Meu interesse em The Cub surgiu assim que o mesmo foi anunciado para PlayStation, cujo descritivo associava aos famosos jogos dos anos 90 de plataforma. Sou fã confessa do estilo, observando a evolução de diversos títulos ao longo dos anos. A implementação de mecânicas de parkour foi um marco para a época e o primeiro jogo que certamente se destaca entre as referências utilizadas pelos desenvolvedores do jogo é The Jungle Book. O pequeno Mogli, conhecido como o Menino Lobo, transitava em tela utilizando suas habilidades acrobáticas, movendo-se agilmente através do cenário.
O parkour é uma técnica de deslocamento utilizando o corpo para superar obstáculos e o jogo permitia que o personagem transitasse entre cipós, além de escalar árvores e demais atividades através de uma selva ricamente representada, composta de animais exóticos e uma variedade significativa de inimigos. O parkour acabou se tornando um elemento recorrente nos jogos atuais, diversificando a abordagem e exploração de ambientes, sempre muito mais dinâmico e criativo.
Golf Club: Wasteland, apresentava uma espécie de sátira contra os ultra-ricos que fugiram para Marte após a Terra se tornar um local não habitável. No entanto, foram mantidos voos fretados de retorno para a Terra, trazendo pessoas privilegiadas para participar de partidas de golfe. As partidas são uma espécie de “válvula de escape” para a elite, oprimida em uma sociedade distópica, controlada por corporações, que mantém o controle da população através de sanções.
As cidades são elementos que viabilizam expressões, poderes, indivíduos e são interlocutoras, sendo um referencial e modelo de comunicação, onde a discussão de potenciais ameaças são evidentes, cujos regimes ganham voz em oposição a voz de indivíduos que tentam se comunicar entre si, contra o poder instituído. Marte ganhou cidades, pessoas, uma sociedade e, como resultado, o regime opressor e seus oprimidos.
Nesse momento, os mundos de Golf Club e The Cub se colidem com a chegada do novo título. The Cub é um jogo de plataforma e parkour em 2D, com forte inspiração em jogos clássicos conhecidos como “Aladdin”, “The Jungle Book”, entre outros, associado a temática moderna em um mundo pós-apocalíptico, o mesmo mundo do jogo “Golf Club: Wasteland”. Nesta versão, observamos o mundo sob a ótica de um pequeno sobrevivente, Cub. Vivendo em um ambiente hostil, cercado de perigos, o pequeno possui curiosidade suficiente para explorar o mundo e transforma-se em objeto de caça dos ultra-ricos que fugiram para Marte. Nossa jornada de fuga inicia-se, envolta em elementos de exploração, descobertas adicionais e um sistema de perseguição frenético.
Além de protagonista, Cub produz também o processo narrativo, onde aprendemos como a Terra se transformou no passado. Após um longo período de temperaturas elevadas, peixes morriam, plantas não conseguiam resistir, pássaros não conseguiam voar mais. Trovões surgiam em diversos lugares, mesmo sem chuva e os humanos chamaram esse período de “A Grande Catástrofe Ecológica”. Sua mãe optou por fugir, se deparando com uma cidade inundada, repleta de refugiados em botes. Infelizmente, o destino separou Cub e sua mãe, sem a certeza se ela apenas abandonou o filho ou morreu no processo.
Nesse momento, os ricos deixaram a terra em foguetes para Marte, o restante da humanidade, permaneceu em conflito, causando destruição e mortes pela sobrevivência. Cub fugiu para a floresta, sendo descoberto por uma loba que criou o pequeno como um filho. Pessoas morriam nos confrontos ou através da mutação evoluindo no ambiente. Animais e órfãos optaram por sobreviver, adaptando-se a natureza em meio a ruína. Após um longo período, humanos retornaram, agora autointitulados “Marcianos”. Com vestimentas amarelas e sobrevoando locais com o uso de uma espécie de jetpack pessoal, aproveitavam para caçar na Terra e jogar…golfe. Ao se aproximar de um grupo de “Marcianos”, Cub acaba exposto e todos ficam intrigados como Cub pode respirar sem um traje, iniciando assim uma perseguição.
Cub adota movimentos simples como pular, pular mais alto, rolar, empurrar objetos, salto duplo, interagir com o cenário, agarrar em biomas contendo elementos naturais e produzidos por humanos, como veículos e prédios abandonados. Nota-se uma preocupação com a estética de mundo, sempre empregando a sensação de abandono e como a natureza tem o poder dominante sobre estruturas criadas pelo homem.
Não espere por um jogo fácil. O pequeno tutorial inicial entrega o óbvio e nada mais. The Cub libera o jogador e sua capacidade de descoberta e aprendizado, inserido entre os cenários compostos de elementos escondidos, objetos interativos, coletáveis e muitos perigos que necessitam de habilidade e precisão por parte do jogador, ou mortes serão frequentes. Sim…mortes. Diversos níveis exigem o aperto de um botão no momento correto, empregando um ritmo mais frenético. Ou apenas a percepção sobre qual a melhor opção quando um enxame te persegue insistentemente.
Frequentemente nossa rotina envolverá pulos, o uso de cipós, barras para escaladas e demais situações fundamentais para a fuga e exploração de Cub. Nesse quesito, The Cub é um jogo simples, focado na habilidade do personagem e jogador e na superação dos desafios propostos. É curto, que se agarra fortemente na mensagem narrativa.
Por se tratar de um título curto, sem grandes elementos de gameplay, habilidades e demais recursos encontrados em demais títulos de jogos no mercado, The Cub pode pecar pela falta de zelo e investimentos mais amplos no desenvolvimento. No entanto, nota-se que a proposta simplista é definitiva previamente definida. Se você é do tipo que gosta de uma experiência curta, repleta de personalidade, certamente abraçará a jornada em The Cub, caso contrário, a jornada será envolta em tédio e questionamentos.
Os diversos objetos de interação agregam informação de mundo, além da própria rádio presente no capacete de CUB. A rádio e a trilha sonora são excelentes, porém, em determinados momentos, você sequer prestará atenção no que é dito, pois precisa passar por um nível repleto de espinhos, animais mutantes, locais eletrificados e demais riscos ambientais que Cub deve superar.
Apesar disso, os elementos sonoros são importantes para a experiência. Demonstram histórias de vida, dificuldades, induzem a reflexão e o aprendizado. Os anúncios e mensagens transmitidas tornam tudo mais realista, ainda mais com o uso do fone de ouvido. Quando Cub entre em uma área com água, por exemplo, a rádio adota um volume mais baixo, semelhando a nossa audição enquanto debaixo d’água…são pequenos detalhes que fazem a diferença.
Visualmente, The Cub imprime uma arte singular, com tonalidades predominantes de cinza, roxo, azul, sempre mesclando entre o vivo da natureza e a escuridão ambiental em subsolos e prédios abandonados. O estilo artístico de Genndy Tartakovsky (Samurai Jack, Tarzan, entre outros) é excelente, construindo um mundo mapeado com o que restou do planeta, ainda possuidor de belezas pontuais, como uma centelha de iluminação solar através da copa de árvores na floresta densa.
The Cub é um misto de sensações. Proporciona uma viagem em estilo zen, alternando com momentos de tensão e frenesi, cujo foco é o desafio. A abordagem é simples, minimalista, adota mecânica de gameplay conhecida, sem grandes inovações ou a necessidade de entregar além do necessário.
Entre a transição e escaladas em cenários devastados, acompanhando relatos em um rádio, nos sentimos menos solitários e refletimos sobre o que faríamos para nos readaptar e sobreviver. Jogos certamente são uma ferramenta de reflexão e agregam informações significativas. The Cub é um deles. Recomendo fortemente a imersão nessa experiência , curta, potencialmente profunda e enriquecedora.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Untold Tales.
Veredito
The Cub é simples e possui uma excelente história. Apesar da limitação, compromete-se em manter o jogador entretido, contemplativo e focado em momentos desafiadores, sempre envolto na sensação pacífica ilusória. O estilo de arte único e elementos sonoros inseridos em uma narrativa experimental são motivos suficientes para jogar o título.
The Cub is simple and has an excellent story. Despite the limitation, it is committed to keeping the player entertained, contemplative and focused in challenging moments, always surrounded by the illusory peaceful sensation. The unique art style and sound elements inserted into an experimental narrative are reason enough to play the title.
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