Por mais que o surfe atualmente seja um dos esportes que mais cresce dentre os considerados de nicho, a lista de jogos que simulam a arte de deslizar sobre as ondas ainda é pequena. Alguns jogos surgiram de tempo em tempo, como Kelly Slater’s Pro Surfer, lançado na geração do saudoso PS2, e até hoje considerado por muitos como o melhor jogo de surfe já feito. Se olharmos para o passado mais recente, o último jogo de surfe lançado havia sido o Virtual Surfing, que chegou na geração do PS4, mas acabou sendo uma decepção para os amantes do esporte.
Quando falamos de um jogo baseado em um esporte tão peculiar como o surfe, algo que considero primordial é que seu desenvolvimento tenha a participação de pessoas que, no mínimo, sejam adeptas a ele. Se tiver o envolvimento de atletas profissionais, melhor ainda, pois o conhecimento que eles podem trazer para o jogo é um fator determinante para que ele ao menos seja fiel às situações vividas no dia a dia do esporte. É o caso de Barton Lynch Pro Surfing.
Desenvolvido de forma independente pela pequena equipe da Bungarra Software, situada na costa Oeste da Austrália, Barton Lynch Pro Surfing é, como a própria desenvolvedora diz, “um jogo feito por surfistas para surfistas”. Além disso, o jogo leva a chancela de um dos maiores ídolos do surfe australiano, o lendário campeão mundial Barton Lynch. Considerado por muitos especialistas como um dos surfistas mais influentes da década de 80, Barton Lynch também é uma das figuras mais carismáticas do esporte, e até hoje ainda presta serviços ao surfe, seja comentando etapas do circuito da World Surf League (WSL) ou treinando atletas locais. Tudo isso colabora para que Barton Lynch Pro Surfing, por mais que não se destaque como um primor na parte técnica, talvez seja um dos jogos de surfe mais divertidos que já experimentei.
E como mencionei a parte técnica, a melhor forma de começar a analisar esse game é abordando logo o assunto. Porque Barton Lynch Pro Surfing é um jogo de aparência estranha. Bom, ao menos para os padrões de hoje. Comecei essa análise mencionando um jogo de PS2 e, por muitas vezes durante meu período com Barton Lynch Pro Surfing, a impressão que tive era de estar jogando um game dessa época. A parte gráfica do jogo é bem precária, passando desde um sistema de criação de personagens para lá de tosco, por elementos de cenário poligonais e até a aparência da água que mais se assemelha a uma geleca em movimento.
De todos os elementos que envolvem a criação de um jogo, a água ainda permanece como um dos mais difíceis de se replicar. Em casos como de um jogo de surfe, onde é necessário criar situações de movimento de água e interações com as variáveis de gameplay, isso sem dúvidas se torna a maior barreira para seu desenvolvimento. Claramente notamos em Barton Lynch Pro Surfing uma deficiência muito grande nesse aspecto, pois o jogo não apenas sofre na parte gráfica, mas também enfrenta outros problemas, como os de colisão. Por muitas vezes ao surfar uma onda, é comum que você perca a noção de posicionamento, especialmente quando estiver dentro de um tubo. A câmera também não colabora, então há situações onde você ficará perdido sem saber ao certo onde a parte crítica da onda se encontra. Além disso, algumas telas de loading tendem a ser muito demoradas.
Esses problemas técnicos são notados rapidamente, por isso prejudicam parte de sua experiência. Mas isso não o impedirá de encontrar boas características em Barton Lynch Pro Surfing. Quando eu mencionei que o game tinha a participação de surfistas em seu desenvolvimento, isso também é facilmente percebido assim que temos os primeiros contatos com o jogo.
A começar por um modo carreira bastante interessante e muito fiel ao que vemos nos campeonatos de surfe, principalmente no circuito mundial da WSL, a grande inspiração aqui. Você pode criar seu próprio personagem, ou escolher dentre alguns dos poucos surfistas profissionais famosos presentes no jogo, para competir em um circuito mundial dividido em várias etapas e que passa por muitos picos famosos do surfe mundial. Dentre algumas paradas do tour estão a lendária onda de Pipeline e sua irmã Backdoor, no Havaí; as direitas tubulares de Snapper Rocks, na Costa Dourada Australiana; as ondas enormes de Jaws, também no Havaí; e até Saquarema no Brasil.
Ao início de cada etapa será exibida uma pequena apresentação contando as principais características dos lugares. Essa introdução é feita pelo narrador oficial da WSL, Kaipo Guerrero, e comentada pelo próprio Barton Lynch. Esse é um detalhe que achei bem bacana, pois faz com que você realmente se sinta dentro do World Championship Tour.
Ao longo de sua jornada pelo Circuito Mundial, você irá competir dentro das regras dos campeonatos reais de surfe. Isso inclui passar por algumas fases dentro de cada etapa até chegar à final do evento. Caso perca antes da final, sua pontuação será somada ao ranking. Ao final do circuito, quem estiver no topo da tabela será declarado o campeão. Algo que me chamou a atenção durante o modo carreira é como as condições do mar mudam no decorrer das etapas. A cada bateria você irá se deparar com situações diferentes. Essas situações podem ser representadas não apenas pela variação no tamanho das ondas, mas também pela qualidade das condições sob influência do vento, da tábua de marés, dentre outros fatores. Barton Lynch Pro Surfing acerta muito ao nos apresentar essas mudanças do mar como de fato são. Surfar um mar pequeno e mexido será extremamente frustrante, ao passo que um mar de ondas maiores e tubulares será desafiante.
Essas adversidades também serão sentidas por seu personagem. Durante cada etapa, é necessário que você analise as condições do mar para escolher o melhor equipamento. Isso envolve o tamanho e as características das pranchas, as quilhas, comprimento do leash, até a roupa que irá usar. No caso da roupa, a temperatura da água irá ditar qual a melhor escolha. Se você decidir ir com uma bermuda em um mar gelado, por exemplo, isso fará com que seu personagem fique com a resistência mais baixa, prejudicando seu desempenho e podendo resultar em lesões.
A gestão do seu equipamento e do personagem são uma parte importante do modo carreira. A todo momento você deverá prestar atenção no estado de seu equipamento, sempre lembrando de ir na loja adquirir kits de reparos de pranchas, ou até pranchas novas quando elas quebrarem. A condição física de seu personagem também pode ser melhorada ao comprar sessões de massagem e fisioterapia. Para tudo isso será necessário gastar dinheiro que é obtido como premiação de acordo com a posição alcançada a cada etapa do circuito. Parte desse dinheiro também é usado para pagar os custos de viagem e inscrição para os campeonatos, portanto você deverá administrar bem sua carreira.
Em termos de gameplay, o sistema de pontuação nas ondas segue o critério de avaliação adotado pelas ligas de surfe, favorecendo as manobras executadas com mais velocidade e na parte crítica da onda. Os controles funcionam bem, mas a curva de aprendizado é um pouco mais demorada que outros jogos do gênero. Parte disso se dá pelo fato de o sistema de gerar velocidade combinando o analógico esquerdo com o R1 ser um pouco confuso. E como isso influencia diretamente na sua capacidade de pontuação, leva um certo tempo até que você entenda esse sistema. Mas, tão logo supere isso, o jogo se torna bastante divertido.
Caso consiga bons resultados, você poderá atrair a atenção de patrocinadores. Essas empresas vão lhe oferecer contrato e itens para ajudar em sua jornada. Alguns desses patrocinadores incluem marcas famosas do meio do surfe, como as reverenciadas pranchas da Channel Islands, da Lost e Mark Richards; marcas de roupas como Quiksilver e Billabong; e algumas marcas de acessórios, como a Creatures o Leisure e a Futures.
Durante o modo carreira, frequentemente será necessário fazer visitas a essa loja de equipamentos, e é quando aparece outro problema do jogo. Porque os menus, além de serem pouco intuitivos, também sofrem com atrasos e travamentos. Felizmente, para ajudar na compreensão do jogo, todo o conteúdo é localizado no Português Brasileiro, apesar de algumas traduções serem estranhas e até engraçadas. Quem é mais familiarizado com o esporte notará isso com mais facilidade, ao perceber que algumas traduções foram feitas ao pé da letra, deixando-as fora dos termos que usamos no esporte na língua portuguesa.
Além do modo carreira, Barton Lynch Pro Surfing também oferece um modo livre, onde você poderá escolher qualquer um dos picos disponíveis e customizar as condições de surfe de sua preferência. Isso permite definir o tamanho das ondas, condições do clima, e até se prefere começar sua sessão a partir da praia para remar até o outside. Por mais que eu tenha achado a jogabilidade de Barton Lynch Pro Surfing bem divertida, o que mais me agradou no jogo com certeza foi a maneira com que a Bungarra Software se atentou aos detalhes no tocante às características das ondas. Outro modo disponível é o desafio, onde você competirá em algumas condições específicas dentro de um limite de tempo. Alguns desses modos envolvem um disputa de tubos e de manobras aéreas.
No quesito trilha sonora, Barton Lynch Pro Surfing nos apresenta a um bom número de faixas de artistas da cena underground australiana. Confesso que não conhecia nenhuma das músicas presentes no jogo, mas muitas delas são bem interessantes e estão divididas entre os gêneros musicais mais escutados pelos adeptos ao esporte, como hardcore, indie rock e hip hop, servindo como um bom combustível para embalar suas sessões de surfe no game.
Barton Lynch Pro Surfing está longe de ser um jogo tecnicamente bom, mas quando deixamos de lado alguns desses aspectos, o que temos aqui é um jogo de surfe que simula muito bem as variantes presentes nesse esporte tão complexo.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Bungarra Software.
Veredito
Barton Lynch Pro Surfing definitivamente é um jogo feito por surfistas para surfistas. Mesmo que sua parte técnica esteja aquém do que esperamos de um jogo nos dias atuais, a jogabilidade é divertida e representa muito bem o sentimento de surfar.
Barton Lynch Pro Surfing is definitely a game made by surfers for surfers. Even though its technical part is below what we expect from a game nowadays, the gameplay is fun and represents the feeling of surfing very well.
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