Assim como alguns filmes atingem o status de “cult” depois de alguns anos, Alan Wake foi uma experiência que passou por algo parecido. Lançado em 2010 para Xbox 360 e PC, a história do romancista e autor dos best sellers de Alex Casey cultivou diversos fãs ao longo dos anos. Não foi um jogo extraordinário ou fora da curva, mas fez o que fez muito bem e estruturou uma forma única de narrativa, particular aos jogos da Remedy. Estrutura que seria masterizada em jogos subsequentes e culminariam no melhor trabalho do estúdio até o momento. Sim, Alan Wake 2 é o melhor jogo da Remedy. É também um dos melhores jogos do ano e um verdadeiro triunfo no que diz respeito a estrutura narrativa, ambientação e história.
A Remedy Entertainment passou os últimos 10 anos aperfeiçoando sua fórmula e conseguiu em Alan Wake 2 mostrar tudo o que essa experiência é capaz. Jogos como Quantum Break e Control pavimentaram o caminho e mostraram aos fãs do que o estúdio de Sam Lake é qualificado de entregar. Misturando cenas com atores reais, cutscenes dentro da engine do jogo, músicas originais e a recitação dos manuscritos de Alan, esse caldeirão de ideias condensa tudo o que fez Alan Wake 2 dar certo. É uma história envolvente e fez minhas madrugadas bem mais ativas que o normal. Era difícil parar de jogar e mais difícil ainda parar de pensar sobre.
Mesmo com alguns problemas técnicos insistindo em prejudicar minha experiência, o jogo entregava mais. As quedas de framerate ou os bugs gráficos padeciam e tornavam-se apenas pequenos incômodos (com um exceção de um bug que contarei depois) numa jogatina que me prendia por horas a fio. Entretanto, mesmo não sendo algo que me trouxe grande descontentamento, preciso ser justo em considerar esses problemas como problemas. Separarei uma seção mais a frente para detalhar melhor os aspectos técnicos do jogo.
Alan Wake 2 é uma sequência direta e se passa 13 anos após os acontecimentos do primeiro jogo. Alan está preso no Lugar Obscuro – uma espécie de realidade alternativa sombria que opera independente do mundo real. Noções de tempo e espaço são totalmente distorcidas. Ciclos que se repetem indefinidamente e espaços liminares que desafiam qualquer lei da física habitam o Lugar Obscuro.
Como visto no final da DLC “AWE” de Control, algo está acontecendo em Bright Falls – a pacata cidade em Washington D.C que foi palco do primeiro jogo. Saga Anderson e Alex Casey, agentes do FBI, são enviados à cidade para investigar uma série de assassinatos na região. Além dos homicídios, os corpos de diversas pessoas desaparecidas em 2010 ressurgiam, todas localizadas próximas a região de Cauldron Lake. O lago, não coincidentemente, foi onde Alan Wake desapareceu.
A investigação de Saga e Casey leva os agentes de encontro a um culto conhecido como Seita da Árvore. As coisas começam a ficar mais complicadas quando uma das vítimas é identificada como Robert Nightingale, um ex-agente do FBI desaparecido durante os eventos de Bright Falls na década passada. Qual a motivação da Seita da Árvore e qual sua ligação com os desaparecidos há mais de 10 anos? Onde que o sumiço de Alan Wake se encaixa na equação?
Para adicionar ainda mais no mistério, Saga começa a encontrar manuscritos que narram sua investigação em detalhes, apontando situações que ainda irão acontecer. A agente tenta fazer sentido do manuscrito, mas dificilmente há espaço para uma explicação racional. Era como se estivessem escrevendo uma história de terror em que ela era uma das personagens.
A parte de Saga na história segue uma estrutura que lembra séries como Mindhunter e Twin Peaks. Referências a obras de thrillers investigativos e de suspense são feitas à rodo, com certas pitadas de ficção sobrenatural. É quase impossível de desgrudar os olhos da tela e a mão do controle.
Como sabemos, a Saga não é a única protagonista da história. Enquanto a investigação da agente progride, seguimos a perspectiva de Alan tentando escapar do Lugar Obscuro. A parte da história com o escritor é uma viagem surrealista e genuinamente assustadora. Não só Wake está tentando escapar de lá, mas também sobreviver. Sr. Scratch, uma representação maligna e um doppelgänger de Alan Wake, está à solta, assombrando o escritor.
Para fugir do Lugar Obscuro, Wake entende que a única forma é escrever uma história em que ele escapa. A escrita, todavia, não depende só ele. Alan precisa seguir regras e uma linha narrativa que façam sentido dentro daquele mundo – mesmo que o lugar em si não pareça seguir nenhuma regra.
E aqui que Alan Wake 2 brilha. A história do jogo se entrelaça entre o real e a ficção, a escrita de Alan que vai se manifestando das formas mais sutis e descaradas ao mesmo tempo. Estamos jogando o que Wake escreveu ou reescrevendo uma história que já estava pré determinada? Estamos controlando o autor ou apenas seguindo um script?
É magnífico e original de um jeito que eu não via há muito tempo. Mas fica aqui o aviso: é de dar nó na cabeça. Recomendo fortemente se ambientar no mundo que a Remedy fez, se possível. O primeiro jogo (e seu spin-off canônico, Alan Wake’s American Nightmare), Control e até mesmo Quantum Break se complementam e ajudam a entender as leis desse universo e o contexto que os jogos se passam.
Alan Wake 2 funciona como lados distintos de uma mesma moeda. O modo de jogar de Saga é diferente do Alan e em jeitos bem interessantes. Por ser uma agente do FBI e seu lado da história ter a pegada mais investigativa, o gameplay com Saga gira em torno de coletar pistas, conversar com suspeitos e testemunhas e analisar o perfil de pessoas importantes na história.
Cada pista, conversa, página do manuscrito, vídeo ou áudio encontrado vai para o Lugar Mental da Saga. O Lugar Mental é uma variação de uma técnica conhecida como Palácio Mental (ou Palácio da Memória) e no jogo funciona como uma forma de “hub” de informações. Nesse espaço, Saga (e o jogador) conseguem ligar as pistas e fazer deduções, além de analisar diversos casos paralelos e manter em check tudo o que o jogador encontrou de relevante e tem ainda para descobrir.
Esse aspecto do gameplay casa muito bem com a temática do jogo. Achei bem divertido ver o meu quadro de casos ficando maior, ligar várias pistas e ler as deduções que Saga fazia. Contudo, preciso esclarecer que esse não é um jogo primariamente investigativo, apenas se apropria desse gênero como temática. Só existe uma forma de ligar as pistas e não tem como chegar a conclusões erradas. O jogo é estritamente linear nesse ponto.
Alan possui uma versão parecida com o Lugar Mental da Saga. Chamado de Sala do Escritor, o jogador tem acesso a um punhado de informações e rascunhos sobre a história que Wake está escrevendo. Nas partes jogáveis com o escritor, há momentos em que uma cena poderá ser reescrita, alterando a realidade daquele momento. Cada cena possui “conceitos” a serem descobertos e usados para mudar a realidade – esses conceitos são encontrados através de “ecos” (basicamente um coletável em que o jogador alinha dois pontos no ambiente e destrava uma cutscene) e são de suma importância para progredir.
Além dessas duas mecânicas principais para os protagonistas, o jogo segue um modelo padrão de tiro em terceira pessoa. Alan Wake 2 é influenciado de cabo a rabo por outros jogos de survival horror, especialmente os remakes de Resident Evil. A câmera sobre os ombros, a exploração, manejo de inventário e o gunplay são super similares com os jogos da Capcom.
O gunplay é pesado e satisfatório. Ambos protagonistas contam com um botão dedicado pra esquiva que também funciona muito bem. As armas tem uma variação decente e são legais de se usar – mas nada fora do ordinário. Manejar o inventário estrategicamente é importantíssimo, já que não tem itens supérfluos aqui.
A mecânica da lanterna do primeiro jogo permanece igual – os inimigos têm um “escudo” de escuridão que deve ser destruído com a luz para depois eliminá-los com arma de fogo normal. Meu único problema foi que agora a lanterna possui cargas individuais que são gastas a cada apertada de botão (ao contrário de uma carga única e contínua igual do primeiro jogo).
No geral, Alan Wake 2 é um jogo genuinamente assustador. As seções com Saga na floresta a noite são de causar ansiedade e a Nova Iorque sombria de Alan é de causar calafrios. Várias jogatinas minhas foram na sala, de noite, sozinho e com fone de ouvido. Tomei muito susto mas a imersão recompensou demais.
Mesmo sendo o primeiro jogo de terror da Remedy, o trabalho que fizeram aqui foi de extrema qualidade. Coloco Alan Wake 2 facilmente como um dos melhores de terror que já joguei.
Alan Wake 2 é um dos jogos mais bonitos dessa geração. Todo o trabalho de iluminação, texturas, modelos faciais e de personagens mostram o poder da atual geração. No PlayStation 5 o game conta com dois modos: qualidade e performance. Optei por jogar no modo performance, já que os 60fps fazem uma diferença gigante na fluidez do jogo no geral.
Todavia, os maiores problemas do jogo são técnicos. Como joguei no pré lançamento e na semana seguinte que o jogo saiu, vários probleminhas chatos pipocavam vez ou outra. Iluminação quebrava vez ou outra, quedas no fps, personagem preso na geometria do cenário, texturas carregadas erradas… E por aí vai.
Os mais problemáticos de todos são os bugs que impedem a progressão. No final do jogo tive um breve momento de desespero e achei que não conseguiria avançar. Basicamente, um asset do cenário estava bloqueando minha passagem na porta e não havia outro lugar para ir. Depois de carregar várias vezes o checkpoint, o personagem simplesmente clipou por cima do objeto e consegui progredir. Nunca suspirei tão fundo na vida.
Se não fossem esses problemas, Alan Wake 2 seria quase imaculado. Sou bem resiliente a questões técnicas problemáticas, mas os jogadores que pretendem jogar precisam saber disso. Essas questões possivelmente serão consertadas em sua totalidade com o passar do tempo – e com vários patches de correção.
Concluindo, Alan Wake 2 é excepcional. Conta com uma história absurdamente boa, surrealista e de quebrar a cabeça – mesmo que seja um pouco difícil de acompanhar detalhe por detalhe. O passo que as coisas vão acontecendo prendem até o final, sem deixar a peteca cair hora nenhuma.
O gameplay, apesar de familiar com outros games do gênero, é bem executado e possui um twist original que só os jogos da Remedy tem. As mecânicas do Lugar Mental e da Sala do Escritor são ótimas e ajudam a manter a jogatina fresca.
Visualmente, o estúdio elevou o nível do que um videogame pode ser e entregou um jogo digno dessa geração. Tecnicamente, poderia ter chegado em um estado singelamente melhor. Pelo menos no lançamento, bugs e problemas gráficos fizeram a festa – e com exceção dos que impedem progresso, felizmente, não é nada que estraga a experiência.
Depois de 13 anos, Alan Wake 2 valeu e muito a espera.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Epic Games.
Veredito
Alan Wake 2 é o resultado de toda a experiência que a Remedy acumulou nos últimos dez anos. Surreal, assustador e simplesmente excelente, é uma experiência que vai viver na minha cabeça pelos próximos anos.
Alan Wake 2 is the result of all the experience that Remedy has accumulated over the last ten years. Surreal, scary and simply excellent, it’s an experience that will live in my head for years to come.
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