Jogos de videogame baseados – de forma mais realista ou não – em esportes do mundo real, via de regra, têm caído em um certo marasmo no que tange a inovação e a criatividade. Se não contarmos as incursões de Mario e sua turma, lá nas plataformas Nintendo, sobra muito pouco em termos de diversidade, e o mercado parece ter caminhado para uma direção (sem volta) rumo ao realismo estético e temático. Talvez os jogos de automobilismo ainda guardem lá suas inventividades, mas quanto a desportos como futebol, basquete e tantos outros, falta variedade de opções.
Aces of the Multiverse, projeto da desenvolvedora espanhola Gammera Nest e parte do programa de incentivo PlayStation Talents, tenta atingir exatamente essa questão, trazendo o bom e velho esporte bretão para uma roupagem de fantasia espacial descompromissada, onde as maiores rivalidades do multiverso são resolvidas ali, nas quatro linhas, mas com uma lógica maluca mais próxima do foi feito com o saudoso Space Jam. Essa batalha intergalática travada por times inusitados traz consigo uma ótima premissa que busca dar um certo frescor ao gênero. Todavia, em meio a ótimas ideias, há uma série de oportunidades perdidas.
É importante lembrar ainda que o jogo tem uma premissa de integração com o smartwatch infantil Xplora, e promete trazer uma série de benefícios para todos aqueles que sincronizam uma coisa com a outra. Não é nosso caso, portanto, e assim não poderemos analisar mais profundamente esse diferencial. Mas ao longo do texto, vamos apontando quais são esses elementos extras, que a princípio, não prejudicam a experiência geral do game para quem não tem o dispositivo.
Dito isso, vamos ao que interessa: Aces of the Multiverse é um jogo onde times com os mais diferentes jogadores se enfrentam em meio a tretas entre espécies e, digamos, clãs espaciais. Vamos encontrar robôs dos mais estranhos, ursos mutantes, insetos marombados e uma série de personagens bizarros, cada qual com suas capacidades e também limitações. Com partidas de 5 contra 5, vale a premissa mais essencial do futebol: quem fizer mais gols, vence. E a relação com o esporte tradicional meio que termina por aí. As regras (ou a falta delas), de certo modo, estão mais próximas do futebol de rua – não tem arremesso lateral, não tem goleiro, falta mesmo é só quando alguém morre, etc. Mas nem mesmo essa relação faz tanto sentido assim, porque há uma lógica interna muito particular.
Há um botão de chute, que pode ser carregado para disparos mais potentes, outro de passe, outro para tomar a bola num movimento quase de teleporte, e alguns movimentos especiais, as vezes únicos para o time, as vezes para cada jogador. Tudo muito dinâmico e acelerado. Em termos de jogabilidade, é que há de mais simples e, nesse sentido, o jogo se adapta muito coerentemente a um público-alvo mais infantil. Não por ser simplório, mas por se apropriar de uma ideia objetiva e direta, sem meandros ou administração de seja lá o que for. É pegar e jogar.
Talvez a grande limitação do jogo seja exatamente essa objetividade elevada à máxima potência, que se traduz em uma falta de conteúdo absurda. Há basicamente um modo História – curto, ligado por algumas cutscenes que simulam uma transmissão televisiva que conta um pouco mais dessa treta entre os mundos do jogo, que pode ser vista na íntegra no vídeo que gravamos e que está disponível no início deste texto – e um modo de amistoso, seja contra o IA, seja contra outra pessoa. E só. Basicamente, a carreira é um tutorial avançado, onde você aprende o básico do jogo em 3 partidas (liberando 3 times jogáveis ao final) e o resto do jogo em si é composto por amistosos solitários e a coleção de novos personagens e habilidades.
Há ainda uma galeria para que você possa acompanhar as cartas que vai ganhando (que vêm logo depois de cada vitória) e um modo de edição simples do time, onde é possível selecionar jogadores e as habilidades especiais de cada um e do coletivo. Nada muito complexo… são só mesmo ajustes para montar times fortes para jogar consigo mesmo. Ainda que cada um deles guarde suas estatísticas básicas, são poucas as diferenças significativas, e a composição do time acaba ficando muito mais pelo visual dos jogadores do que pela estratégia de montar uma equipe equilibrada.
A parte interessante aqui é que o design do jogo é surpreendente. Cada personagem tem aparência única e, mesmo em meio a limitações, conta com animações divertidas. Montar um time com um urso polar com o filhote, um tamanduá e outro urso com pernas mecânicas, e depois outra equipe com uma formiga arisca, um olho rosa com pernas e uma girafa com colares retrô é, em alguns momentos, mais divertido do que usar esse time depois. Cartas e habilidades especiais também tem sua parcela de capricho e as arenas são particularmente muito inventivas e merecem um grande destaque.
Por outro lado, tudo isso é pouco, muito pouco. São puquíssimos cenários e times selecionáveis. E basta jogar algumas partidas que os personagens novos se acabam e começam a surgir as cartas repetidas. Aí entra a integração com o Xplora, que promete alguns itens mais raros para quem cumpre algumas exigências de exercício e de atividades físicas. Porém, como dito, isso não pode ser testado e não parece mudar tanto assim essa experiência. Se o modo carreira dura 20 ou 30 minutos e passar por todos os times e cenários no modo amistoso não dura mais que uma hora, não sobra muita coisa pra se ver depois de algumas horinhas de bobeira.
Não ajuda muito o fato de a IA ser absolutamente primária e, mesmo nas dificuldades mais elevadas (algo já estabelecido para cada adversário nos amistosos contra a IA) não oferecem nenhum tipo de desafio, mesmo para um público mais infantil. As habilidades especiais de time ou de jogador – no caso, os tais “ases” – só vão ser de fato importantes em disputas mais equilibradas no multiplayer local. No mais, a estratégia mais simples é a de pegar a bola primeiro, correr na direção do gol e só tomar cuidado com a direção do chute, já que a troca de passes também não chega a ser muito sustentável.
Isso porque a direção dos chutes – sejam eles para o gol, seja na assistência para um adversário – é exata e se não for preciso, fatalmente causará um contra-ataque, onde o adversário sai correndo até chegar ao gol. Não há muitas variáveis, não há muita tática. Ganha quem conseguir acertar mais chutes e aprender a lidar bem com a tomada de bola, sobretudo em termos de timing e distância. E é nesse aspecto que Aces of the Multiverse desperdiça seu grande potencial, uma vez que não oferece qualquer tipo de incentivo para manutenção da atenção, do desafio ou do descobrimento de seu público.
Claro que há artifícios que ajudam a dar um pouco mais de profundidade ao jogo. O controle de seu time é mais manual do que se espera de um game de esportes, sobretudo com essa cara de arcade. Logo fica evidente que dá pra fazer mais do que sair correndo atrás do adversário e tentar pegar a bola sem se cansar, ou mesmo que é possível criar jogadas dignas de replay. Mas, repito, tudo isso só vale a investida se você tiver outra pessoa do seu lado que realmente tem a mesma determinação em jogar, porque contra a IA, nada disso faz falta, e nas jogatinas descompromissadas de domingo, isso só se tornaria chato.
Como exemplo, experimentei o jogo sozinho, contra amigos adultos e com a minha filha de 4 anos de idade. Expressões como “de novo” e “só tem isso?” ou “cansei” vieram de todos esses públicos – inclusive de mim mesmo – depois de alguns minutos, ganhando ou perdendo. Como não há muito conteúdo em nenhum aspecto, nem qualquer tipo de variação na gameplay, muito menos ajustes de aumento de dificuldade, tudo se torna muito repetitivo rapidamente, e a sensação geral é que a experiência completa do jogo se dá, no máximo, depois de 5 ou 10 partidas, restando somente o incentivo dos troféus de longevidade como mote para continuar jogando.
Fica a sensação de que o projeto tem um potencial latente muito maior do que o que foi entregue. Afinal, estamos falando de literalmente um multiverso de possibilidades tanto de raças, quanto de ambientes a se explorar. Se um campo tem como traves plantas macabras e o outro tem luzes e arquibancadas coloridas, imagine o que os criadores poderiam trazer em uma dezena de diferentes arenas. O mesmo vale para times e jogadores. Robôs, insetos e mamíferos renderam ótimos desenhos de personagem. É fácil projetar a quantidade de pirações antropomórficas que poderiam sair daí. Isso só pensando em expansão do que já existe. Há muito mais para onde crescer, mesmo com uma mecânica relativamente simplista.
Veredito
Aces of the Multiverse é um respiro criativo quando traz ideias frescas para o universo dos esportes, sobretudo o nosso tão adorado futebol, e tem soluções audiovisuais bem interessantes, mas tropeça feio em uma jogabilidade simplista demais e principalmente na falta de conteúdo. Tem méritos pelas boas ideias, mas acaba derrotado por não saber explorá-las bem.
Jogo analisado com código fornecido pela Gammera Nest.
Veredito
Aces of the Multiverse is a creative sigh bringing fresh ideas to the sports world, specially to our beloved soccer. With very interesting audio-visual solutions, it stumbles horribly in an overly simplistic gameplay and mainly in the absence of content. It presents some good ideas, but ends up failing for not knowing how to exploit them so well.
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