Accolade Sports Collection – Review

A preservação da memória cultural é tema de debates intermináveis há séculos. Literalmente séculos. O suporte de armazenamento das produções humanas foi para além de um papo de museus e de estudos arqueológicos, e os últimos 50 anos viram efervecer a nossa compreensão do que é poder guardar dados e conteúdos intangíveis, sejam eles de natureza química (como as películas da fotografia e do cinema); eletrônica (como a TV e do videotape); e a digital, dos CDs, DVDs e dessa amálgama insano das redes, da nuvem e tudo mais.
Mais do que a nossa capacidade de ter as nossas produções arquivadas para eventuais consultas, estudos históricos e lembranças, nossa maior preocupação passa pela capacidade de acesso pleno a materiais cujo suporte original já não existe mais, ou já está muito restrito. Isso vale para uma série de formatos já ultrapassados, incluindo muitos jogos da geração dos anos 1980 e 1990.
O pacote Accolade Sports Collection, resgatado pela brasileira QUByte Interactive (a qual vem fazendo um trabalho louvável nesse sentido, vale ressaltar), é mais uma mostra de que sem esta preocupação, vamos acabar perdendo parte daquilo que nos trouxe até aqui, sobretudo aquela não tão popular. Os jogos aqui disponíveis muito provavelmente não estão dentre os favoritos de muita gente, mas pode ter tanto a nos dizer sobre nós quanto Marios e Sonics da vida.
Composta por cinco games esportivos do início dos anos 1990, todos originais para computadores, sendo que um deles se manteve exclusivo de plataformas PC com MS-DOS e outros tiveram nova chance com ports para o saudoso Mega Drive, esta coletânea funciona entretanto muito mais do que um tour interativo pelos meandros daquele período cheio de experimentações do que uma tentativa de sedução do público pela nostalgia. Somos poucos – eu me incluo quase que por acaso nesse nicho restrito – a realmente ter alguma relação com um ou mais desses jogos.
Sem contar com reconstruções ou atualizações aprofundadas para se modernizarem, todos eles são apresentados tal como na época, com o máximo de fidelidade possível dado o salto tecnológico de telas, processamento e controles. Não podemos esperar, dito isso, por jogos com cara retrô, mas bem adaptados aos tempos atuais. Accolade Sports Collection apresenta seus componentes como aquilo que foram feitos para ser, com as qualidades e todas as limitações de sua época.
As adições de filtros artificiais para aumentar ou diminuir os efeitos de televisores de tubo ou monitor dos primeiros PCs, bem como as opções de aspect ratio, são todas protocolares e bem-vindas ao ajudar a estabelecer uma atmosfera de viagem no tempo, mas são artifícios que mexem muito pouco com a essência destas produções. Poucas destas modificações servem para o “vamos ver como fica” só para em seguida, serem desativadas.
Outra adição necessária e presente aqui é a possibilidade de save state, garantindo que possamos retornar exatamente ao ponto onde deixamos uma partida ou uma campanha, por mais simples e rápidas que ambas possam ser. Manuais (ou tutoriais em formato de texto) um pouco mais agradáveis do que havia nos originais, além de conquistas internas completam o pacote de inclusões protocolares, mas sempre necessárias para melhoria da qualidade de vida de um produto desta natureza.
Desmembrando esta análise para cada parte da coleção, o meu favorito e único jogo que eu tinha mais familiaridade é o surpreendente Hoops Shut Up and Jam, originalmente Barkley Shut Up and Jam por ter o licenciamento da estrela da época Charles Barkley (que muita gente conheceu por também marcar presença no filme Space Jam) e que consiste em um jogo de basquete 2×2 com forte inspiração visual no estilo NBA mais urbano.
Por si, é um jogo visualmente complexo mesmo para os padrões 16 bits, com uma modelagem de personagens relativamente realista e um trabalho louvável de composição de ambiência que envelheceu a contento, algo que não pode ser dito sobre a jogabilidade, que já não era lá das mais fluidas na época e que hoje responde pouco ao que esperamos, seja por uma inteligência artificial tenebrosa, seja pela repetitividade das poucas jogadas que são efetivas.
A resposta pouco responsiva dos comandos é menos sentida aqui, porém, na comparação com Summer Challenge e Winter Challenge, dois games que, por sua vez, são pacotinhos de esportes menos populares, como esquí, salto em altura e ciclismo, por exemplo, mas com um foco muito maior na precisão de movimentos, que fica comprometida com a resposta irregular dos comandos. Aproveitá-los demanda um tempo de adaptação de tempos e reações e se pauta mais na previsibilidade do que na resposta rápida do jogador.
Hardball e sua continuação Hardball II completam o pacote com as mesmas limitações, mas ao mesmo tempo, sendo provavelmente os mais fáceis de nos adaptarmos, mesmo representando uma modalidade que brasileiro costuma dar de ombros. Isso porque o beisebol (ou baseball para os mais puristas) tem um timing mais agradável de se adaptar depois de algumas rebatidas fracassadas. Ao mesmo tempo, é o que pior implementa a dinâmica do esporte e principalmente o suporte de usuário, se provando confuso e com a pior interface de apoio do conjunto.
Como semelhança entre todos os cinco projetos, está o fato de terem elevado os limites audiovisuais da geração 16 bits aos seu limite. Cada tela do jogo é uma bela composição em pixel art que faz frente aos melhores e mais reconhecidos jogos da época, e somam beleza com capacidade técnica. Ampliados artificialmente, contudo, muitos cenários são difíceis de se identificar e mal compostos, e definitivamente não são unanimidades em termos artísticos.
O problema é que toda esta vivacidade vem em detrimento à velocidade, e o framerate de um ou dois quadros por segundo é, de modo geral, praticamente intragável para nós, mal-acostumados que estamos com o debate entre 30 ou 60 fps dos dias atuais. Não é uma questão de desempenho mal otimizado, mas sim de ser uma compilação sem mudanças significativas em seu funcionamento, o que é ótimo se considerarmos estes jogos como documentos históricos, mas terrível se quisermos realmente aproveitá-los.
A emulação da tridimensionalidade é possivelmente a característica que melhor se sai no quadro estático, mas pior na fluidez, tanto nos jogos totalmente bidimensionais quanto naqueles que já arriscavam cenários e construções usando voxels. Claro que as quinas aparentes e os poucos polígonos são notáveis, mas eram feitos incríveis para aquela época. O problema é que, novamente, a qualidade é muito mais pelo prisma da curiosidade do que da função imersiva que isso traz para a experiência.
O aspecto sonoro também está longe dos melhores exemplos daquele tempo, e não raro eu simplesmente baixei o volume enquanto jogava porque estava simplesmente irritado com composições pobres e o uso de tons mais agudos de forma agressiva e repetitiva. Se algumas das trilhas mais marcantes da história vieram desse período, certamente as desses jogos esportivos ficam muito longe de estar entre elas.
A mais significativa implementação para os tempos modernos está na quase obrigatória possibilidade de retroceder o tempo como se estivéssemos no controle de uma fita cassete para corrigir erros, bobeadas ou escolhas ruins. Para alguns, é uma trapaça barata e para outros, uma forma mais suave de se aproveitar jogos antigos, mas de um modo geral, o recurso funciona como deveria, sem reinventar a roda, e ameniza a frustração da resposta tenebrosa do timing dos controles.
Como um todo, a iniciativa é louvável muito mais como um resgate de arquivo do que como uma forma de reviver produtos que deixaram saudades. Todos os jogos aqui carecem de uma certa personalidade, algo que sobra, por exemplo, no lendário California Games (ou Jogos de Verão aqui no Brasil), e se visualmente podem ser surpreendentes, na prática eles simplesmente entediam muito rapidamente. Em outras palavras, é um produto indicado para historiadores. Para jogadores, nem tanto.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela QUByte Interactive.
Veredito
Enquanto resgate e preservação de jogos menos populares oriundos de uma desenvolvedora importantíssima, Accolade Sports Collection é sim um belíssimo trabalho histórico. No entanto, o conjunto das produções aqui reunidas é pouco atrativo na prática, mesmo considerando o gênero esportivo notadamente de nicho. Equilibrando qualidades e limitações, é um pacote que simplesmente não consegue ser divertido.
As a rescue and preservation of less popular games from a very important developer, Accolade Sports Collection is a beautiful piece of history. However, the set of productions gathered here is not very appealing in practice, even considering the notably niche sports genre. Balancing qualities and limitations, it’s a package that simply fails to be fun.
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