Vez ou outra, ouvimos a expressão que uma ideia é muito boa, mas o mundo não está preparado para ela, ou que fulano pensa tão diferente que está à frente do seu tempo. Em grande parte dos casos, a hipérbole se torna um elogio, uma forma de valorizar algo que realmente parece muito diferente do que as pessoas estão acostumadas, mas dificilmente estas expressões podem ser levadas a sério. Mas quando se trata de Jeff Minter, uma das mentes por trás de projetos como Tempest 2000, pode-se dizer que ele realmente precisava de algumas décadas para que a sua ideia para o que hoje foi chamado de Akka Arrh fosse compreendida e colocada em prática.
Reza a lenda que, nos tempos onde os gabinetes dos arcades eram mais caros do que os jogos em si, era comum que algumas obras fossem colocadas para teste com poucas unidades controladas, para assim se verificar a aceitação do público antes do investimento pesado na produção em massa. Akka Arrh teria sido levado a este teste de fogo e não se deu muito bem, sendo engavetado antes mesmo do grande público saber de sua existência. Agora com a lendária Atari próxima de alcançar o meio século de existência, eis que o jogo ganha uma nova chance em plataformas modernas e, quem sabe, fazer justiça ao que ele teria de novo para mostrar ao mundo. Lançado primeiro no Switch e no PC, agora chega também ao Playstation 5.
Ainda que seja, portanto, um jogo bastante peculiar para os padrões de seu tempo, ele guarda também muitas semelhanças com alguns dos mais importantes games da alvorecer da história dos videogames. Estabelecido como um jogo espacial de tiro onde a nave protagonista ocupa o centro da tela, a mais óbvia referência é Spacewar, uma das primeiras investidas no campo da interação, produzido por volta de 1961 por um grupo de entusiastas que pouco crédito levavam pelas contribuições que trouxeram para o nosso nicho. Em Akka Arrh, contudo, há um elemento de abstração e imaterialidade que supera o uso de pixels para representar alegoricamente elementos físicos.
Inicialmente, compreende-se que temos à disposição dois tipos de armamento em nosso arsenal, sendo o primeiro bombas de efeito em área que se aproveitam de ondas de choque em cadeia para promover o combo em corpos inimigos; e tiros diretos que atingem outros tipos de adversários imunes aos explosivos. Ao longo das dezenas de níveis que se seguem quase que ininterruptamente, encontramos power ups que incrementam as nossas possibilidades de ação, da mesma forma que os perigos se tornam cada vez mais complicados de lidar. Para quem sente falta de uma curva de dificuldade acentuadíssima típica das máquinas velhas dos anos 1980, este é um prato cheio para treinar a resiliência.
Talvez o aspecto que mais se distancie de outros clássicos do gênero é o fato de que a batalha campal se dá não em um plano, mas sim em dois. O básico é aquele onde nossa nave, se é que podemos dar esse nome para algo que mais parece um crânio psicodélico de bisão, enfrenta hordas e mais hordas de vilões agressivos e violentos, que seguem padrões de movimentação cada vez mais sofisticados. Se os primeiros só seguem em nossa direção como corpos celestes à esmo, outros começam a ter comportamentos mais agressivos e impiedosos. Mesmo que o formato de ponto focal no centro da tela seja estranho aos jogadores mais jovens, a dinâmica de combate se aproxima bastante de shoot ‘em ups mais convencionais e será facilmente absorvida.
O perigo de verdade, porém, está no nível inferior, já que quem consegue invadir nosso espaço desce até lá para roubar nossas orbes de HP. Se todas forem levadas, é game over. Para evitar que sejamos saqueados, precisamos descer quando atacados para expulsar os visitantes indesejados. O problema é que controlar um nível deixa o outro desguarnecido, e não demora muito para que o jogador entenda que terá que equilibrar subidas e descidas para não se dar mal. Pior é o fato de que não há munição infinita, então é necessário vencer adversários no primeiro plano para acumular projéteis reutilizáveis. Ficar indefeso em momentos de tensão é o que de pior pode acontecer principalmente nas fases mais avançadas.
Parece complicado, principalmente quando tentamos projetar essas mecânicas nas imagens que ilustram esta análise. Aprender cada um desses detalhes é mais rápido do que falar sobre eles, eu suponho. O jogo conta com bons tutoriais em texto que acompanham os primeiros 10 níveis que ajudam nesse entendimento básico. O domínio destes aspectos em conjunto, porém, é outra história. Aprender o timing dos disparos, bem como cuidar da mira móvel, são só os primeiros elementos a se dominar na marra, e o que se segue é uma explosão de elementos vertiginosos na tela. Para quem tem qualquer problema com luzes e cores piscantes, este é um jogo para se passar longe. Não tive a chance de experimentá-lo no PSVR, modo que está disponível mas não é obrigatório, mas tenho ideia do quão mal passaria com 10 ou 15 minutos de experimentação.
Essa profusão de cores neon pulsantes e outros efeitos de verdadeiro psicodelismo me incomodou logo de cara, porque é um elemento catártico típico dos anos 1980 que acaba me cansando muito rapidamente. Felizmente, como pode ser visto no vídeo que abre esta análise, é possível amenizar esses efeitos no menu principal, onde também podemos corrigir o mapeamento de botões de ataque e outros detalhes mais tradicionais. Ainda assim, a interface de entrada é um tanto quanto confusa, e demora para entendermos onde se muda dificuldade, por exemplo. Quando se acostuma com a lógica de entrada, fica um pouco mais fácil entender que uma vez derrotado, é possível retornar de onde se parou ou das fases anteriores, o que favorece a quebra de recordes estabelecidos e de novos.
O ranking on-line de pontuação, como não poderia deixar de ser, é um aspecto que pode agradar quem tem a intenção de buscar sempre algo próximo da perfeição. Conseguir encaixar o combo perfeito, ou superar os desafios com o mínimo de esforço possível é sempre um ótimo incentivo para o retorno aos níveis vencidos, o que aumenta muito a vida útil do game. Para os mais sádicos, há que se experimentar a dificuldade hard para ver até onde se consegue ir antes de jogar o controle na parede. Por mais direto que o jogo seja em sua gameplay, toda a atmosfera criada tenta emular o sentimento das máquinas encardidas de fliperama da nossa infância, e a nostalgia é um sentimento curioso por ser acionada por aquilo que nunca fora lançado de verdade.
Os tempos são outros, porém, e a profusão de cores e formas na tela pode parecer um pouco demais. Confesso que em muitos níveis, inclusive aqueles que eu consegui vencer, vários dos estímulos visuais simplesmente passam sem tempo de retenção visual. Por puro senso de sobrevivência, aprendemos a automatizar ações, como disparar bombas para esperar o efeito em ondas sem sequer olhar para onde, e esperar que aquilo cumpra o seu papel enquanto que a atenção está voltada para de onde pode surgir um projétil mal intencionado, ou se tem alguém saqueando nossos recursos.
Os elementos de power ups, por exemplo, mesmo se apropriando de uma iconografia muito coesa com a proposta estética do jogo, também não nos dão tempo para decidirmos se os queremos ou não. Tudo se torna muito mais instintivo do que propriamente uma ação pensada, e somos jogadores mais reativos do que propositivos. Aquela corridinha de olho na pontuação geral ou nos avisos visuais de quebra de recorde podem custar caro, e não é raro que explosões e outras pirotecnias nos deixem confusos por tempo suficiente para cometer um erro fatal antes de nos darmos conta disso. Akka Arrh é puro caos visual que desafia, que incentiva, que nos leva ao extremo da atenção. Isso pode não ser algo para todo tipo de jogador, mesmo os mais velhos, mas para entusiastas, é o ápice do formato.
Configurado propositalmente para ser a conjunção de ideias provocativas que foram negadas em seu tempo, com as possibilidades audiovisuais mais modernas, Akka Arrh é esquisito como se espera de uma obra deste autor quase incompreendido. É um jogo que segue na contramão do ritmo e da cadência da indústria de games de hoje, e presa pela ação rápida, pela resposta imediata e pela catarse ininterrupta. Como parte de uma história não contada, uma obra importantíssima, mas como uma experiência reflexiva, só mesmo para aqueles com a paciência em dia.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Atari.
Veredito
Akka Arrh é uma experiência psicodélica quase sensorial, oferecendo ação desafiadora e ininterrupta que se apropria de mecânicas precisas, mas difíceis de se dominar. Há um visual propositalmente confuso, com toques de modernidade dando sustentação a uma ideia incompreendida décadas atrás.
Akka Arrh is a psychedelic, almost sensory experience, offering challenging, non-stop action that embraces precise but difficult-to-master mechanics. There is a purposefully confusing visual, with touches of modernity supporting an idea that was misunderstood decades ago.
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