Afterlove EP – Review

É muito provável que em algum momento você já tenha ouvido falar em Coffee Talk. Criado por Mohammad Fahmi, o jogo foi muito bem recebido por apresentar uma história engajante e com dramas críveis que se passava dentro de uma cafeteria, com uma aura aconchegante e personagens interessantes. Afterlove EP é o último projeto de Mohammad, que veio a falecer em 2022, e traz em seu core a mesma essência.

Ao contrário de uma cafeteria, aqui o pano de fundo será a vibrante cidade de Jacarta, capital da Indonésia. Iremos acompanhar a história do jovem músico Rama que está lidando com a morte de sua namorada Cinta. A dor da perda faz com que ele se isole de seus amigos e passe a negligenciar sua saúde mental. A situação se torna ainda mais agravante quando ele começa a ouvir Cinta em sua mente e a conversar com ela. Após esse um ano, Rama decide entrar em contato com sua banda. Entretanto o grupo está num momento decisivo em que precisam decidir se irão seguir em frente ou não e, para isso, nosso protagonista precisa entregar suas novas composições e mostrar o quanto ele quer continuar com o grupo. A partir daí teremos um mês onde cada uma das decisões do jogador irá influenciar o desenrolar da história.

Afterlove EP é um adventure narrativo que mistura diferentes gêneros sendo eles visual novel, dating sim e jogos de ritmo. Sua estrutura é um tanto simples com os dias divididos em períodos  A menos que o game tenha definido um objetivo a ser realizado naquele momento, temos a liberdade de decidir o que fazer, mas só podemos executar uma ação por período. Algo bem parecido com uma das mecânicas de Persona 5 e que, particularmente, me desagrada bastante.

São nesses momentos que começaremos a moldar o desenrolar da história. Além dos integrantes da banda de Rama, também seremos apresentados a Dra. Santi, Satria – um atendente da loja de discos -, Regina – uma aspirante a modelo – e Mira – jovem apaixonada por livros e poesia. Interagir com os três últimos pode originar uma amizade ou até mesmo um relacionamento. Para isso é necessário fazer uso do tempo livre e buscar passar mais tempo com eles. Através do aplicativo de mapa presente no celular de Rama, é possível saber onde cada um deles está, o que pode mudar de acordo com o horário do dia.

Além deste recurso, Rama também conta com um aplicativo de mensagens, um calendário e uma pasta de fotos. Esta última é uma coleção de lembranças de Rama e Cinta. Também durante o tempo livre podemos optar por ir em busca dos lugares das fotos para desencadear uma recordação do casal o que contribui para a construção do relacionamento e nos ajudar a compreender a dor de Rama. É interessante acompanhar as nuances do romance deles, pois também nos ajuda a perceber como a Cinta que habita a mente de Rama é um tanto diferente da verdadeira.

No meio da exploração o jogo também conta com mais uma atividade extra: os ensaios com a banda e apresentações, estas últimas podendo serem feitas no tempo livre também. Nestes momentos a gameplay passa a ser o clássico apertar de botões conforme aparecem na tela e que ditam o ritmo das canções. Algo como um Guitar Hero, mas bem mais simplificado. Caso você não seja um grande fã da mecânica, o game permite escolher a dificuldade do minigame e até mesmo colocá-lo no automático, sendo possível apenas curtir as músicas e cenas desses eventos.

Sendo uma espécie de visual novel é natural esperar que a história seja seu maior foco e, felizmente, o game acerta muito na condução da mesma. Tudo isso graças ao excelente texto presente em Afterlove EP. Ver a maneira como o título procura abordar questões como aceitação, preconceito, saúde mental, luto, entre outros temas é revigorante. Alguns dos diálogos chegaram a me trazer bons momentos de reflexão e uma das grandes responsáveis por isso foi a personagem da Dra Santi. Ela procura ajudar o jovem músico a lidar com a dor e também a perceber como esse fato isolado tem gerado fortes consequências, como, por exemplo, os diversos conflitos que ele tem enfrentado com seus colegas de banda.

Ainda no que tange ao seu lado novel, teremos algumas opções de rotas a seguir e cada uma delas pode desencadear uma série de finais. Meu interesse pelos personagens e possíveis destinos foi tanto que já estou pensando em futuras gameplays. Por termos um tempo limitado para concluir a história, dificilmente será possível explorar a fundo cada um deles, o que eleva o fator replay. E é aí que entra uma das grandes qualidades do game: a maneira como os personagens são apresentados te convida a querer explorar mais e mais suas relações. Eles não são planos, pelo contrário, a cada interação mais camadas vão sendo reveladas, como é o caso do dono da cafeteira, outro personagem que aos poucos foi me cativando.

O maior problema de Afterlove EP, com certeza, é a falta de uma localização para nosso idioma. É triste ver um game com um texto tão bem escrito ter a questão da língua como uma barreira. Durante minha gameplay também observei falta de coerência nos eventos durante dois momentos. A maneira como os personagens reagiram não coincidia com o que havia ocorrido no dia anterior e me levantou a dúvida se realmente era uma falha do roteiro ou da maneira como os eventos aconteceram na minha jogatina. Também seria interessante haver notificações quando Rama recebesse novas mensagens. Caso eu não tivesse checado todos os dias, possivelmente teria perdido alguma oportunidade com os outros personagens. Outro ponto que achei destoante foi, em alguns momentos, não ficar tão claro para onde devemos ir resultando em um grande vai e vem até encontrar o local certo. Foram poucos momentos que observei isso, mas o problema existe.

Apesar desses pequenos problemas, Afterlove EP é um game aconchegante que fica ainda melhor com as artes de Soyatu trazendo toda aquela energia de um mangá slice of life junto da trilha lo-fi do grupo L’Alphalpha. O conjunto da obra faz com que a narrativa seja prazerosa de se acompanhar, pois mesmo sendo um história sobre perda, também é sobre recomeçar e se reencontrar. É mais um jogo indonésio que merece atenção e mostra que os indies ainda tem muito a oferecer.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Fellow Traveler.