Eu nunca fui exatamente um fã da Platinum. Apesar do consenso ser de que estamos falando de uma das melhores e mais talentosas desenvolvedoras de jogos de ação das últimas duas décadas, se pararmos para analisar os fatos essa visão é um pouco mais… complexa do que o senso comum parece indicar.
Durante anos, o estúdio parecia completar cada sucesso avassalador (Bayonetta 1 e 2, Vanquish, Metal Gear Rising: Revengeance) com um fracasso tão retumbante quanto (Anarchy Reigns, Star Fox Zero, os jogos pra Activision). Tudo parecia muito mais estável desde 2017, com sucessos consecutivos em NieR: Automata e Astral Chain, o remaster de The Wonderful 101 e o vindouro Bayonetta 3. Mas no caminho havia uma pedra.
Se você era um dos ouvintes do nosso extinto podcast, você sabe que a gente sempre bateu na tecla de que Babylon’s Fall parecia uma tragédia em potencial, tal qual o jogo anunciado em conjunto com ele, o horrível The Quiet Man. Eu até tinha esperança num possível êxito, mas o choque de realidade que o lançamento do jogo trouxe me fez perceber o erro das minhas esperanças.
Babylon’s Fall, novo jogo da Platinum Games com a Square Enix, é ruim. É muito, muito ruim. Ao ponto de ser quase difícil de colocar em palavras. O jogo se passa numa versão fictícia da Babilônia que foi dominada pelo Império Romano (ou algo similar, já que a liberdade poética aqui é gigantesca) e na qual prisioneiros passam por um teste de compatibilidade com um item chamado Gideon’s Coffin que serve para aumentar as suas capacidades de batalha além dos limites de uma pessoa comum.
Ao passar pelo teste, você se junta ao grupo chamado de “Sentinels”, soldados encarregados de subir pelo Ziggurat e lutar contra criaturas mágicas chamadas de Gallu, que tomaram controle dos andares superiores e estão lutando pelo controle dos andares mais próximos da população da região.
O jogo até tenta apresentar uma história, mas os diálogos não fazem sentido, os personagens tem carisma negativo e ele pressupõe que você irá conversar com NPCs aleatórios espalhados pela base para entender mais sobre o contexto do mundo. Mas é tudo tão mal escrito, mal contado e mal narrado que você dificilmente terá interesse em buscar entender o que tá acontecendo ou se importar com os plot twists do jogo (apesar de alguns tentarem ser dramáticos e acabarem não-intencionalmente hilários).
E a escrita ser boba nem seria um problema, já que esse tipo de narrativa tem seu valor em qualquer mídia (vide Outriders para um exemplo de como fazer isso muito bem). Mas o fato é que aqui é tudo mal executado. Nem mesmo o porquê ou o que mudaria na escolha das raças disponíveis no jogo é algo que interessa, mesmo que o jogo te force a escolher elas antes mesmo de saber qualquer coisa daquele mundo.
Novamente, isso até poderia ser perdoado, afinal, Babylon’s Fall é para ser um jogo de serviço, daqueles que se expandem e evoluem a cada temporada, de forma similar a jogos como Destiny ou Warframe. A questão é que, diferente de todos esses jogos, as missões aqui tem um dos piores designs de missões que eu me lembro em um bom tempo.
Todas as missões têm a mesma estrutura. Você as seleciona de um menu, decide se quer ir solo ou co-op (e cabe elogiar que o jogo tem um ótimo matchmaking e até um sistema de quick play, por mais difícil que seja achar outras pessoas jogando) e inicia a missão.
Lá, você irá passar por corredores até iniciar um de quatro “capítulos” (ou cinco em alguns casos), que são etapas da mesma missão e que consistem em uma luta de 2 a 5 minutos, receber uma nota com base na sua performance e partir para a próxima, até chegar na última onde você enfrentará um chefe (que são os únicos inimigos mais criativos do jogo).
Ao completar, a depender da média que você receber baseada na nota de cada capítulo, você ganhará equipamentos com nível baseado nisso. A ideia é que você irá realizar essas missões ou os Skirmishes repetidas vezes para melhorar seu desempenho e farmar melhores equipamentos e subir o seu nível de poder. A questão é que, para isso, você precisará lutar no jogo e aí entramos em um outro problema.
O combate de Babylon’s Fall poderia ser a única coisa que salvaria o jogo e, de certa forma, até é, no sentido em que, de todos os seus elementos, é o menos pior. Como todo jogo de ação, temos ataques fracos e ataques fortes e habilidades especiais (Spectral Attacks) que podem ser usadas em conjunto para construir combos e assim vão se combinando para um sistema de combate funcional, certo?
Bom… Funcional no sentido de que ao apertar os botões os comandos são executados, sim. Mas, em qualquer outro aspecto, Babylon’s Fall consegue tornar até mesmo a coisa mais padrão e simples do universo em um sistema entediante, chato e executado da pior forma possível, ainda que tenha tentado se diferenciar de uma forma até bem-vinda.
Essencialmente, a diferença fica pelo fato de que, enquanto existe um botão para cada uma dessas ações, você precisa equipar uma arma específica para cada uma dessas ações também. Isso significa que, caso você queira, pode usar 4 espadas ou 4 arcos, essencialmente replicando o funcionamento de outros jogos ou, o que é o recomendado, usar uma arma diferente em cada slot, te permitindo misturar ataques de 4 tipos distintos de arma e melhor explorar fraquezas e vulnerabilidades dos inimigos.
Há uma certa ênfase do próprio jogo em te recomendar usar armas de ataque físico como espadas e martelos em dois slots e outros dois slots serem designados para armas de ataque à distância (arcos e cajados). Isso te dá mais versatilidade e maior habilidades para lidar com todo possível tipo de mob que o jogo jogará contra você ao longo de cada missão.
Algo que poderia ajudar muito é uma decisão tão básica e tão comum de outros jogos similares à Babylon’s Fall que chega assustar o fato de não ser possível fazer aqui: trocar de equipamento durante uma missão. Caso você inicie uma missão, você automaticamente perde acesso ao seu inventário e o que você havia equipado será o que você levará para a próxima missão e pronto.
E não falo nem da possibilidade de equipar itens encontrados ao longo da missão (que também seria algo básico, mas dada a natureza aleatória do loot, é compreensível), mas o fato de você não poder trocar por itens que você já tinha e assim poder experimentar mais com o combate é algo tão ruim e chato que chega a tornar obsoleto o seu interesse em testar novas combinações, te forçando a se manter fiel a algo que deu certo e só trocando quando algo melhor daquele tipo específico surge.
E, não surpreendentemente, Babylon’s Fall tem algumas combinações muito fáceis de abusar. Chamou a minha atenção especialmente o quanto é fácil spammar ataques pesados com o cajado ou, principalmente, o quão desproporcionalmente poderoso é o martelo e o próprio cajado quando equipados nas habilidades especiais (R2 e L2).
O combate já não é dos mais interessantes, mas acaba se tornando ainda pior quando você pode só apertar um botão sem pensar muito ou segurar o gatilho até carregar um ataque e essencialmente matar o inimigo que deveria ser uma esponja de dano com um ataque só.
E, honestamente, toda a estrutura de design de Babylon’s Fall faz Marvel’s Avengers soar como uma aula em como projetar um jogo de serviço. O jogo possui um Season Pass, missões diárias (que são sempre as mesmas todos os dias), semanais (que são as mesmas das diárias, só que mais longas) e de temporada (mesma lógica).
E os itens ganhos no Season Pass até parecem interessantes, mas os pontos ganhos como recompensa por completar missões são tão poucos que faz avançar no passe ser sofrido e tira toda e qualquer motivação que aqueles itens poderiam vir a gerar no jogador, que é basicamente a mesma sensação que a falta de um endgame interessante também causa. E, é claro, o simples fato de que para ganhá-los você precisa jogar Babylon’s Fall já é desmotivador o suficiente.
Se há uma coisa que pode ser elogiada aqui é que o jogo roda muito bem no PS5, sem quedas na taxa de quadros, sem problemas com texturas ou bugs visuais e com um netcode bem impressionante, conectando bem rápido e nunca tendo gerado qualquer desconexão com o servidor.
Existe a considerável possibilidade de que isso se dá pelo fato de que Babylon’s Fall é o jogo mais feio que eu já vi rodando em um PS5, o que deve tornar a parte técnica bem mais leve pro console, mas são sacrifícios que parecem ter sido feitos com alguma intenção, afinal, servidores robustos não são exatamente baratos e o orçamento aqui não parece ter sido dos maiores.
E eu nem falo isso como algo negativo, já que eu tenho todo um histórico defendendo e elogiando jogos japoneses de menor orçamento. Mas o fato é que, a cada decisão que o estúdio tomou, eles parecem ter optado pela errada. E nada deixa isso mais claro do que o grotesco estilo visual que a Platinum usou pra tentar recriar a Babilônia do jogo.
Eu não consigo imaginar o porquê foi tomada essa decisão de recriar uma Babilônia com estilo de pintura à óleo, mas ela não funciona em momento nenhum. É triste, porque é uma ambientação que poderia ter funcionado melhor com o estilo gráfico mais adequado e não é algo que seja tão estranho assim para obras japonesas (Fate/GO teve um anime bem decente ambientado lá), mas me deixa até sem palavras pra descrever o quão ruim o jogo é visualmente (e ele sofreu um retrabalho para melhorar depois de ter sido duramente criticado nos testes). Mas ele roda a 60 quadros por segundo, então pelo menos temos isso.
Dito tudo isso, acho que fica bem claro que a única palavra que eu posso usar para descrever Babylon’s Fall é “erro”. Tudo no jogo me parece um erro, jogá-lo parece um erro e essa parceria em específico entre a Square e Platinum deu errado. Caso estivéssemos falando de um estúdio menor, é o tipo de erro que poderia deixá-lo em péssima situação ou até mesmo causar uma falência.
Com sorte, essa não será a situação da Platinum já que, apesar do que eu falei antes, é um estúdio com um histórico invejável para outras desenvolvedoras e que vinha em uma série de acertos impressionantes. É inegável, no entanto, que teria sido melhor que a parceria com a Square tivesse rendido uma nova parceria com o Yoko Taro ou outro diretor com uma visão criativa mais sólida, algo que nos poupasse de um jogo que deve entrar pra história como um dos, se não o pior de 2022.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Square Enix.
Veredito
Babylon’s Fall é um jogo que impressiona pelo fato de que nada nele funciona como deveria. É um título chato, sem graça e marcado por uma série de problemas. Acaba se destacando como um dos piores jogos em um ano cheio de ótimos lançamentos.
Babylon’s Fall is a game that impresses by the fact that nothing in it works as it should. It’s a boring title and marked by a series of problems. It ends up standing out as one of the worst games in a year full of great releases.
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