Um projeto que foi adiado por anos para ser lançado, possíveis diversos reboots em seu desenvolvimento, mudança constante de líderes e desenvolvedores no estúdio, um marketing que virou piada e muito mais é o background do mais recente título da Ubisoft. Skull and Bones já teria uma montanha imensa para escalar apenas para ser notado de forma menos negativa do que já era rotulado, ainda mais quando era comparada com outros jogos mesmo jamais tendo se mostrado como um produto similar. Seria essa uma tarefa árdua o suficiente para não conseguir mostrar qualidade nenhuma no fim?
Desenvolvido principalmente pela Ubisoft Singapore, mas também auxiliada por outra dezena de estúdios da Ubisoft, Skull and Bones é um jogo com temática de pirataria mas numa categoria totalmente diferente de como é rotulado por vários. Jamais é um spinoff, sequência ou projeto similar a Assassin’s Creed: Black Flag. Longe disso e ao meu ver, o jogo é melhor categorizado como um jogo online de batalha naval com temática de pirataria e muito mais próximo de um World of Warships, por exemplo. Desde os primeiros trailers, lá ainda em 2017, toda a ideia passada era exatamente essa e, portanto, é preciso aceitar o produto pelo que ele é e não pelo que cada jogador gostaria que fosse. Resolvido isso acho que podemos nos focar no que o jogo oferece.
Skull and Bones aborda as batalhas navais e disputas marítimas durante o século 17 no Oceano Índico, entre a costa leste da África ao sudoeste da Ásia, longe das famosas histórias piratas do Caribe que já foram mostradas em diversas mídias. Ali, seu capitão é o sobrevivente de um naufrágio que precisa voltar aos saques e pilhagens para criar sua carreira, construindo seu navio e indo atrás de tesouros. Se alie com demais piratas, criei ou saquei equipamentos que melhoram sua embarcação, procure atividades recompensadoras e evolua um império de contrabando e se torne um dos grandes piratas dali.
Skull and Bones é um jogo totalmente online num mapa com vários outros jogadores onde cada um é seu próprio navio. Numa comparação mais direta, seria como um MMO de navios, com grande foco nas batalhas navais e exploração marítima, ainda que tenha uma pequena parte com cada jogador controlando seu capitão em locais específicos apenas para negociações e exploração, sem qualquer tipo de combate usando o personagem.
Praticamente quase toda a jogabilidade se resume ao uso do seu navio, desde começar usando um simples dhow até alcançar embarcações maiores, o que pode demorar umas boas horas de progresso. A história do jogo se resume a realizar esse processo de aprendizado das diversas tarefas, desde a coleta de materiais e criação de equipamentos e navios até a solução de atividades e pilhagens mais direcionadas para o endgame. Se alie a dois piratas famosos de regiões diferentes e siga missões que vão direcionar o jogador nas tarefas diversas do jogo, com alguns diálogos e poucos motivos para se interessar por isso.
Sendo sincero, a história só existe como um tutorial diverso e com missões que vão dar ao jogador mais interesse na recompensa do que na trama. É quase possível o jogador deixar isso de lado e seguir seu rumo descobrindo por conta própria diversas novidades e voltar para essa campanha apenas pela conclusão mais tarde. Em resumo, não há nada que prende qualquer pessoa nesse tipo de jogo pela história e a diversão maior fica pela jogabilidade pura, combate e exploração. Em partes é até desperdício dar sequer opções de diálogos em certas conversas, já que nada muda no fim. Além disso, ambos piratas citados viram vendedores e entregadores de missões no final e nada mais do que outro NPC padrão.
Aqui muito é sobre velejar e combater aproveitando isso com certa liberdade, o que para mim é um dos pontos positivos do jogo. Pilhar e saquear outras embarcações e edificações é parte fundamental da jogabilidade e evolução, principalmente na busca de recursos que serão usados em missões, melhorias, criações de equipamentos e até mesmo trocas com outros jogadores. Criar armamentos diferentes ou modificações para seu navio dá ao jogador uma vasta opção no combate que poderá ser usada de diversas maneiras, principalmente nos eventos mais difíceis no endgame. Por exemplo, é possível focar seu navio para atirar com armas longas e reparar seus aliados enquanto se mantém afastado do combate ou mude a estratégia para canhões que aplicam efeitos em outras embarcações e consegue resistir a uma quantidade maior de dano. Há opções que deixam o combate interessante mesmo por dezenas de horas a fundo e ainda há estilos diferentes para se tentar e abordagens que podem ser combinadas quando se está em uma equipe.
Outro ponto positivo é a experiência da fantasia de pirataria, ainda que mais restrita apenas ao uso de navios. Personalizar sua embarcação e velejar por uma região que exala essa fantasia é algo prazeroso, muito pela temática ser bem acertada de forma visual e reforçada pela vivência nos combates entre canhões. Indo até além, parte fundamental dessa fantasia é não se prender demais em conceitos mais “pé no chão” e abraçar o que faz parte das lendas e contos que já vimos nesse universo, como navios fantasmas, monstros marítimos, histórias fantasiosas e mais.
A criação do Oceano Índico reforça isso e deixa a experiência ainda melhor. Design do mapa como um todo e as diversas regiões que demonstram a parte cultura de cada lugar é algo interessante. Ver a regionalização de cada local pelas facções, cultura visual e até itens únicos é um acerto aqui. Alguns outros pontos reforçam essa criação do mundo, como a física de água e vento durante velejar, tempestades e o efeito delas nos barcos e até mesmo um pouco de fator histórico aplicado, como as companhias que buscavam especiarias únicas nessas áreas e a tomada de territórios na busca de recursos.
É fácil se entreter nesse universo se você é fã desse conceito, seja mais histórico ou fantasioso. Minha primeira experiência com algo do tipo foi assistindo ao filme A Ilha da Garganta Cortada e depois foi sendo reforçada por diversas outras mídias que trouxeram o tema à tona, como a franquia Piratas do Caribe e seu sucesso mundial. De certa forma, por mais que Skull and Bones apresente problemas, o uso da fantasia de piratas é um dos pontos mais acertados do jogo e vai agradar a todos aqueles que se fascinam por isso.
E já falando em problemas, alguns precisam ser citados aqui. Não dá pra criticar a falta de uso de qualquer atividade que possa envolver a parte fora dos barcos no jogo, já que isso nunca foi planejado. De toda forma, seria uma experiência ainda mais completa caso isso existisse e tornaria o jogo quase numa vivência de pirataria ao invés de apenas um jogo de batalha naval. Devido aos vários adiamentos, problemas com desenvolvimento e mais, lançar o jogo no estado atual sem tentar ser ambicioso demais com o que estava sendo feito parece mais acertado apesar de tudo.
Algumas mecânicas e problemas técnicos também precisam ser pontuados e que são destaques negativos quando surgem. Minigames para coletar recursos é algo sem criatividade e que poderia ser realizado de uma forma menos tediosa. Uma possibilidade seria existir um gerenciamento de tripulação, onde além de influenciar no funcionamento do seu barco também ficaria por conta de recolher material de coleta. Um grande problema técnico é o streaming de texturas e geometria que demora a carregar o visual de alta qualidade, deixando o jogador vendo texturas borradas em diversos momentos quando em terra e árvores 2D horrorosas ao se aproximar de ilhas.
Sistemas que precisam de melhorias são os de criação de itens. Após mais de 50 horas de jogo, só consegui meus melhores equipamentos ao ganhar baús que recebe a cada novo nível além do máximo. Em partes, o grande problema disso é atrelar esses equipamentos de nível mais alto ao sistema de endgame e deixar o jogador preso na evolução de boa parte dos seus equipamentos. Mesmo avançando por horas dentro das atividades do Leme, o jogador possivelmente não terá sua build ou navio montado da forma como queria.
Ao concluir a campanha ou maior parte dela, o sistema de contrabando do Leme fica disponível e é ali que o jogador ficará no endgame. Consiste em dominar locais para que produzam mercadorias que se tornarão as Moedas de Oito. Além disso, é possível conseguir através da produção de itens e entregá-los como missões para adquirir as mesmas moedas. Vários vendedores entregarão diagramas de armas e itens por um alto custo dessas moedas, o que forçará o jogador a ficar dominando locais, controlando a produção desses recursos e depois coletar de cada local as moedas. Enquanto isso também irá realizar entregas e contratos que irão garantir mais algumas e, por fim, se tornar quase um entregador de Moedas de Oito.
Com a maior parte do endgame focado apenas nisso, a evolução fica presa somente num sistema que se torna cansativo e que se apoia apenas em criar um ranking de quem coletar mais moedas. O jogo deveria aproveitar mais do mapa, eventos do mundo para reforçar o cooperativo entre todos do servidor, atividades recorrentes com objetivos e recompensas únicas e mais para cativar num endgame que deveria focar nas batalhas navais.
Há ajustes que precisam acontecer além dos habituais atualizações de correções e balanceamento, mas que devem chegar nas próximas semanas junto com as novidades da primeira temporada já em 27 de fevereiro. Imagino que esses ajustes devem se basear muito no feedback da comunidade e necessidades que o jogo apresenta, já que o estado de polimento técnico e de conexão a servidores aparenta ser bastante estável. Além disso, as atividades devem aumentar com o tempo e se diversificar, assim vários itens cosméticos provavelmente farão parte da lista de conteúdo futuro, já que o sistema de microtransações do jogo é baseado apenas em equipamentos visuais.
Em resumo, há uma estrutura já bem desenvolvida para o jogo no estilo de batalha naval e pitadas de RPG, mesmo que isso ainda precise de ajustes pontuais. Atividades endgame precisam ser revisadas e ajustadas para manter o jogo interessante para os que curtiram o estilo e pretendem continuar. Há mais para ajustar e acredito que isso vá acontecer com o tempo e da mesma forma que vimos em outros títulos da Ubisoft que muitos rotularam como fracasso em seu lançamento. Ótimos exemplos são For Honor e Tom Clancy’s Rainbow Six Siege, que, mesmo com recepção mediana, conseguiram encontrar seu público e ser fiel a ele nos moldes de jogos como serviço, com ambos se mantendo ativos até hoje.
Skull and Bones é um resultado imperfeito dos possíveis problemas causados durante seu conturbado desenvolvimento. Enquanto longe de ser um fracasso, também não alcança um estatuto de consolidação como um ótimo jogo graças às suas falhas, preço que não condiz com a realidade e limitação de escopo. Entretanto, saber vender seu produto e, principalmente para nós jogadores, saber comprar uma ideia quando é apresentada parece ser mais do que necessário hoje em dia para que não se espere uma coisa que jamais foi prometida.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Ubisoft.
Veredito
Skull and Bones adota a temática de pirataria num jogo de batalha naval que entrega bom combate numa fantasia bem acertada. Ainda faltam ajustes precisos para melhorar a experiência como um todo, melhorias de mecânicas mal desenvolvidas e o endgame no estado atual é deplorável. Apesar disso, há aqui uma oportunidade para que os fãs do estilo e ambientação possam se divertir, desde que entendam o que o jogo propõe.
Skull and Bones embraces the piracy theme in a naval battle game that delivers good combat in a well-crafted fantasy. There are still a lack of precise adjustments to improve the experience as a whole, improvements to poorly developed mechanics and the endgame in its current state is deplorable. Despite this, there is an opportunity here for fans of the style and setting to have fun, as long as they understand what the game proposes.
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