crescendo até que, em 2017, Beyond Good and Evil 2 foi oficialmente anunciado, prometendo uma espetacularmente ambiciosa aventura espacial. Os anos seguintes trouxeram novos trailer e mostra de gameplay, mas o silêncio reina há muito tempo e o site oficial não dá notícias desde 2020, depois que Ancel deixou o desenvolvimento.
Enquanto a sequência entrou para a história como o jogo de maior tempo de espera desde o primeiro anúncio, o original voltou à ativa com um port HD em 2011 e, agora, mais uma vez dá o ar de sua graça em uma edição melhorada para comemorar o vigésimo aniversário.
Falando de forma direta, Beyond Good & Evil 20th Anniversary Edition é a versão definitiva do clássico cult. Vamos ver os por quês.
O mais óbvio está nos visuais, que foram bastante melhorados. Não se trata de um remake, mas tampouco é uma mera remasterização técnica. A iluminação foi melhorada, principalmente nas cutscenes; a vegetação ganhou cara nova e mais desenhada; os modelos de personagens foram recriados com mais detalhes e geometria menos angular (a diferença na protagonista Jade é mais sutil) e muitas texturas foram completamente refeitas, como o céu estrelado e os materiais (madeira, pedra, couro, tecido, etc).
Em geral, é uma melhoria muito nítida em relação ao original, mas, como disse antes, este não pretende ser um remake, então as mudanças tiveram que ser compatíveis ao nível gráfico do jogo para não ficar uma discrepância estranha entre os elementos mantidos e os refeitos. Como não tenho o título antigo, veja aqui uma comparação detalhada e, abaixo, uma imagem de vídeo do canal Cycu1:
Segundo a Ubisoft, a performance mantém os 60fps com resolução que chega até 4K. Embora eu não tenha como aferir a precisão disso, minha experiência foi muito nítida e suave no modo Desempenho. Ainda na parte do “refeito”, vale ressaltar que várias músicas foram regravadas com orquestra e há visuais alternativos para roupas e acessórios.
Nos recursos de qualidade de vida, destaco que o sistema de salvamento foi modernizado para acontecer de forma automática, mas ainda podemos salvar manualmente como antes. Outro aprimoramento importante está na tradução dos textos para mais idiomas, incluindo português brasileiro, mas a dublagem não recebeu o mesmo tratamento e permanece apenas nos idiomas originais. Foi adicionado ainda ainda um Modo Speedrun, que marca o tempo e não permite salvamento. Nesse aspecto, só senti falta de uma coisa simples, mas útil: um botão para alternar entre andar e correr automaticamente, pois passamos a maior parte da campanha tendo que segurar R2, o botão de corrida.
Para completar, o jogo recebeu uma excelente galeria de imagens e vídeos. São dezenas de slides show que mostram desde artes conceituais até storyboards e fotos do estúdio da Ubisoft em Montpellier, na França, assim como fotos e vídeos exibidos na extinta E3 em 2002 e 2003. Todos eles têm comentários escritos e dão uma ótima noção do desenvolvimento do jogo do início ao fim. Se você queria ver um vídeo dos devs de sunga nadando durante uma inundação que atingiu a casa onde BG&E foi feito, seus desejos foram atendidos!
Em suma: é esse tratamento que os jogos da geração do PS2 merecem para voltar ao palco na geração atual.
Dá para ver que os apreciadores têm diante de si a melhor versão para revisitar o clássico, mas fica a pergunta: Beyond Good & Evil ainda se sustenta como um bom jogo, 20 anos depois? É relativo. Para quem nunca o jogou, vou explicar.
Em um universo de humanos e animais antropomórficos, a jovem fotógrafa freelancer Jade foi criada pelo porco “tio” Pey’J e, juntos, cuidam de um abrigo para crianças. O planeta onde moram, Hillys, está sob ataque dos invasores DomZ e muitos habitantes locais têm desaparecido nas últimas semanas. A força especial conhecida como Divisão Alpha assumiu a frente de defesa, mas há algo muito suspeito por trás dessa história e Jade vê-se repentinamente envolvida em uma grande trama.
No fundo, é uma história simples de espionagem e revolta, sem grandes surpresas para o público atual, mas realçada por seus personagens excêntricos e o formato narrativo em que o parceiro vai conversando com a protagonista em tempo real enquanto exploram, dando indicações e comentando os acontecimentos. A simplicidade é criativa e simpática, dotada do carisma de heróis comuns que enfrentam uma ameaça galáctica muito maior que eles.
Mesmo que não dê para chamar Hilly de mundo aberto, a exploração tem uma boa dose de liberdade e se baseia na progressão da capacidade do aerobarco que usamos para transitar pelo locais. Para comprar as novas peças do veículo no submundo, precisamos de pérolas especiais, encontradas de diversas maneiras, como em mini-games (destaco as corridas de aerobarco) ou à venda.
A principal fonte de dinheiro é um dos pontos que acho mais interessantes: cada espécie animal diferente que fotografamos rende alguns trocados na conta e até mais pérolas. Então, temos que “pegar” todas! Honestamente, acho que essa mecânica de fotografia deveria ter sido mais importante ao longo do jogo.
O mundo também guarda alguns lugares trancados para abrir e códigos para encontrar e, entre uma dungeon linear e outra, podemos percorrer a região para ver até onde conseguimos explorar.
Essas dungeons não são muitas, nem complexas ou particularmente interessantes. Nesse aspecto, Beyond Good & Evil mostra a idade que tem, assim como no combate. Temos um botão para esquiva, outro para bater, um ataque carregado ao segurá-lo, outro botão para comandar uma habilidade única do aliado que nos acompanha no momento e, mais tarde, um ataque à distância. Os movimentos não são ágeis e tampouco exigentes, trazendo um combate básico que não se torna tedioso porque não é frequente nem se estende além do necessário.
As dungeons encaixam na mesma categoria de não empolgar, mas não chegam a atrapalhar por não serem trabalhosas ou consecutivas. Essas partes mais confinadas, alternadas com a razoável abertura da exploração de Hillys, formam um bom ritmo para um jogo que, na verdade, não é longo, levando cerca de 10 horas para chegar ao final.
Assim, Beyond Good & Evil foi um projeto ambicioso que não pôde entregar tudo o que pretendia em uma trilogia que nunca saiu do primeiro jogo. Mesmo estando ultrapassado em alguns aspectos, ele ainda entrega uma aventura eficaz com algumas boas ideias e uma cadência dinâmica que nos leva até o fim antes de se tornar cansativa.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Ubisoft.
Veredito
Beyond Good & Evil 20th Anniversary Edition não apenas é a versão definitiva da aventura de Jade, mas um exemplo de como remasters de jogos daquela época podem apresentar melhorias relevantes e adicionar extras para celebrar o legado histórico dessas obras. Alguns aspectos mais arrastados não envelheceram muito bem e nos lembram da idade do jogo, mas o carisma da aventura e o bom uso da abertura do mundo compacto ainda o fazem merecer esse retorno bem cuidado.
Beyond Good & Evil 20th Anniversary Edition is not only the definitive version of Jade’s adventure, but a model for remastering games from that time with relevant improvements and extras that celebrate the historical legacy of those works. Some slow aspects have not aged well and remind us of how old this game is, but the charismatic adventure and the good use of the compact yet rather open world still deserve this well-kept return.
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