Há que se admirar a capacidade da indústria em valorizar a si mesma e, ao tempo todo, estar buscando novas formas de resgatar experiências, sensações e vivências de um tempo outro, algo que não é exclusividade desta nossa nobre arte dos jogos eletrônicos, mas que parece ser uma âncora onde muitas produções encontram sua base de apoio. Não é difícil encontrar exemplos disso, e basta lembrar que nunca houve tantos jogos metroidvania no mercado como agora, muito mais do que na época onde as franquias que deram origem ao gênero estavam em seu auge de popularidade.
Não é segredo também que o fator nostalgia tem seus ciclos e seus nichos, tal como a moda. E chegamos no estágio onde toda a dinâmica da era PS2 parece estar cativando uma horda de jogadores (e desenvolvedores) que vivenciaram aquele momento, e várias produções estão buscando entender quais eram os eixos norteadores que determinam o que realmente era instigante naquela época não tão distante assim. Eram os visuais que alcançavam um ponto muito além dos blocos poligonais da geração anterior, mas ainda sem o virtuosismo da alta definição? Era uma exploração mais experimental dos espaços tridimensionais? Era um modelo de colorização e texturização diferenciados? Talvez a movimentação mais livre da câmera? Ou será que este saudosismo está muito mais vinculado ao tipo de produção mais comum naquela época?
Akimbot, um jogo de plataforma e aventura 3D desenvolvido pela Evil Raptor, mesma produtora que deu vida a Pumpkin Jack (este também uma homenagem a games clássicos do início da era tridimensional), que tem como uma meta bastante evidente reativar essas sensações emotivas dos jogadores mais experientes enquanto busca encontrar um novo público para um formato já bastante tradicional desde a popularização de Super Mario 64, mas que se espelha em um outro clássico do lado azul da força, a série Ratchet & Clank. Ainda que seja estrelado por duas criaturas robóticas, é impossível não reconhecer em um deles até mesmo o formato antropozoomórfico do lombax mais famoso do mundo dos videogames.
Exe, como é conhecido o protagonista desta aventura espacial, é um caçador de recompensas bastante mal humorado que recebe a incumbência nada simples de salvar esta galáxia povoada por seres robóticos. Seu encontro inesperado com Shipset, que mais parece um daqueles dróides irritantes de Star Wars, estabelece uma dinâmica típica de narrativa do tipo Buddy Cop, com o extremo bom humor escrachado de um complementando o modo quieto ranzinza do outro, onde as divergências são o estopim para o desenvolvimento de uma grande jornada de amizade. A colaboração forçada logo dá lugar para a complementaridade e o que vem a seguir não é das coisas mais surpreendentes desse tipo de história.
Juntos, portanto, eles deverão percorrer diferentes planetas e enfrentar um batalhão de inimigos sedentos por suas peças a mando de um vilão desvairado, o ex-cientista Malignotron, que precisa de um artefato que poderá dar vazão aos seus planos mais maquiavélicos. Toda semelhança a um sem-fim de outras produções não é mera coincidência, e o tom narrativo é, de longe, um dos pontos mais reconhecíveis e, ao mesmo tempo, menos interessantes da jornada, que se cerca dos clichês como forma de auto sabotagem metalinguística cujo resultado, no fim, até rende algumas boas desculpas para nos levar a lugares pouco óbvios, mas que no final abusa das convenções mais simplórias e entrega muito pouco com o que nos importar de verdade. O estereótipo fácil das personagens centrais não ajuda a criar empatia, e restam poucas piadinhas às quais se agarrar.
E se o tratamento narrativo sofre de uma espécie de Síndrome de Benjamin Button, tendo nascido velho com todas as limitações da idade que finge ter, o aspecto da jogabilidade se sai um pouco melhor, não porque se aproveita só de algumas facilidades da modernidade, mas porque consegue mesclar melhor as dinâmicas estruturais convencionais com um modo mais atual de se adaptar aos comandos de um jogo típico do gênero de tiro e aventura. Assim, Akimbot não faz qualquer força em disfarçar sua linearidade, nos colocando em fases bem demarcadas com começo, meio e fim, espalhando alguns poucos segredos escondidos em caminhos secretos e rotas alternativas, com cenários infestados de inimigos comuns, armadilhas e, como de praxe, finalizado com um chefe de nível intenso.
Ao mesmo tempo, suas mecânicas de tiro são cheias de fluidez e o seu controle de câmera consegue lidar bem com o terror que eram os primeiros experimentos do formato. Ainda há enroscos e ângulos mal calculados em espaços apertados, mas desta maldição nem os jogos contemporâneos conseguiram se livrar definitivamente. As passagens de plataforma são presentes e funcionam bastante a contento, com direito a mecânicas interessantes como caminhar em paredes verticais no melhor estilo do recente Ghostrunner ou do clássico atemporal Prince of Persia: The Sands os Time, além de passagens pontuais em veículos ou criaturas – não vou contar quais para não estregar demais os temas de cada fase – cuja jogabilidade é bastante satisfatória e não deve em nada para outros jogos de maior porte.
Contudo, mirar e atirar continua sendo a prática central do combate do game, e Exe conta com um arsenal de bastante respeito à disposição. De fuzis a armas ácidas; de laser a bazucas, pode-se afirmar que não faltam arquétipos definidos que vão satisfazer qualquer pessoa que já tenha disparado uma arma virtual alguma vez na vida. Uma lojinha fortuitamente encontrada em pontos estratégicos do mapa é o centro comercial do jogo, permitindo adquirir novos equipamentos e melhorar os já existentes, alguns deles com um tempo de cooldown, outros com munição infinita que depende só de tempo de recarga. Entretanto, como são, em volume, poucas melhorias e armamentos, eles são caros e demora para que tenhamos uma progressão substancial no poder de fogo.
Já no quesito da movimentação, há que se salientar que aqui há um esforço notável em não complicar a vida do jogador para além das dificuldades mais convencionais. O salto, e sua versão dupla, são bem generosos e poucas vezes há aquela sensação de que ou se é perfeito, ou se falha miseravelmente. Cair é uma possibilidade, mas jamais parece que foi algo forçado demais. O dash, que é utilizado tanto quanto esquiva quanto para complemento de alcance no ar, é um pouco menos preciso, mas bastante útil se bem utilizado. Há uma boa maleabilidade de correção em passagens aéreas, e mesmo não sendo um jogo exatamente fácil, a sensação (boa) é que não existe uma tentativa de boicotar o jogador o tempo todo. O erro é, portanto, reponsabilidade pela má execução dos controles, e não trapaça do design como tem sido comum em jogos que se fazem de difíceis quase que artificialmente.
Já pelo aspecto audiovisual, a sensação que o jogo vem pré-datado também parece ser muito mais uma limitação do que uma homenagem explícita a outros tempos. O uso majoritário de elementos robóticos é uma bela saída para criação de texturas e mecanismos críveis, mas sacrificam a identidade do jogo, que acaba se tornando um tanto quanto genérica e sem personalidade. Cenários como complexos industriais, cavernas rochosas e praias desérticas também não inspiram nem a exploração, nem o encantamento. Texturas pouco atraentes e fatores climáticos burocráticos ajudam pouco, e salvam-se alguns efeitos de partículas que dão um pouco mais de vida àqueles lugares sem brilho. Falta ousadia para imprimir uma marca mais impactante para um jogo que joga no seguro, mas sempre na defesa, sem riscos.
Não é um mundo desprezível ou insatisfatório e, ao contrário, há uma boa diversidade de biomas, bem como uma certa arquitetura bem projetada, cujo design tanto de níveis quanto de puzzles falha em oferecer um pouco mais de complexidade. Mesmo assim, Akimbot parece visualmente se ater tanto em lembrar de coisas que já vimos que esquece de ser por si, de se soltar das amarras referenciais e ter vida própria, algo que não acontece, por exemplo, com a boa trilha sonora do jogo que tem sim seus destaques, tal como o trabalho de vozes. Eu particularmente acho a leitura dada à interpretação do co-protagonista algo irritante e quase insuportável, mas é evidente que há uma construção de personagem ali bem amparada pelo bom trabalho de som, muito mais do que o de visuais genéricos e sem sal.
Akimbot é, tal como descrito acima, um jogo que não nega suas inspirações e o objetivo máximo em emular uma experiência típica de tempos onde o gênero cresceu, se proliferou e encontrou suas mais criativas iterações. Como síntese, não faz feio, e se prova competente do início ao fim em uma aventura que leva cerca de 10 a 12 horas para se vencer com calma e explorando os cenários em busca de colecionáveis. Sua maior ausência está na falta de ambição em não só replicar uma fórmula bem sucedida, mas também a ressignificar seus princípios para os dias atuais, faltando criatividade e ousadia. É uma sistematização protocolar, funcional, mas com pouco a acrescentar. Parece tanto, mas tanto com Ratchet & Clank (ou mesmo com o esquecido Jak & Daxter) que é difícil encontrar motivos para jogá-lo ao invés da retornar à sua fonte de inspirações, aqueles sim provocadores para o seu tempo.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela PLAION.
Veredito
Akimbot é, sem dúvidas, um bom jogo de plataforma 3D que honra suas maiores e mais óbvias referências, com uma boa construção de mundo, narrativa mais-do-mesmo e mecânicas competentes. Mas ousa pouco e dificilmente se arrisca em explorar algo para além do que já vimos antes.
Akimbot is undoubtedly a good 3D platformer that honors its biggest and most obvious references, with good world-building, a more-of-the-same narrative and competent mechanics. But it dares little and hardly risks exploring anything beyond what we’ve seen before.
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