Se há um título ao longo dos últimos anos em que eu não perdi uma chance de elogiar e recomendar foi Mutant Year Zero: Road to Eden. O curioso e único RPG Tático/XCOM-like ambientado num mundo pós-apocalíptico e protagonizado por um pato e um javali humanóides foi uma surpresa tão agradável, graças ao carisma absurdo dos personagens tão bem casado com seu combate desafiador, que até hoje eu me vejo pensando e lembrando do quão boa foi a experiência com ele.
Logo, quando a desenvolvedora por trás daquele título, a The Bearded Ladies, anunciou o seu próximo jogo, também um RPG Tático pós-apocalíptico… Bem, era natural que se tornasse um dos meus jogos mais aguardados do ano. Afinal, seria de se esperar que a equipe usasse tudo que aprendeu no jogo anterior para entregar um título ainda melhor dessa vez.
A realidade é um pouco mais complexa do que isso. Miasma Chronicles,novo jogo da desenvolvedora, consegue manter e até mesmo evoluir alguns dos sistemas mais importantes, fazendo dele talvez um dos expoentes do gênero lançados até aqui em 2023. Isso não quer dizer, no entanto, que o peso das expectativas talvez tenham empurrado o resultado final um pouco para baixo.
A história gira em torno de um futuro apocalíptico não tão difícil de se imaginar em nossa realidade. Ambientado nos EUA, o jogo se passa em um mundo no qual a busca incessante por lucros a todo custo levou ao desenvolvimento de uma bizarra tecnologia responsável por uma substância semi-sentiente chamada de Miasma, a qual destruiu toda a New America. Com isso, os poucos sobreviventes espalhados pelo país precisam lutar pelos poucos recursos que restaram para conseguirem se manter vivos.
O protagonista da história é um jovem chamado Elvis, filho da mais brilhante cientista da sua comunidade e que estava, supostamente, prestes a encontrar uma solução para o problema do Miasma, em parte usando uma luva especial que foi dada por ela à Elvis e que seria capaz de controlar a energia do Miasma e usá-la em uma arma de energia.
Cabe a Elvis então encontrar uma forma de localizar o paradeiro da sua mãe e tentar encontrar uma forma de ajudar os sobreviventes ao redor dele onde costumava ser o estado americano do Kentucky. Durante essa jornada, Elvis encontra uma série de companheiros, incluindo seu “irmão adotivo”, o robô Diggs, e Jade, uma misteriosa mercenária que resolve ajudá-lo por seus próprios objetivos.
Quando comparado com as dinâmicas do jogo anterior da desenvolvedora, Miasma Chronicles felizmente se esforça (e tem sucesso) em torná-la bastante diferente da vista em Mutant Year Zero. Trabalhar com um grupo menor ajuda a focar no desenvolvimento específico dos três, sem demandar tanta atenção para personagens introduzidos mais à frente.
Surpreendentemente, os personagens secundários espalhados pelo mundo, quer sejam eles voltados para o auxílio a sua equipe, quer sejam inimigos cujos objetivos vão contra os seus, conseguem evitar a sensação de serem apenas ferramentas para mover o plot. Isso não quer dizer que tudo seja perfeito, mas funciona bem e mantém o jogador engajado na narrativa.
Isso tudo se dá muito graças à qualidade dos diálogos e à escrita do jogo no geral. Os personagens se comunicam como seres reais, evitando diálogos duros e robóticos. O senso de humor encaixa bem na maioria das vezes e é exacerbado pelo quão boa é a localização do jogo em PT-BR. Ainda existem algumas piadas ruins, naturalmente, mas no geral é tudo muito bem amarrado.
O combate é outro ponto alto do jogo e constrói muito bem sobre os sistemas vistos em MYZ. Aqui também você tem total liberdade para andar pelo mapa em tempo real, curtindo a (muito bem desenvolvida) ambientação do jogo e seus cenários mais sombrios. Ao se aproximar de um grupo de inimigos você passa a ter a opção de entrar em combate com eles, podendo movimentar sua equipe em grupo ou individualmente e posicioná-los antes de pegar os inimigos de surpresa.
Ao iniciar a batalha, o jogo muda para algo mais próximo de um RPG de Estratégia ou, de forma mais similar ao se falar em jogos ocidentais, um XCOM ou Wasteland. Personagens agem cada um no seu turno e possuem cada um dois pontos de ação, podendo usá-los para se movimentar pelo mapa e realizar diferentes ações, incluindo aí atacar, usar habilidades ou itens e recarregar suas armas.
Naturalmente, o uso de cobertura é algo fundamental aqui e o jogo explora melhor a parte de stealth com a introdução de um raio de barulho para as armas. Com isso, é possível eliminar inimigos de forma mais cuidadosa e silenciosa, evitando confrontos abertos contra grupos grandes de inimigos que, inevitavelmente, vão ser capazes de te encurralar.
Um dos pontos fortes do sistema de combate do jogo é o fato de ser bastante intuitivo e fácil de se entender, mas bastante desafiador de se executar na prática. Mesmo nas dificuldades mais fáceis a IA não é exatamente permissiva com os erros do jogador, punindo-as com bastante agilidade, algo extremamente bem-vindo nesse tipo de jogo, algo só exacerbado nas dificuldades mais altas.
Isso faz com que o sistema seja incrivelmente recompensador para os jogadores mais afeitos ao gênero, ainda que mantenha acessibilidade para novatos graças às dificuldades mais baixas. Dito isso, não ache que você irá para o combate com vários itens de cura à disposição e poderá errar e brincar com o jogo já que recursos são incrivelmente escassos e um erro no uso pode ser a fresta na porta para um Game Over.
Miasma Chronicles é o exato tipo de jogo no qual a dificuldade é uma virtude e não uma fraqueza, visto que o desafio, punição e estratégia são parte essencial do seu looping de gameplay. O jogo te dá ferramentas o suficiente para sobreviver a cada encontro, mas o seu sucesso nisso irá depender única e exclusivamente da sua capacidade de raciocínio e execução.
Por fim, cabe dizer que a direção de arte e trilha sonora são destaques à parte do jogo e fazem o mundo parecer vivo e cada novo momento algo importante. O jogo sabe usar dos seus momentos de silêncio para enriquecer a experiência e a passam em conjunto a clara sensação de um mundo arruinado e destruído no qual ameaças vão surgir a quase todo momento (normalmente na forma de sapos antropomórficos gigantes).
Assim, embora não seja exatamente um jogo perfeito e não conte com o “fator surpresa” que ajudou o seu antecessor, Miasma Chronicles é um bom jogo para os fãs do gênero e segue demonstrando a aptidão da desenvolvedora para ele. Parte dos problemas em seu lançamento eram questões técnicas e, felizmente, eles vem sendo corrigidos com sucessivos patches desde o lançamento.
Portanto, se você é fã de RPGs de Estratégia ou XCOM-likes ou como quer que você prefira chamá-los, Miasma Chronicles é um jogo que irá te desafiar e te divertir na quantia certa e, mesmo em meio a um ano com tantos lançamentos gigantescos excelentes, merece ao menos um pouco da sua atenção.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela 505 Games.
Veredito
Miasma Chronicles é um bom jogo de estratégia que entrega uma história divertida e cativante que constrói sobre importantes elementos do jogo anterior da desenvolvedora. Embora os problemas técnicos afetem a experiência, é um título desafiador e que agradará aos fãs do gênero.
Miasma Chronicles is a good strategy game that delivers a fun and engaging story that builds on important elements from the developer’s previous game. While technical issues do affect the experience, it’s a challenging title that fans of the genre will love.
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