Desde a sua concepção numa fatídica conferência de imprensa realizada em Jacksonville, cidade americana situada no estado da Flórida, um dos principais lemas por trás da existência da All Elite Wrestling ou AEW, foi entregar aos fãs do wrestling profissional uma experiência feita por fãs para fãs. Afinal, se há uma crítica feita entra e sai ano ao estilo do dono/booker da empresa, o bilionário Tony Khan, é que esse lado fã muitas vezes aflora e entrega aos espectadores “lutas dos sonhos” só por entregar.
Curiosamente, um dos pontos que sempre fizeram parte da ideia de entregar aos fãs o que eles querem era a forma definitiva de executar todo tipo de “luta dos sonhos” possíveis: um jogo oficial da AEW inspirado pelo clássicos jogos de N64/PS2. Projeto anunciado lá no começo da empresa e capitaneado por Kenny Omega, o homem que além de ser o melhor lutador do mundo é também um fanático por videogames e com um longo histórico de crossovers com eles.
Após a conveniente separação da 2K Games com a até então desenvolvedora dos seus jogos, as portas se abriram de vez para que a Yuke’s tivesse uma nova oportunidade de reimagina-los para uma nova era, agora com o vasto elenco de lutadores da primeira grande concorrente da WWE em duas décadas. E é assim que chega às mãos dos fãs do esporte AEW Fight Forever.
Fortemente inspirado pelos jogos clássicos como Here Comes the Pain e No Mercy, trata-se de um jogo que busca passar uma sensação mais arcade para o gameplay, fugindo da simulação mais próxima do esporte tradicionalmente vista nos jogos da série WWE 2K. Talvez seja justamente nisso que o jogo começa a se perder já que, salvo se você tiver uma nostalgia por aqueles jogos clássicos, o gameplay parece simplório demais.
O jogador tem à sua disposição, essencialmente, quatro botões, sendo um deles para correr, um para chute, um para soco e o outro para agarrões. Apertá-los realiza uma ação fraca e segurar o botão uma ação forte, com combos de até três acertos disponíveis para os botões de ataque e modificadores disponíveis ao apertar um dos dois botões após um agarrão.
E, salvo por alguns modificadores com os analógicos para subir nos cantos do ringue/cordas, pegar armas ou arremessar adversários nas cordas, o gameplay é basicamente isso. Por um lado, para jogatinas rápidas com amigos é algo que vem a calhar pois é bem fácil de entender e dominar. Afinal, basta usar esses combos e causar dano ao adversário até encher a sua barra de espírito com o “momentum” da luta a seu favor e liberar seus ataques de assinatura ou especiais (essencialmente o finisher de cada atleta).
Infelizmente, se você quiser algo do jogo além dessa diversão rápida com amigos ou online, o gameplay não oferece muita variedade e profundidade. Há algo a se dizer sobre o quão divertido é o ritmo de lutar com alguém buscando ter acesso a um ataque devastador que será a chave pra vitória, mas caso seu objetivo seja jogar sozinho, ele acaba deixando bastante a desejar.
Outro problema que o jogo possui é que simplesmente não há uma fluidez muito grande para os comandos. As animações são um pouco duras e a câmera acaba se perdendo durante a execução de golpes especiais que fazem com que eles não tenham o impacto visual que deveriam. Há uma falta da fluidez que os jogos que o inspiraram possuíam, ainda que, no geral, considerando que o primeiro jogo da AEW, é possível se considerar um sucesso porque é um jogo divertido de se jogar.
Talvez a parte mais estranha seja no quanto o jogo te incentiva a correr com as lutas e tentar finalizá-las o mais rápido possível. Indo na direção inversa das lutas que tornaram os fundadores da AEW famosos (como as lutas do Kenny Omega com Kazuchika Okada), o jogo literalmente te pune por lutas longas, priorizando combates resolvidos em menos de 05 minutos.
Isso faz com que toda luta seja uma corrida intensa sem qualquer tipo de ritmo, construção ou drama, literalmente fazendo com que seja um jogo de wrestling onde talvez a parte mais importante e o que captura os fãs, a chamada “psicologia do ringue”, seja completamente abandonada em prol de priorizar “quem consegue encher uma barra primeiro”. Exatamente por esse sistema que os modos de luta secundários, especialmente o Exploding Barbed Wire Deathmatch e Lights Out percam completamente a razão de ser. Isso sem falar em Ladder Matches ou o Cassino Battle Royale, lutas historicamente longas que viram praticamente uma piada.
Um outro problema bem decepcionante do jogo é o seu elenco de lutadores à disposição. Lançar um jogo com lutadores que não estão mais na empresa não é exatamente algo novo, tendo se tornado quase uma rotina da WWE nos últimos anos, mas o tempo gigantesco que demorou para que Fight Forever fosse lançado faz com que o jogo vire um misto estranho de diferentes eras da empresa e tenha um elenco estranhamente desatualizado.
Parte do problema começa com o fato de praticamente todos os campeões estarem desatualizados já no lançamento, com alguns títulos beirando a piada de tão ultrapassados que estão. Abrir o jogo e ver Darby Allin como Campeão da TNT, Young Bucks como Campeões de Duplas ou Ricky Starks como Campeão FTW só demonstra o quanto o jogo está atrasado em relação ao atual estado das coisas na empresa (isso sem falar que o Título Internacional ou o de Trios não passam nem perto de existir).
A ausência de alguns nomes também beira o ridículo. Embora nomes de peso como Bryan Danielson, Adam Cole e CM Punk tenham sido adicionados à tempo, a ausência de atos importantes da empresa como Jamie Hayter, Toni Storm, Saraya, Wheeler Yuta, Daniel Garcia, Claudio Castagnoli, Swerve Strickland e The Acclaimed é chocante quando se pensa a quanto tempo boa parte deles está na empresa (ou até mesmo a presença de facções que acabaram a mais de um ano como o Inner Circle e não haver sinal de sua sucessora).
É claro, essa desatualização acaba levando a pequenas curiosidades um tanto quanto engraçadas, nenhuma tanto quanto a presença de Cody Rhodes no elenco (mais de um ano após ele deixar a empresa rumo a WWE e depois dele aparecer em um jogo da atual empresa dele). Dito isso, os modelos de personagem são surpreendentemente carismáticos e boa parte do elenco ficou relativamente fiel dentro do estilo gráfico adotado, ainda que o jogo em si seja bem feio.
Outra decisão estranha do jogo é a inclusão de minigames nele. Embora seja fácil perceber que são alusões a algo que existiam em clássicos jogos de wrestling, todos eles passam a sensação de serem desnecessários. É possível se divertir durante algum tempo com eles, mas eles se tornam enjoativos bem rápido. Pelo menos ele não é a pior parte do jogo, o que fica por conta da Creation Suite que além de rasa é mecanicamente horrível se mexer e nem merece o tempo de ser descrita.
Tecnicamente o jogo possui também um modo história que deveria agradar aos jogadores solo que querem dedicar tempo ao título. Chamado de “Road to Elite”, ele te permite criar seu lutador ou escolher um membro do elenco da empresa e participar de um ano no calendário da AEW. Ele funciona quase como uma introdução à história da empresa, com direito a vídeos explicando cada parte importante dos acontecimentos até aqui.
Além de participar de diferentes lutas e histórias ao longo do modo, é possível participar de minigames, treinar para ganhar pontos de habilidade ou ganhar dinheiro que pode ser usado na loja do jogo para comprar novos itens cosméticos. Ao todo são 12 histórias diferentes que podem ser experimentadas, totalizando algo em torno de 05 a 06 horas de gameplay. Não é nada muito profundo ou digno de nota, mas serve para manter o jogador entretido por um tempo e prepará-lo para jogar online.
Dito isso, o jogo possui uma série de pequenas coisas que devem agradar aos fãs da AEW e uma quantidade de conteúdo que, embora force uma repetitividade grande, te dará algo pra fazer, como desafios a serem completados para ganhar certas recompensas. O online também funciona bem, então não é como se o jogo fosse uma grande tragédia.
Embora seja impossível não comparar com os jogos da série WWE 2K, quando visto por si só AEW Fight Forever tem tudo para ser um primeiro lançamento sólido sobre o qual a Yuke’s poderá construir uma série de sucesso. Existem várias e várias arestas a serem aparadas (incluindo a horrenda localização que parece ter sido feita por uma criança com google tradutor) e o jogo precisa de melhorias consideráveis em vários aspectos, inclusive técnicos, mas é bem fácil se divertir com ele.
É natural que o título não possua o nível de polimento visto em outros jogos mas, considerando o histórico da Yuke’s (só ver o que aconteceu com aquela série quando ela a deixou), a luta pode até não ser eterna, mas a recompensa deverá chegar para os fãs e jogadores que ignorarem os problemas e focarem naquilo que wrestling faz tão bem: divertir com seus absurdos.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela THQ Nordic.
Veredito
Inspirados por clássicos mas com limitações bastante modernas, AEW Fight Forever é um jogo divertido, mas uma série de pequenos problemas acabam limitando a todo momento o quanto um fã de wrestling consegue aproveitar do jogo. Embora longe de ser excepcional, a base está aqui para um verdadeiro jogo de elite no futuro.
Inspired by classics but with very modern limitations, AEW Fight Forever is a fun game, but a series of small problems end up limiting at all times how much a wrestling fan can enjoy it. While far from exceptional, the foundation is here for a true elite gaming in the future.
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