É difícil ter um jogo de impacto em um gênero. Um daqueles que é eternamente lembrado como um dos mais importantes títulos daquele segmento? Ainda mais difícil. Ser lembrado por se reinventar duas (ou mais) vezes e sempre com carinho por bons jogos naquele gênero? Quase impossível de se imaginar. Conseguir fazer tudo isso e ainda ter a fluidez de se mover entre gêneros e criar um sistema de batalha praticamente só?
Bom, isso talvez só a série Mega Man tenha conseguido fazer. Embora tenha, com sucesso, se mantido entregando jogos clássicos em cima de clássicos naquilo pelo qual ela seja melhor lembrada que são os jogos de Plataforma/Ação da série clássica e posteriormente reimaginadas com Mega Man X e Mega Man Zero/ZX, a coragem da Capcom de consistentemente arriscar com o Bombardeiro Azul é um dos seus mais cativantes traços.
Um dos constantes riscos que a série correu ao longo das gerações foi a tentativa de migrar o personagem também para o gênero dos RPGs. De Mega Man Legends a Mega Man X Command Mission, diferentes dardos foram jogados no alvo tentando acertar o balanço certo entre a identidade do personagem e da série e um gameplay que agradasse a um novo tipo de fãs. Esse meio termo finalmente foi encontrado com Mega Man Battle Network.
Lançada entre 2001 e 2006 para o Game Boy Advance, a série agora finalmente chega aos consoles através do mesmo tratamento anteriormente dispensado a Mega Man, Mega Man X e Mega Man Zero/ZX na forma da Mega Man Battle Network Legacy Collection, que junta todas as versões dos jogos em um pacote único (em versão física) ou duas coletâneas (em sua versão digital).
Ao todo, a coletânea traz dez títulos, já que a partir de Mega Man Battle Network 3, a franquia começou a se dividir em duas versões, de forma muito similar ao que já era feito tradicionalmente por uma certa franquia de capturar monstros e se tornou moda entre jogos de GBA na época.
As diferenças entre as versões são bem pequenas, se concentrando mais em alguns chefes específicos de cada versão e chips únicos que te dão acesso a habilidades especiais em cada jogo, sendo elas Styles em MMBN 3, Gigachips em MMBN 4, Souls em MMBN 5 e Crosses em MMBN 6. A quantidade de habilidades específicas varia de jogo para jogo, mas elas sempre foram bem úteis independente da versão (e bem OP quando enviadas para a versão inversa). E, se antes era necessário trocar usando o bom e velho Link Cable, uma das grandes novidades desta coletânea é que agora você pode fazer tudo isso online.
Tanto em termos de história quanto gameplay, os jogos são bastante similares, havendo pouquíssima variação nesses termos além de uma natural progressão e evolução que foi sendo vista ao longo dos jogos. A narrativa começa, naturalmente, no primeiro Mega Man Battle Network, onde o jovem Lan Hikari e seu NetNavi (ou Network Navigator), MegaMan.EXE, vivem a vida pacificamente em um mundo tecnologicamente avançado onde tudo passou a ser controlado por computadores e pela internet.
Como a vida das pessoas passou a ser inteiramente online, passou-se a ser necessário o uso desses “programas navegadores”, que funcionam como avatares com inteligência própria que trabalham em parceria com seus donos para realizar atividades mundanas do dia-a-dia, e ficam armazenados nos PETs (PErsonal Terminals, que são basicamente celulares) de cada pessoa.
Como é de se esperar, Lan e MegaMan.EXE, apesar de levarem uma vida pacífica na pacata ACDC Town, vão se metendo em confusões progressivamente maiores, primeiro buscando parar os malignos planos da WWW (ou World 3) e posteriormente de diferentes organizações malignas similares que vão surgindo às sombras da WWW (ou a própria retornando em distintas encarnações).
Apesar do desejo genérico de “usar vírus para acabar com o mundo” ser algo recorrente entre eles, há uma certa justificabilidade nas motivações dos vilões quando visto pelo prisma atual e não com a boa fé e esperança que havia sido trazido com os primeiros anos de uso da internet.
Apesar de não ser nada imensamente complexo, é notório o quão mais elaborada e desenvolvida a história é em relação aos jogos originais da série ou até mesmo Mega Man X. A adição de Lan e demais personagens humanos, além dos seus próprios NetNavis, adicionou uma nova camada narrativa à série que não estava presente antes.
É tudo bem simples e claramente feito pensando primeiro em um público mais jovem (a semelhança com outra série pelo plot de garoto usa parceiro para coletar algo e derrotar organização criminosa que quer acabar com o mundo é um bom indicativo disso), mas bem escrito e divertido para quem busca algo mais simples e descompromissado.
O fato dos jogos serem sequências uns dos outros, com uma narrativa que vai se conectando é algo muito bem vindo. De forma bem similar ao que ocorre com Mega Man Zero/ZX, Mega Battle Network é uma das duas sub-séries da franquia que possui começo, meio e fim, então há um propósito em jogar todos os jogos dela em sequência além de só ir vendo os ajustes e melhorias feitos ao gameplay ao longo dos anos. Felizmente são jogos curtos, com cada um durando de 15 a 20 horas para a campanha principal, então é fácil completá-los sem demandar muito tempo (apesar da coletânea toda render bem mais de 100 horas).
Falando em gameplay, ele também se mantém bastante estável ao longo dos jogos. As batalhas, que são encontros aleatórios como era a regra entre RPGs por tanto tempo, se passam em um tabuleiro de 3×6, no qual metade fica à disposição do jogador e a outra metade é ocupada pelos inimigos, com você podendo se movimentar livremente pelo seu lado e atacar usando o buster.
No começo de cada turno, que é determinado por uma barra quando é preenchida, o jogador pode escolher um chip (representado por uma carta) da sua pasta (basicamente seu deck), que funciona como um ataque especial que causa mais dano ao inimigo (com cada carta possuindo um dano específico). Embora o sistema básico seja bastante simples, é esse sistema de chips que adiciona uma profundidade imensa ao gameplay e o torna tão viciante e variado.
O primeiro desses elementos é que cada chip é bem distinto dos outros. Há uma quantidade limitada deles e, embora alguns poucos sejam evoluções diretas de outros, como a Sword e WideSword, cada ataque possui um raio de alcance distinto e, muitas vezes, uma distância mínima dos inimigos para ser utilizado.
Ou seja, caso queira usar uma bomba, por exemplo, é necessário arremessá-la três quadrados à frente e há um certo tempo até o impacto. Logo, como os inimigos se movimentam em padrões distintos uns dos outros, há um certo risco e recompensa no uso de cada um desses chips. De toda forma, eles vão se mostrando obrigatórios ao longo do tempo, já que o buster normal causa muito pouco dano (um por tiro certo), enquanto inimigos vão progressivamente ficando mais fortes.
Um outro elemento importante é que a quantidade de chips que você terá à disposição é limitada, com o jogo te permitindo montar um “Folder” com até 30 chips. Ao começo de cada turno, você terá cinco chips à disposição para escolher, podendo selecionar um só ou combinar múltiplos chips do mesmo tipo ou da mesma letra identificadora.
Há, ainda, a possibilidade de simplesmente não escolher nenhum, deixando os chips acumularem para um próximo turno até o total de 15 chips, o que te permite montar combos maiores de até 05 ataques especiais, os quais são ativados na ordem em que forem selecionados. Além dos chips normais, os jogadores também têm acesso a alguns especiais que te permitem “invocar” outros NetNavis em combate, causando ainda mais dano e diferentes efeitos especiais de ativação.
É um sistema de combate extremamente estratégico e bem pensado, permitindo que cada jogador tenha um leque de opções distintas e único para si. É claro, existem itens claramente mais fortes do que os outros, mas ainda assim é possível criar uma variação bem interessante, ainda mais com a adição em jogos subsequentes do sistema de Styles/Gigachips/Souls/Crosses. E, claro, agora é possível testar a qualidade do seu deck e suas habilidades em batalhas online contra outros jogadores.
Falando em especificidades da coletânea, uma das melhores adições dela é o Buster MAX Mode, que te permite causar ainda mais dano em combate, com cada ataque indo de 1 para 100 de dano. É algo que facilita bastante o jogo (que, em certos pontos, pode se mostrar extremamente desafiador) e serve de suporte a quem estiver com dificuldade em determinadas batalhas, já que pode ser ativado e desativado a qualquer momento.
Além disso, a adição de todos os chips que anteriormente haviam sido disponibilizado através do e-Reader do Game Boy Advance, o que os tornava extremamente raros dada a baixa tiragem das cartas e a dificuldade de encontrar o acessório, além dos chips que foram exclusivos de eventos no Japão é algo muito bem-vindo, aumentando ainda mais as opções disponíveis para os jogadores. Cabe dizer aqui que os jogos, de modo a facilitar a compatibilidade com esses pontos, são baseados em suas versões japonesas, mas totalmente localizados em inglês. É notório que há um ou outro erro de espaçamento, mas nada que atrapalhe a experiência.
Dito isso, não espere um jogo espetacularmente bonito de Mega Man Battle Network Legacy Collection. Embora sejam jogos notoriamente bonitos para o GBA (e já o eram desde o primeiro jogo), eles possuem uma resolução limitada e por isso, mesmo o belo tratamento dado aos jogos, são melhor aproveitados com a tela limitada e emoldurada. Cabe dizer ainda que, embora alguns dos jogos tenham recebido versões para o Nintendo DS, os jogos da coletânea são baseados nas suas respectivas versões de GBA, então considere todas as vantagens e desvantagens que isso traz.
O maior problema da coletânea, pra mim, é que os jogos tem uma leve queda de qualidade após o terceiro título. Eles ainda são divertidos e desafiadores em termos de combate, mas há uma notória falta de inovação entre eles, com os últimos jogos passando uma sensação de “mais do mesmo”. Ainda assim, são bons jogos, só talvez melhor aproveitados em doses limitadas e não todos em sequência direta. Dito isso, faz falta uma opção para aumentar a velocidade do jogo, já que a locomoção pelo mapa muitas vezes é lenta, ainda mais graças a alta frequência de encontros aleatórios.
Por fim, cabe dizer que a coletânea traz todo o pacote já esperado de jogos similares da Capcom, com uma galeria para poder visualizar diversas artes dos jogos e um player que te dá acesso às excelentes músicas das trilhas sonoras de todos eles. E, em se tratando de Mega Man, as músicas e artes mais do que fazem jus a esse tratamento todo especial dispensado para elas.
Mesmo com algumas ressalvas, é inegável que os jogos da série Battle Network são boas experiências, muito graças a sua divertida narrativa e sistema de combate único e inovador, até hoje pouquíssimas vezes visto e imitado, muito graças ao quão excelente ele é. Assim, se você é fã de Mega Man, mas nunca jogou essa série, é fã de longa data dela ou um curioso que quer conhecer mais sobre o personagem mas não se deu bem com os outros jogos dele, Mega Man Battle Network Legacy Collection é um título com muito a oferecer e com ótimos jogos a se aproveitar.
Jogo (versão de PS4) analisado no PS5 com código fornecido pela Capcom.
Veredito
Mega Man Battle Network Legacy Collection é uma ótima coletânea de uma série de bons jogos que apresentam aos jogadores um sistema de combate único, divertido e desafiador, além de uma história bem diferente do que a série costuma oferecer. Seja você fã de longa data ou um novato curioso, esse pacote tem muito a lhe oferecer.
Mega Man Battle Network Legacy Collection is a great collection of a series of good games that present players with a unique, fun and challenging combat system, as well as a story that is very different from what the series usually offers. Whether you are a longtime fan or a curious newcomer, this package has a lot to offer.
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