Toda vez que iniciamos a análise de um jogo esportivo com edições anuais, a primeira pergunta que povoa a nossa imaginação crítica criativa é descobrir como destacar aquilo que é efetivamente diferente a ponto de justificar a mudança da edição anterior para a nova. Se isso já é verdade quando falamos do nosso bom e velho esporte bretão, cheio de adeptos às mudanças sutis que são sentidas pela nossa experiência, é ainda mais desafiador quando se trata de uma modalidade bastante distante, inclusive culturalmente, da maioria de nós brasileiros. Felizmente, até pela diferença entre o review do ano passado ter sido escrito pelo excelente Thiago de Alencar Moura e o deste ano estar sob a minha responsabilidade, há muito o que se destacar para EA Sports Madden NFL 25, mesmo que não sejam exatamente grandes mudanças estruturais.
Para quem ainda não se aventurou pelos gramados gringos digitais, esta é a maior e mais longeva franquia dentre as que adaptam o futebol americano (que cá entre nós, só é futebol no nome) para o mundo digital. É um esporte bastante popular pelos lados norte-americanos obviamente, tal como em algumas outras poucas partes do mundo, mas por aqui é conhecido, se muito, por ser tema de vários e vários filmes e séries, então não é raro que o nosso maior contato com o esporte seja pelos dramas adolescentes que sempre trazem o quarterback da escola como o maior vilão de uma história do nerd esquisitão, ou ainda pelo ótimo primeiro filme do Ace Ventura. Nenhum destes casos nos ensina as regras de dominação e conquista de território que permeiam uma partida desse football com a bola torta, porém.
A série Madden, tradicionalmente, não dá muita atenção para novatos no esporte e, via de regra, não se preocupa em trazer tutoriais contextualizados sobre as regras em si. Portanto, se você não sabe a diferença entre acertar um chute naquele gol estranho ou fazer um bendito touchdown, a única forma de se aprender neste jogo é por puro empirismo. Toda a sessão de treinamento ensina (e não tão bem assim) como usar os comandos para realizar uma jogada, não os motivos, as razões ou as circunstâncias que nos levam a escolher por ela ou por outra. A recomendação para se iniciar com a NFL é procurar alguma transmissão esportiva para se familiarizar com nomenclaturas, dinâmica e até com tipos de jogadas recomendadas. Iniciar diretamente no jogo pode ser uma boa ideia para aventureiros que se permitem estarem perdidos por alguns instantes, mas dificilmente será de uma forma suave ou agradável.
Isso vale não só para o jogo propriamente dito, mas também para aquilo que o envolve. Estadunidenses adoram fazer de eventos esportivos verdadeiros shows pirotécnicos que elevam seus atletas a verdadeiros astros. Se há algo que se mantém sólido em todos esses anos e que se repete em Madden NFL 25 é a vocação em fazer de um simples jogo algo espetaculoso. Todas as animações, cenas de cobertura e efeitos sonoros são cuidadosamente criados – e neste caso, atualizados – buscando esse aspecto festivo tão caro à NFL, que nada mais é do que uma marca sendo aqui celebrada. Os cuidados com a representação da torcida, times e estádios é impecável, algo que se soma à modelagem de cada jogador com um cuidado ímpar.
Portanto, é impossível não se admirar o aspecto técnico audiovisual da produção, com texturas de pele e tecido ainda mais refinados, expressões que, se ainda não atravessaram o vale da estranheza, estão bem próximas disso, e toda a dinâmica de movimentação de personagens que emula com grande exatidão os trejeitos e maneirismos das suas contrapartes da vida real. Obviamente muita coisa é herdada de uma edição para outra, mas exatamente por ter a possibilidade de se reciclar os melhores avanços, o jogo consegue dar retoques que o aproximam cada vez mais da perfeição. Não que ele esteja completamente livre de bugs e de comportamentos estranhos, mas estes são cada vez mais raros e se concentram em ocasiões bem específicas com colisões inesperadas.
Este ajuste fino é fruto do que a EA tem chamado de BOOM Tech, uma ferramenta que busca reformular o comportamento da física do jogo a partir da compartimentalização das ações, dividindo encontrões e esbarrões em várias animações menores que levam em consideração atributos dos jogadores envolvidos, fatores climáticos e outras variáveis importantes, como força, peso e velocidade dos agentes envolvidos, tornando o contato algo mais natural e orgânico possível. Se futebol americano é essencialmente o conflito, esta tecnologia parece se preocupar bastante com isso e corrige muitas das falhas que já vimos antes. Como dito, não é perfeita, mas chega assustadoramente bem perto disso, e em termos de variedade, houve muito mais eventos únicos neste tempo de avaliação do que as mesmas animações repetitivas vistas nos anos anteriores.
Como resultado, algumas jogadas que antes eram paradas simplesmente porque os jogadores sempre se encontravam como blocos em colisão, agora são mais fluidas, com os running backs (aqueles caras rápidos do time que sempre correm em câmera lenta nos filmes para receber a bola e atravessar a linha de fundo) sendo mais esguios e ágeis. Alguns dos melhores deles são realmente lisos, irritantes de se jogar contra, e desafiadores para que consigamos masterizar seus movimentos mais refinados. Isso também muda nossas escolhas de jogada, que antes eram quase que inconscientemente determinadas pelos espaços mais abertos e com probabilidade de se passar sem encontrar um adversário parrudo pela frente. Dá para arriscar mais, com alto índice de fracasso (cujo feedback em tempo real é bem generoso para aprendermos onde erramos), mas com uma satisfação enorme em caso de sucesso.
Algumas melhorias implementadas em College Football 25, sobretudo na configuração e ajuste da defesa, dão as caras aqui também, como predefinições de cobertura e posicionamento. Estar em estado de defesa é dos momentos menos proveitosos desse gênero esportivo, e algumas ações manuais sempre foram densas para se realizar ao longo de tantas partidas, mas os mais cuidadosos serão bem recompensados. Nas dificuldades mais baixas, porém, dá para se virar com as configurações automatizadas por padrão, deixando as preocupações de lado e aproveitando com mais leveza. Quem, portanto, pretende jogar uma carreira no single player, consegue levar com mais tranquilidade, mas uma vez que se arrisca jogar on-line, não saber se aproveitar bem das novas possibilidades é um suicídio. Os gringos punem.
Detalhes que, entretanto, são uma perfumaria específica que só vão atingir, se muito, os fãs mais ardorosos ou os profundos conhecedores do esporte, suas nuances e suas particularidades. No geral, todas as principais mecânicas se mantém sólidas como nos últimos anos, a ponto de que aqueles que experimentaram versões de 2022 para adiante teriam que fazer um exercício de “jogo dos 7 erros” para encontrar maiores discrepâncias. No ataque, a escolha por uma dentre várias jogadas ensaiadas permanece, com movimentos que parecem pouco óbvios para quem imagina que a ideia é correr para frente o mais rápido possível, mas que podem ser bem proveitosas quando se reconhece suas utilidades.
Somadas à necessidade de se tomar decisões em frações de segundo enquanto tenta não ser capturado antes de fazer o passe perfeito, ou a infiltração milimetricamente adequada, há um autêntico movimento de aprendizagem tático ausente em outros jogos esportivos na atualidade. Sim, você ainda vai estranhar todos os seus atacantes estarem marcados por dois, quiçá três adversários; sim, você vai achar que o seu time é muito mais frouxo na marcação que o esquadrão adversário; e sim, você vai reclamar da incapacidade do seu receptor em segurar um passe que você julgou incrível. E tudo isso faz parte de uma aprendizagem tátil, daquelas que você só consegue incorporar testando e errado. Os mini-jogos do modo campanha até ajudam a entender o timing das coisas, mas nada como entender o momento exato de fazer o passe pro seu companheiro de time que acaba de fazer aquela mudança surpresa de direção na corrida dentro de um jogo pra valer.
E já que o assunto sobre modos foi levantado, é importante apontar que todas as formas mais tradicionais de se adentrar o campo estão presentes, com leves atualizações. Com melhorias significativas na interface, o jogo está um pouco mais amigável para olhares mais assustados, mas ainda assim é um sem-fim de menus, estatísticas e configurações, o que piora ainda mais considerando que, se nós não somos exatamente o público, a EA não se preocupa em adequá-lo ao nosso idioma, então ter que lidar com jargões e termos específicos em textos e explicações na língua original é um trabalho a mais que os veteranos dos jogos de futebol (de verdade) não tem.
Conhecer o modo Ultimate Team demanda tempo, mesmo que muitas funções não sejam tão diferentes assim das versões dos ex-FIFA. Tem uma firulinhas visuais a mais, questões específicas da modalidade, mas estão lá as partidas contra a CPU, desafios pontuais, montagem de elencos com cartas adquiridas com pontos ou dinheiro real e tudo aquilo que já sabemos ser a base da monetização pós-lançamento. Não é um modelo que possa agradar a todo mundo, mas é inevitável dizer que é daí que sai o financiamento para garantir tantas licenças e tamanho investimento. E com um sistema de progressão robusto, é realmente onde há mais espaço para o jogador crescer a médio e longo prazo. A promessa de manutenção e retroalimentação é ainda mais agressiva do que antes, com oito temporadas recheadas de conteúdo, incluindo passagens históricas, jogadores lendários e mais.
Já na parte mais tradicional, há um modo carreira, o conhecido Franchise, onde se pode gerenciar um time ao longo da temporada convencional da NFL, com treinamento em minigames temáticos, gestão de equipe, administração financeira, treinamentos específicos, um storytelling de certo respeito com cenas e eventos específicos e, claro, os jogos. Considerando a grandeza, em termos de tempo, de uma partida convencional, aqui há a possibilidade, além das esperadas simulações completas ou de jogar à vera do começo ao fim, trabalhar com momentos espalhados ao longo da peleja, ou simplesmente escolher uma ou outra fase (entre a defensiva e a ofensiva) para jogar, deixando o seu time cuidar da outra automaticamente. Você pode escolher, portanto, jogar só no ataque ou só na defesa, e lidar com as consequências do resto, e mudar isso na partida seguinte. Para quem odeia uma coisa ou outra, é uma forma bem curiosa de se avançar, sobretudo porque isso, obviamente, deixa a campanha mais dinâmica.
Cuidar de um só jogador no Superstar também é uma das atividades mais populares da franquia, e aqui não é diferente, com um editor bastante simpático, mesmo sem tanta profundidade. Interessante é poder colocá-los em atividades on-line com outros personagens criados em ações diversas, como batalhas 3×3, por exemplo. Aliás, mesmo com algumas oscilações na conexão, tudo o que se passa on-line em Madden NFL 25 se provou seguro e funcional, com uma presença massiva de pessoas ao redor do mundo, e obviamente muitos norte-americanos, aqueles dos quais falei anteriormente que não pegam leve e sabem bem usar das artimanhas e das lacunas que o jogo permite. Ou seja, jogando com o seu personagem original ou com um time de primeira linha, a porção multiplayer de um jogo competitivo como este está bem servida.
No final das contas, não dá para condenar uma grande massa de jogadores que olham para a edição deste ano como uma mera e fútil atualização das edições anteriores, porque para todos os efeitos, Madden NFL 25 é exatamente isso, e a própria EA já se conforma com esse conceito, já que não se preocupa em reapresentar o jogo para mais ninguém. Até mesmo o Skills Trainer, que deveriam ser uma porta de entrada para pioneiros de primeira viagem, parece considerar uma experiência prévia ao só tentar atualizar aquilo que já se deveria saber, tanto em termos de regras do esporte em si como da forma de se jogar que ela implementou. Por sua vez, a maior novidade no que se refere à física do jogo, a BOOM Tech, traz uma diferença significativa sim para quem já estava habituado a alguns movimentos truculentos e grosseiros, mas diante o todo, é um mero ajuste.
Pelo lado da apresentação, a interface mais limpa ajuda a compreender um pouco mais do que está acontecendo fora de campo, mesmo não sendo ainda dos mais agradáveis visualmente. Quando o jogo rola, porém, os incrementos gráficos são mais satisfatórios e apontam para um ápice audiovisual desta geração, ao menos para esse aspecto ultrarrealista que se busca na representação de pessoas aqui do mundo real. Nada disso, porém, muda a simpatia do jogo (ou a falta dela) para com o público geral, e quem já passava incólume por este que é, inexoravelmente, um dos produtos mais lucrativos da indústria, continuará assim, porque não importa se a análise é redigida por mim ou pelo Thiago, Madden NFL, desde seus primórdios lá no longínquo ano de 1994, para o bem ou para o mal, continua sendo Madden NFL.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Eletronic Arts.
Veredito
Sem grande novidades para além de uma leve atualização visual e de física, Madden NFL 25 continua sendo um ótimo jogo esportivo. Mesmo sem a concorrência direta de outras produções para a modalidade, entrega uma experiência completa deste futebol americano para os fãs, e só para eles.
Without any major changes other than a slight visual and physics update, Madden NFL 25 is still a great sports game. Even without direct competition, it delivers a complete experience for fans, and only for them.
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