Análise – Blasphemous

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Desde os primórdios da antiguidade, a fé, seja no divino ou sobrenatural, funciona como um dos pilares centrais da humanidade, assumindo um papel chave em nossa construção como indivíduo. Essa poderosa força até hoje guia os homens, tanto para guerra quanto para a paz, sendo algo tão essencial para uns, que tudo que esteja fora de sua bolha de ação torna-se automaticamente um sacrilégio. É raro encontrar alguma obra que esteja disposta a discutir sobre o tema de uma forma que não seja unilateral e, por conta disso, me surpreendi com a forma e profundidade com que Blasphemous trata desse assunto.

Desenvolvido pelo estúdio independente The Game Kitchen, Blasphemous é um jogo 2D que mescla elementos de plataforma, metroidvania e da série Souls para criar uma das melhores e mais ousadas experiências que já tive no ano até então. Desde o anúncio de sua campanha no Kickstarter, há cerca de dois anos, sempre imaginei que o título usaria do forte apelo gráfico de suas imagens para se vender, de forma semelhante a Agony, sem ter que trabalhar para criar uma jogabilidade inovadora e um enredo bem trabalhado. Para minha felicidade, eu estava completamente errado, e o que temos aqui é uma das melhores narrativas e construção de mundo que vi nesse tipo de game desde Hollow Knight.

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A história se passa na terra de Cvstodia, onde devoção, penitência e pecado estão acima de tudo e de todos. Diferentes crenças, sejam antigas ou novas, estão em constante atrito e a população está em uma busca constante pela salvação, não importando os meios. A situação mudou quando uma antiga maldição conhecida como “o milagre” caiu em toda a nação, pouco a pouco enlouquecendo e transfigurando seus habitantes.

É neste cenário que surge o penitente, personagem controlado pelo jogador, o único sobrevivente da “irmandade da tristeza silenciosa”, em que todos os adeptos faziam um voto de silêncio como penitência. Empunhando a Mea Culpa, uma misteriosa espada alimentada pelo sangue e culpa de seu usuário, partiremos em uma longa e impiedosa jornada por uma Cvstodia distorcida, em busca da salvação para humanidade. O título conta com dois finais que podem ser obtidos pelo jogador com base em certas decisões tomadas ao longo da narrativa, e apesar de no momento não possuir legendas em português do Brasil, seus desenvolvedores prometeram a inclusão dessas em uma atualização futura.

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O enredo é extremamente bem trabalhado e assim como os jogos da série Souls, é contado por meio de múltiplas fontes, como itens, NPCs e elementos do cenário. Certos aspectos da narrativa são interpretativos, mas em momento algum tornam a aventura menos prazerosa ou intrigante, e constantemente nos levam a excelentes reflexões sobre o papel da religião em nosso mundo.

O jogo carrega um forte simbolismo religioso em cada um de seus elementos e, possivelmente chocará alguns com suas imagens que remetem principalmente à cultura cristã, bastante difundida ao redor do globo. Mas não se deixem abalar por isso. Afinal, tudo é totalmente intencional. Toda a estranheza causada em Blasphemous tem como objetivo evidenciar como reagimos a uma religião, culto ou crença alheia a nossa.

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O que pode parecer errado, bizarro ou até mesmo uma blasfêmia para nós, é apenas algo perfeitamente normal para aquele povo, que convive daquela forma há séculos. O jogador em certos momentos tomará algumas decisões baseadas nos princípios de sua religião, impondo inconscientemente o seu ponto de vista sobre outro e acreditando que o que faz é certo. Mas, o que de fato é “certo” nessa situação? Imaginem por exemplo como reagiriam pessoas sem nenhum tipo de crença na mesma ocasião ou frente às demais cenas do jogo. São múltiplas as reflexões que podem ser inferidas apenas sobre este ponto, e isso é oque torna Blasphemous tão singular e belo em sua construção de universo.

Em termos de gameplay o título não pretende reinventar a roda, trazer mecânicas revolucionárias ou extremamente complexas, e isso é supreendentemente positivo uma vez que seu próprio enredo, ambientação e temática já atuam neste sentido. Frente a isso, o jogo tenta se manter seu ritmo o mais próximo possível de jogos metroidvania, como Castlevania: Symphony of the Night, ainda que busque a inspiração da série Souls em algumas de suas mecânicas, mas sem deixar que isso ofusque o projeto como o que aconteceu em Death’s Gambit. Graças a isso, Blasphemous acaba adquirindo sua própria personalidade e estilo de jogo, sem precisar se sustentar em conceitos que já estão há muito tempo saturados.

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O mapa do jogo é simplesmente gigantesco, com variados tipos de biomas e locais para se visitar e uma rápida olhada é o suficiente para confirmar mais uma vez a forte inspiração de Symphony of the Night e Metroid. Graças à extensão de seu mapa, explorar 100% do que o game oferece pode levar mais de 25 horas, devido aos inúmeros segredos e coletáveis escondidos neste mundo. Existem um bom número de side-quests, que não só garantirão boas recompensas, como também oferecem uma visão mais aprofundada sobre o universo do título, com personagens secundários interessantes. Ao finalizar, novos modos de jogo ainda podem ser desbloqueados, garantindo um bom fator replay.

Entre os comandos básicos que o jogo oferece, somos capazes de andar, saltar e realizar combos com nossa espada à vontade, sem ter nenhum tipo de preocupação com elementos como fôlego (stamina), descartando esta mecânica em prol de dar maior mobilidade e opções para que o jogador se defenda. Acredite, você agradecerá os desenvolvedores por isso, já que podemos abusar de uma esquiva extremamente útil nos confrontos. Há ainda a possibilidade de aparar golpes, que exige uma boa capacidade de observação aliada a reflexos rápidos para funcionar. Se bem sucedido, podemos desferir um contra-ataque devastador e gratificante em nossos inimigos.

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Blasphemous oferece um bom grau de customização e melhorias que podem ser realizadas em nosso personagem. É possível adquirir novas variações de ataques com os pontos de experiência obtidos de inimigos, através de uma árvore de habilidades, acessada por meio de altares específicos espalhados no jogo. Além disso, o Penitente possui um rosário com espaços para pequenos amuletos, semelhante a Hollow Knight, que oferecem novos efeitos aos ataques ou bônus nos atributos do personagem. Por fim, a Mea Culpa, nossa fiel espada, pode ser equipada com certos itens, que garantem algumas vantagens ao mesmo tempo que trazem alguma penalidade consigo.

Magias existem em Blasphemous, e aqui são chamadas de milagres, poderosos feitiços que podem ser utilizados tanto ofensiva quanto defensivamente. Infelizmente, há certa limitação no sistema, já que só podemos equipar um milagre por vez, sem ter nenhuma opção de alterná-los durante o combate. Apesar disso, há uma boa variedade deles para utilizar, que podem ser obtidos através de exploração do cenário, lutas contra chefes e side-quests.

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O jogo possui uma dificuldade elevada por conta de seus inúmeros desafios. Algo bastante agradável é a liberdade inicial que possuímos dentro do título. Diferente da maioria dos metroidvanias, em que o jogador alcança uma área onde os inimigos são fortes demais para que enfrente, em Blasphemous praticamente tudo cai da mesma forma perante a lâmina do penitente. Claro, o jogador pode escolher ir por caminhos que considere mais fáceis, mas é totalmente possível criar sua própria rota, ainda que exista um ou outro local que só podem ser acessados por meio de algum item-chave ou habilidade.

Assim como em Dark Souls, a morte é tratada de forma diferencial dentro de Blasphemous. Ao morrer, o jogador sofrerá uma pequena penalidade no tamanho de sua barra de mana e na quantidade de experiência que obtém dos inimigos. Como de costume em jogos souls-like, tudo pode ser restaurado caso recuperemos um fragmento de pecado deixado no local de nossa morte. Não há redução de vida ou perda de experiência, o que surpreendentemente é agradável e justo com o jogador, oferecendo a oportunidade para que o mesmo adquira melhorias com a experiência acumulada para superar as adversidades eventualmente.

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Fragmentos de pecado ficam espalhados pelo mundo e são exibidos no mapa até que você vá coletá-los. Algo interessante é que, caso o jogador morra a caminho de recuperar um fragmento, este último não deixará de existir no mundo. O que ocorre é que agora o jogador deverá coletar dois fragmentos (e assim por diante), para reduzir progressivamente sua penalidade. Caso encontre dificuldade é possível pagar uma taxa de experiência em certas estátuas para limpar completamente o seu pecado.

Os inimigos presentes no game são fantásticos e representam bem a temática presente no título, intimidando e surpreendendo sempre que possível o jogador em sua jornada. Além de bem variados, possuem um excelente design e animação, sendo possível sentir a dor e agonia de cada um ao ser eliminado pelo Penitente. Os chefes por sua vez são o ponto mais alto dentro do título funcionando como ótimos desafios. São simplesmente perturbadores e extremamente detalhados em uma pixel-art impecável. Cada inimigo ainda possui uma eliminação brutal e extremamente gráfica que é realizada pelo Penitente, por meio de um QTE semelhante ao de God Of War. Felizmente, isso ocorre de forma ocasional, o que acaba não se tornando repetitivo ou desgastante com o passar do tempo.

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A direção de arte em Blasphemous dispensa comentários, entregando cenários e animações estonteantes, totalmente construídos em 16-bits. Toda a ambientação e enredo tomam como inspiração a arquitetura gótica da região de Sevilha, na Espanha, terra natal dos desenvolvedores. Apesar disso, existem elementos de outras culturas e religiões de outros cantos do mundo, que foram bem transportados e inseridos no universo do game. A trilha sonora  é fruto do excelente trabalho de Carlos Viola, responsável também pela música presente em The Last Door, outro título desenvolvido pela The Game Kitchen. Todas as faixas de áudio são gravadas por instrumentos reais inspirados pelo flamenco, que contribuem para transformar a experiência em um verdadeiro épico.

Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela The Game Kitchen.

Veredito

Blasphemous é uma grata surpresa neste ano e um título indispensável para fãs de jogos metroidvania ou souls-like. Sua atmosfera, mecânicas e enredo combinam-se de forma primorosa para criar um game que, além de extremamente divertido e viciante, possui sua própria identidade. The Game Kitchen certamente é um estúdio que merece mais atenção daqui para frente no cenário de jogos independentes.

90

Blasphemous

Fabricante: The Game Kitchen

Plataforma: ps4

Gênero: Ação / Aventura

Distribuidora: Team17

Lançamento: 10/09/2019

Dublado:

Legendado:

Troféus:

Comprar na

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Blasphemous is a pleasant surprise this year and an indispensable title for fans of metroidvania or souls-like games. Its atmosphere, mechanics and plot combine exquisitely to create a title that, besides being extremely fun and addictive, has its own identity. The Game Kitchen is certainly a studio that deserves more attention going forward in the independent gaming scene.

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Blasphemous is a pleasant surprise this year and an indispensable title for fans of metroidvania or souls-like games. Its atmosphere, mechanics and plot combine exquisitely to create a title that, besides being extremely fun and addictive, has its own identity. The Game Kitchen is certainly a studio that deserves more attention going forward in the independent gaming scene.

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