Houve um tempo, acredite você, em que a franquia Smurfs esteve dentre as mais reconhecíveis do mundo para crianças e adultos que se acostumaram a os assistir nos programas infantis matinais do final dos anos 1980 e início dos 1990. Não era difícil encontrar quem tinha decorado o nome de mais de uma dezena de personagens, suas características especiais e seus bordões. O tempo passou, a marca ganhou uma boa sobrevida nos cinemas com filmes de relativo sucesso e outras tentativas de retorno para as diversas mídias, mas jamais repetiu a popularidade de outrora.
O mesmo fenômeno pode ser percebido em seus vários produtos licenciados, incluindo os games. O jogo de 2021, The Smurfs: Mission Vileaf, passou pela mesma crise de identidade dos filmes, já que é um produto tipicamente para crianças menores, com piadas mais inocentes e uma mensagem de amizade pueril, mas sem ter uma âncora nostálgica com as gerações mais recentes, precisa de algum artifício mais relacionável com adultos para que os pais pudessem também ter suas motivações para serem eles os promotores da aventura e assim, os principais intermediários no estabelecimento de uma nova base de fãs. Ao que parece, a iniciativa surtiu efeito suficiente para gerar uma continuação, que chega exatos dois anos depois do primeiro game: antecedendo as festividades de fim de ano, eis que temos The Smurfs 2: The Prisoner of the Green Stone, cuja tradução oficial no Brasil é, sem surpresas, Os Smurfs 2 – O Prisioneiro da Pedra Verde.
Tudo vai bem na Vila dos Smurfs até que o Smurf Habilidoso (Handy Smurf, no original) decide investir em uma nova invenção, o SmurfoMix, para ajudar o Chef na criação das melhores guloseimas de mais uma festa. Os cálculos estavam precisos, o plano era maravilhoso, mas nem tudo funciona como planejado e um ingrediente final se faz necessário: uma tal de Pedra Verde, que obviamente está nas mãos de um certo feiticeiro chamado Gargamel. Qual a melhor saída? Seria diminuir as expectativas da celebração? Adia-la para dar tempo de produzir as comidinhas? Quem sabe colocar mais Smurfs para trabalhar nos preparativos? Ou invadir o covil daquele que é o mais temível inimigo do seu povo para roubá-lo? Pergunta retórica, claro, porque já sabemos da óbvia resposta.
A investida dá terrivelmente errado, e eles acabam liberando Stolas, uma criatura que pode atrapalhar até mesmo os planos de Gargamel. Para resolver o problema que causaram, os Smurfs acabam se unindo ao seu desafeto original para capturar a entidade libertada e arrumar a bagunça onde se meteram, e é aí onde uma jornada cheia de perigos realmente começa. Um grupo de quatro destemidos membros da comunidade parte para mundos cheios de hostilidades e perigos, ainda munidos de um SmurfoMix capenga, e aquilo que parecia uma caçada objetiva se torna algo tão grandioso quanto revelador. Uma história simples e que mais parece um episódio semanal do antigo seriado é o suficiente para dar base a uma das mais imaginativas passagens deste universo encantador.
Ainda que não se pretenda um grande arrasa-quarteirões, The Smurfs 2: The Prisoner of the Green Stone surpreende ao se mostrar extremamente responsivo enquanto uma aventura tridimensional com toques de plataforma e pitadas de combate baseado em boas mecânicas de tiro em terceira pessoa. No controle de quatro típicos membros da trupe azul, será necessário encontrar caminhos, explorar ambientes bastante ricos, solucionar alguns quebra-cabeças e enfrentar hordas encrenqueiras através de cenários deslumbrantes, cheios de cor e sem qualquer vergonha de se apoiar na fofurice temática como seu grande atrativo para famílias e, principalmente crianças de várias idades.
Sem se mostrar pretencioso, o jogo se apoia em mecânicas bastante conhecidas e muito bem implementadas. Mirar e atirar utilizando da principal traquitana Smurf é algo bastante fácil de se aprender, mesmo para os menos experientes com esse tipo de jogabilidade, e a aprendizagem é gradativa e paciente. Assim que somos introduzidos a novos tipos de munição (se assim podemos chamar, por exemplo, um tipo de mel de abelha grudento), a alternância é de fácil absorção e se torna bastante natural mesmo quando a coisa aperta em arenas cheias de inimigos inconvenientes. Não existe a ganância por parte dos desenvolvedores de se fazer algo mais sofisticado do que realmente é, e este é um dos maiores acertos do jogo. Pode até ser que em algumas fases haja o abuso de um ou outro tipo de mecanismo, mas no geral, tudo é bem dosado.
Isso não significa que seja um game raso ou simplório. Há uma série de movimentos interessantes, como o salto (e o inevitável salto duplo), esquiva, uso de dispositivos complementares e movimentos especiais, dentre outras surpresas que ajudam a superar os entraves pelo caminho. As soluções de upgrade são muito bem-vindas ao causar a sensação de melhoria constante, trocando essência (um tipo de recurso coletável de cristais destruídos e inimigos abatidos) por mais pontos de vida, ou uma frequência de tiros mais elevada, ou ainda mais dano, escolha básica, mas que se adapta bem ao estilo de cada jogador. No final das contas, esses pontos extras vão sendo incorporados naturalmente, e a maior diferença fica pelo investimento nos tipos possíveis de especiais – cada personagem tem suas habilidades particulares – ou na força de uma ou de outra munição preferida, sempre mantendo a máxima de ser didático e confortável pro jogador.
O jogo, obviamente, não é livre de problemas, e o trauma da câmera mal resolvida em certas situações é algo que a indústria ainda precisa solucionar. Em passagens de precisão, como por exemplo pular entre plataformas móveis, é comum que um movimento em falso comprometa a perspectiva de uma forma inesperada, o que dificulta a melhor escolha. Batalhas onde esbarramos com quinas e beiradas também podem nos deixar desorientados facilmente. A física, por sua vez, pode ser um pouco instável dependendo do terreno onde estamos caminhando, como gelo ou grama por exemplo, e o sistema de colisão com objetos, principalmente os móveis, carece de um refinamento. Soma-se a isso que há uma série de paredes invisíveis onde não deveria e um contato estranho com estruturas que são só limítrofes de cenário, e há um conjunto de limitações comuns nesse tipo de produção, mas ainda assim importantes de se destacar.
Entretanto, mesmo que essencialmente linear e se mostrando uma composição de corredores disfarçados de áreas semi-abertas, uma das mais gratas surpresas do jogo é um level design variado, bem distribuído e que acerta em um trabalho de condução que se equilibra entre a sensação de urgência e a possibilidade de se descobrir, com calma, caminhos possíveis, aliado a uma pequena possibilidade de exploração na medida certa para evitar desvios longos demais. Há bifurcações inteligentes, coisas que ficam para serem resolvidas depois, mas nada que configure um mapa desnecessariamente labiríntico, o que tornaria o ritmo demasiadamente arrastado. Mesmo portais que levam a confrontos extras contra hordas isoladas, com premiações pomposas em caso de sucesso, são opcionais e permitem escolher ignorá-los sem prejuízo na dinâmica da campanha. The Smurfs 2: The Prisoner of the Green Stone flui, instiga, provoca da forma certa. Ao invés de nos testar, ele nos convida, algo que parece supérfluo, mas que se prova muito positivo para esse tipo de jogo.
Nada disso seria suficiente, claro, se o aspecto artístico não conseguisse entregar todo exagero de formas e cores que este mundo exige. Diminutos, os Smurfs encontram até nos cantinhos mais comuns um universo assustador e complicado de lidar, e a sensação de escala é sempre muito bem colocada no game, sem contudo forçar o efeito de “Querida, Encolhi as Crianças” o tempo todo. Assim, claro que portinholas se tornam portões de castelo, e uma simples caixa de areia se mostra um grande deserto, mas é nas sutilezas, e não no impacto de grandiosidades, onde está a força do jogo. Isto significa que não há, por exemplo, aquelas câmeras passeando pelos cenários para evidenciar a pequenez de nossos intrépidos heróis, nem algo que se pretenda como tal. O foco não está no tamanho das criaturas, mas sim no da própria jornada.
Visualmente, todos eles estão ainda mais bem modelados que no jogo anterior, com uma expressividade típica de desenhos animados dos dias atuais. A textura foge de um pretenso fotorrealismo, e mesmo Gargamel é tão caricato como nas melhores histórias da franquia. Por sua vez, as animações in-game se saem melhor que aquelas programadas nas cut-scenes, que sofrem um pouco mais com a falta de diversidade da direção e de sincronia labial. Efeitos de iluminação e colorização estão especialmente muito bem feitos, tornando algumas paisagens e ambientações simplesmente lindas. Não há tanta profundidade de campo assim, e muitas vezes nos veremos em corredores apertados e espaços relativamente fechados, o que garante um melhor controle da cenografia, mas quando se permite abrir horizontes, o game brilha.
Os inimigos, porém, são os que mais sofrem com um design genérico, pouco imaginativo e em certos pontos, repetitivo. Contextualmente, faz sentido, mas na prática, parece que realmente estamos lutando contra os mesmos bichinhos do começo ao fim, variando pouco no que se refere a tema, padrões de ataque, tamanho ou agressividade. Não é estranho que em algum ponto até nos esqueçamos de quem é o grande antagonista da coisa toda, porque no final das contas, ele realmente não importa tanto assim e é só mais um instrumento de progressão do que qualquer outras coisa.
No aspecto sonoro, há uma série de passagens faladas com interpretações muito adequadas aos personagens, considerando alguns estereótipos um tanto quanto ultrapassados e que podem estar deslocados para a realidade atual. A novidade está no diálogo entre Gargamel e os Smurfs, em uma das poucas vezes onde ele se coloca como um co-mentor intelectual do grupo ao lado do onipresente Papai Smurf, com uma postura ora ácida, ora complacente. A trilha musical tem um caráter que passeia entre composições heroicas e a leveza de uma animação matutina, enquanto a ambientação consegue fugir do lugar comum e apresentar uma variedade de ruídos e cacos que deixa muita produção de alto orçamento do gênero para trás. Não é um jogo que vai exigir o máximo de um sistema de som potente, mas que vale a pena ser tão ouvido quanto visto. E se não tem a dublagem para o nosso idioma, tão desejada para um produto para crianças, ao menos as legendas estão bem localizadas para o português.
The Smurfs 2: The Prisoner of the Green Stone é, em resumo, um ótimo jogo de aventura para aquilo que se propõe. Sem buscar a inovação, muito menos se tornar um marco para o gênero, ele diverte e captura a essência dessas coisinhas azuis (como o Gargamel tenta fazer há décadas) de uma forma tão competente que fica difícil não recomendá-lo para quem busca por algo mais leve e sem o senso de urgência das pomposas produções atuais. Contudo, há que se considerar que com um foco bem definido para um público infantil, a construção narrativa jamais se presta a reviravoltas mirabolantes ou profundidade de personagens, bem como as mecânicas se apropriam de parâmetros bem estabelecidos para uma base sólida, mas bastante simples de combate. Se as expectativas estiverem no lugar certo, este é um ótimo jogo para diversão em família numa tarde preguiçosa de domingo.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Microids.
Veredito
The Smurfs 2: The Prisoner of the Green Stone sabe exatamente o que pretende e como fazer isso funcionar. Com uma história típica dos bons e velhos tempos da animação, protagonistas carismáticos e mecânicas simples e efetivas, é um jogo leve e divertido, desde que não se espere mais do que ele se propôs a oferecer.
The Smurfs 2: The Prisoner of the Green Stone knows exactly what it aims for and how to make it work. With a story typical of the good old days of the animation, charismatic protagonists and simple and effective mechanics, it’s a light and fun game, as long as you don’t expect more than what it sets out to offer.
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