Wildermyth: Console Edition – Review
Quando Wildermyth: Console Edition foi anunciado, significou para mim a possibilidade de saciar a vontade que tenho de encontrar um jogo que replique a experiência das campanhas de RPGs de mesa que tanto sinto falta. Eu já tinha conhecimento dos elogios que o game havia recebido nesse sentido desde seu lançamento no PC, portanto criei uma enorme expecitativa para enfim jogá-lo.
Após passar cerca de 30 horas explorando a maior parte das histórias e alternativas que ele oferece, posso dizer que dificilmente me lembro de outro título que conseguiu chegar tão perto de uma representação digital da experiência de mesa. Mas, infelizmente, problemas técnicos na versão de PlayStation 5 transformaram parte de minha satisfação em uma dose razoável de frustração.
Wildermyth: Console Edition é centrado no desenvolvimento de seus heróis ao longo de campanhas. O jogo começa com um sistema de seleção e criação de personagens que, mesmo sendo simples, ainda é capaz de proporcionar bons minutos de distração. Há apenas três classes básicas: guerreiro, ladino e místico. Isso de certa forma limita as escolhas de habilidades iniciais, mas eventos ao longo das aventuras oferecem maneiras alternativas para modificar e evoluir as cacterísticas dos personagens.
Cada campanha conta com um número predeterminado de capítulos, variando entre 3 ou 5, e gira em torno de uma facção diferente de inimigos. As histórias principais no geral são bem interessantes, mas são os eventos aleatórios que tornam a experiência ainda mais divertida. Para chegar ao final de cada capítulo é necessário avançar por territórios para cumprir objetivos espalhados pelo mapa, conforme ele vai sendo revelado a cada região alcançada.
A jornada começa com seu grupo limitado a três heróis. Durante a evolução pelos cenários, mais companheiros ficarão disponíveis para serem recrutados em localizações específicas. É possível formar sua party com o número máximo de dez aventureiros, porém apenas cinco deles podem ser designados para os encontros contra os inimigos.
Só que em Wildermyth: Console Edition o tempo é um fator primordial. A cada atividade realizada, seja ela uma batalha, um recrutamento, a construção de uma estratégia de defesa, ou até deslocamentos para outras regiões, tudo vai influenciar na evolução do mundo ao seu redor. Após alguns dias se passarem, os inimigos realizarão ataques em territórios apaziguados. Além disso, calamidades provocarão alterações nas regiões e novas cartas de monstros serão adicionadas, contendo versões mais fortes deles, novos tipos ou até evoluções de habilidades.
Saber administrar o grupo de heróis para realizar mais tarefas em um menor tempo é um diferencial para avançar mais rápido pelos territórios, fortalecer as defesas e preparar os ataques para chegar ao final das campanhas. Sempre que uma nova atividade for iniciada, um evento aleatório pode aparecer como parte do desenvolvimento dos personagens e da história.
A apresentação da narrativa funciona como numa espécie de livro em tirinhas. Os gráficos se assemelham aos quadrinhos. Não há diálogo por voz, mas a leitura é agradável e as histórias são muito bem escritas. O grande porém é a ausência de legendas em português brasileiro. Para aliviar o peso das muitas horas de leitura, as passagens de texto são acompanhadas por uma trilha sonora leve, mas que se encaixa bem nas situações encontradas.
Durante cada interlúdio na história, decisões deverão ser tomadas. Muitas delas podem resultar em benéficios ou punições para as próximas batalhas, habilidades passivas, itens e até opções de romances. Um grande atrativo está nas transformações dos personagens. Através de algumas interações durante histórias específicas, eles podem mudar de forma, alterando não apenas o visual, mas também suas habilidades de ataque e de movimentação.
Além disso, situações que antecedem as batalhas apresentam opções de diferentes abordagens para o confrontos. Uma atitude mais agressiva pode resultar em um risco maior para seu grupo, ao passo que um posicionamento mais cauteloso muitas vezes garante benefícios de ataque. No entanto, com o tempo será mais fácil identificar as escolhas que resultam em melhores vantagens, algo que diminui consideravelmente o fator surpresa que os eventos proporcionam. O mesmo vale para os encontros aleatórios. Mesmo durante as campanhas iniciais, notei a tendência de algumas histórias surgirem com maior frequência.
Ao final dos capítulos, é possível decidir se você quer dar seguimento às transformações. Em uma de minhas campanhas, por exemplo, escolhi uma mutação de corvo para uma personagem. Conforme fui aceitando a evolução da transformação, ela assumiu cada vez mais a forma do animal, sendo capaz de voar pelas arenas e atacar com suas garras. Em contrapartida, também perdeu a habilidade de equipar suas armas.
Essa característica de desenvolvimento de personagens que Wildermyth: Console Edition proporciona é o que o torna ainda mais especial. Ao final de cada campanha, seus heróis ficarão registrados em uma galeria de lendas. Esses aventureiros poderão ser recrutados para campanhas futuras para que continuem evoluindo de acordo com suas decisões.
Só que se dedicar apenas aos seus personagens favoritos não é suficiente, pois eles podem morrer e até serem aposentados pela idade. Por isso é sempre importante ponderar o momento certo de recrutar um novo aliado, ao invés de investir sempre no mesmo grupo. Os personagens podem desenvolver relacionamentos e também terem filhos. Assim, é como se seu grupo de heróis se tornasse uma grande família. Você realmente se sentirá apegado a eles.
Falando sobre o combate, ele funciona como um RPG por turnos, só que é disposto em um formato de tabuleiros. Cada personagem é capaz de se deslocar por um número predeterminado de casas. As ações são influenciadas pelos diferentes pontos que eles dispõem, variando de acordo com a classe e com os itens equipados. Uma boa vantagem é posicionar os personagens lado a lado para que ganhem um bônus de defesa.
A cada rodada, você pode escolher movimentar a peça de um herói até um limite máximo de casas, ou gastar uma ação extra para aumentar a distância percorrida. Caso use esse ponto a mais, ficará impedido de atacar naquele turno. Essa tática deve ser considerada vez ou outra, pois alguns inimigos apenas surgirão na arena após seu personagem fazer contato visual com eles. Outra boa função é que você pode movimentar as peças na ordem que bem entender durante o turno, sem que seja necessário passar a vez com o herói anterior caso perceba uma melhor jogada com o que estiver mais para o final da lista.
As classes são bem definidas, mas não se limitam a apenas uma função. Os guerreiros atuam na linha de frente, causando dano massivo, mas também fortalecendo a defesa e protegendo o perímetro. Os ladinos possuem bônus para ataques de média distância, mas também podem se aproximar sorrateiramente pelos flancos para atacar com uma adaga e causar dano crítico. Já os místicos são capazes de interagir com os elementos do cenário, sejam eles objetos, árvores, fogueiras, dentre outros, para acertar inimigos que estejam protegidos ou em posições privilegiadas.
Os heróis não ficam restritos a um grupo específico de armas. Todas as classes são capazes de equipar um segundo tipo para servir como desafogo para as situações de combate. Os místicos, por exemplo, além do cajado e da varinhas, podem utilizar espadas e machados para enfrentar as situações de combate corpo a corpo. Os guerreiros podem usar bestas para atirar de média distância.
Ao fim das batalhas, armas, armaduras e acessórios surgem como recompensas. Quando os personagens subirem de nível, uma habilidade é escolhida dentre as ofertadas aleatoriamente. O jogo conta com um bom sistema de evolução das classes e com uma mecânica de criação de armas e armaduras para melhorar o arsenal de cada herói.
Uma maneira de adquirir mais materiais é enviar membros da companhia para explorar e construir estações em territórios conquistados. Ainda que não possua os itens necessários para melhorar o equipamento dos personagens, parte dos requisitos pode ser preenchida com pontos de legado que são conseguidos ao completar batalhas e eventos.
Porém, estes pontos devem ser administrados com cuidado, pois são úteis para muitas outras funções, como recrutar aventureiros para a companhia, impedir que cartas inimigas sejam adicionadas ao baralho e rolar novamente as opções de recompensa de habilidades para o personagem.
A parte tática em Wildermyth: Console Edition está presente também na morte dos membros de seu grupo. Sempre que um deles sofrer um ataque fatal durante um confronto, você tem a opção de removê-lo do tabuleiro, e das batalhas seguintes, até que se recupere. Além disso, também é possível sacrificá-lo para ganhar um bônus, causar dano direto aos inimigos ou até melhorar estatísticas específicas dos personagens remanescentes. Compreender o momento certo para se desapegar de um combatente pode ser determinante para vencer uma batalha.
Possivelmente no modo normal essa dinâmica não seja tão perceptível, mas o jogo conta com uma ampla variedade de customização de dificuldades. Uma opção pode causar a morte permanente para todo o grupo, e o consequente fim da campanha, caso falhe em uma batalha. Há um excelente fator replay diante das muitas histórias geradas proceduralmente e a adição de um modo cooperativo local propicia uma experiência ainda mais próxima de um jogo de mesa.
Então, é chegado o momento de abordar os problemas técnicos de Wildermyth: Console Edition. Sinceramente, ter que contrabalancear a nota final do jogo com essas falhas é algo que me deixa chateado. Mesmo diante dos erros que encontrei no port para os consoles, gostei tanto do game que continuei persistindo após perder horas de uma campanha por conta de um save corrompido. Mas isso não foi tudo. Também encontrei erros que ocasionaram o fechamento do aplicativo, além de problemas de performance e bugs visuais.
Ainda que faça questão de enfatizar quão bom o jogo é, não consigo ignorar a frustração que me acompanhou durante parte da jornada. Sempre que um turno era encerrado com um slow down, ou ao perceber o ícone de salvamento automático na tela, me via contornado por uma sensação de suspense causada pelo medo de perder parte considerável de meu progresso.
Wildermyth: Console Edition é especial. Me arrisco a dizer que talvez seja a melhor representação de um RPG de mesa que já experimentei. Toda vez que peguei o controle para jogar por alguns minutos, vi o tempo passar como se não fizesse sentido. Exatamente por isso, torço para que esses defeitos técnicos sejam logo resolvidos, pois mal vejo a hora de retornar para as Yondering Lands e continuar explorando as muitas possibilidades que o jogo oferece. Porém, até que isso aconteça, o melhor a se fazer é esperar.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Auroch Digital.
Veredito
Wildermyth: Console Edition é uma das melhores representações digitais dos tradicionais RPGs de mesa. A forma como o desenvolvimento das campanhas e dos personagens funciona garante horas de gameplay e faz com que você se sinta apegado aos seus heróis e às ótimas histórias das Yondering Lands. Uma pena que problemas técnicos atrapalhem parte da experiência.
Wildermyth: Console Edition is one of the best digital representations of traditional tabletop RPGs. The way the campaigns and character development work guarantees hours of gameplay and makes you feel attached to your heroes and the great stories of the Yondering Lands. It’s a shame that technical issues ruin part of the experience.
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