Algumas desenvolvedoras precisam ter seu sucesso reconhecido de forma mais notável na indústria. A Firaxis Games é com certeza uma dessas, que emplaca títulos de qualidade mesmo que em gêneros nichados com frequência assombrosa. Digo não apenas como um fã maluco por Xcom: Enemy Unknown, mas também pelo fato de que o estúdio alcança um nível de produção alto mesmo quando se arrisca em ideias que parecem malucas demais pra funcionar.
Minha primeira impressão com Marvel’s Midnight Suns não foi das melhores. Misturar heróis consolidados em qualquer mídia atual com o sistema de estratégia por turno tradicional do estúdio e uma pitada de card game soou estranho pra mim. Além disso, os primeiros vídeos me mostravam um combate lento em excesso até para jogos de estratégia, assim como não conseguia ver uma forma de evoluir esses heróis numa história interessante. Dito isso, o que posso antecipar é que a Firaxis conseguiu, novamente, entregar algo muito bem feito e divertido em vários aspectos, sendo inclusive um dos melhores jogos do ano para mim.
Se você já teve alguma experiência com os jogos do estúdio, principalmente Civilization e Xcom, já sabe que cada um entrega uma forma peculiar de querer manter o jogador interessado e sempre na ativa com cada título. Aquela sensação de “só mais uma partida” ou “só mais 30 minutos” é algo que eu senti jogando qualquer jogo da Firaxis. Marvel ‘s Midnight Suns não é diferente, mesmo que talvez seja o jogo mais longe do padrão do estúdio.
A história começa com a Hidra ressuscitando Lilith no intuito de permitir que a mãe de demônios possa dominar o mundo. Com o perigo iminente, Doutor Estranho e Homem de Ferro começam uma busca por heróis que possam ajudar contra o perigo. Após alguns eventos iniciais, Lilith acaba ocupando o Sanctum Sanctorum e criando seu próprio exército de aliados e heróis convertidos, como a Feiticeira Escarlate. Encurralados, os 2 vingadores acabam sendo resgatados pelos Midnights Suns e descobrem que precisam invocar o herdeiro de Lilith e responsável por aprisioná-la anteriormente, Hunter, para tentar ganhar essa batalha. A partir daí, o jogador assume Hunter e começa a criar uma equipe e batalhar contra a Hidra e diversos inimigos místicos em vários pontos para encontrar um meio de parar Lilith.
A campanha não vai seguir a forma mais tradicional que a Marvel tem usado ao se jogar nas principais mídias do entretenimento hoje em dia. Muito pelo contrário, indo numa proposta bem diferente do que era esperado, a trama aqui foca no misticismo, magia, ocultismo e em personagens ligados clássico ligados a isso, o que acaba trazendo destaque para heróis não tão conhecidos assim por muitos, como Magia e Nico Minoru.
Apesar disso, heróis famosos e consagrados vão ser interligados à trama seguindo suas formas mais tradicionais. Por exemplo, Wolverine cai na história através de sua rinha histórica com Dentes-de-Sabre e logo também se envolve com todo o misticismo que engloba o duelo entre o time de Hunter contra o time de Lilith. O mesmo acontece para Homem-Aranha e outros que podem ser uma surpresa na história.
Confesso que esperava bem menos da história e que talvez a mesma servisse apenas como um tipo de guia para batalhas aqui e ali. O desenvolvimento de personagens é interessante principalmente com vários indo contra seus conceitos básicos, como Tony Stark precisando se interessar mais em magia já que a salvação do mundo depende disso. No fim, espere muitos eventos bombásticos, reviravoltas, revelações e embates interessantes numa campanha que vai mostrar mais do que é esperado.
Marvel’s Midnight Suns é totalmente solo e sem qualquer tipo de atrativo fora a campanha principal. Entretanto, essa é longa e recheada o suficiente de conteúdo para nada fazer falta aqui. Espere pelo menos 40 horas para conclusão da linha principal e até 60 ou 70 horas para um 100%, o que pode até indicar uma segunda jogada e mais horas ainda. Além disso, há várias decisões que podem afetar sua campanha de toda forma. Numa época onde jogos imensos parecem ser cada vez mais padrão e com longo tempo de aprendizado, isso talvez seja o único ponto onde o título mostrou algo negativo para mim.
Não estou falando da duração da campanha em si, mas sim do fluxo e direcionamento do jogo nas primeiras horas, que demanda tempos demais com tutoriais e apresentação de várias funções, o que acaba sendo cansativo a princípio. Para entender melhor isso é preciso saber como o título funciona.
O loop de gameplay é praticamente dividido em 2 partes, sendo a primeira o combate tático e cartas de ação que define cada batalha. Aqui vemos a fórmula evoluída do que a Firaxis já apresentou antes, mas com a adição do sistema de card game. Batalhas em turnos com sua equipe de até 3 heróis enfrentando hordas de inimigos, alternando movimentos e ataques em turnos, com várias ações e reações.
Monte um deck de até 8 cartas para cada herói e use conforme forem sendo retiradas durante a batalha. Uso de cada tipo de carta é o que vai ditar sua estratégia de vitória, observando também quais cartas geram pontos de heroísmo e quais gastam esses pontos para criar ataques mais fortes. Por exemplo, há cartas que não gastam sua roda se eliminarem o inimigo no uso, garantindo assim uma espécie de rodada extra. Além disso, cada mapa tem pontos que podem ser usados em benefícios do ataque, como caixotes que podem ser arremessados sem consumir um movimento mas usando pontos de heroísmo.
Outro ponto importante é que cada herói possui cartas específicas e únicas, assim como benefícios e foco em diferentes funções. Doutor Estranho não é o mais indicado para ser usado como um herói de ataque direto, já que suas cartas focam mais em garantir outras cartas e vantagens em batalha, como uma rodada extra ou aumento de dano para todos. Já a Capitã Marvel é brutalidade total, com foco em dizimar inimigos a cada golpe. Mesmo parecendo mais interessante o ato da pancadaria sem freio, usar Carol Danvers contra inimigos que conseguem segurar ataques e podem contrabalançar seu estilo de jogo não é a melhor ideia. Sendo assim, é imprescindível uma equipe de funções e vantagens que possa resolver diversos cenários, sem se colocar propositalmente em situações complicadas.
Um outro exemplo interessante fica por conta de Homem-Aranha e Nico. Enquanto o primeiro tem diversas opções para poder atacar e recuar, assim como também utilizar o cenário ao seu redor de forma mais abrangente, Nico usa suas cartas de forma aleatória e sem muito saber o que esperar. Seus ataques são fortes, mas imprevisíveis, enquanto o cabeça de teia usa tudo ao seu redor para controlar as batalhas sem ir diretamente ao ataque.
Criar cartas, melhorar, montar um deck equilibrado e saber quais usar deixa o combate do jogo quase que único para cada batalha. Haverá situações únicas definidas pela história e com objetivos diretos, mas é possível até vencer uma rodada sem sequer usar uma carta de ataque direto. As possibilidades são enormes e volta aquela sensação de sempre querer apenas mais uma batalha antes de parar já que algo único pode acontecer logo em seguida.
A segunda parte do loop de gameplay, e talvez a que mais vai soar estranha para a maioria, é o relacionamento de Hunter com os heróis, onde quase chamei o jogo de Xcom + The Sims. Se você lembra de como era controlar sua base de defesa alienígena, cuidar dos seus soldados, equipamentos, pesquisas e mais em Xcom, saiba que o contexto é o mesmo aqui mas com outra roupagem. A Abadia é o local de reunião dos Midnights Suns e a base central de Hunter. De lá é possível criar pesquisas científicas (Tony Stark) e místicas (Doutor Estranho) para melhorar o local e ter novas opções em batalha. Por exemplo, melhore o pátio de treino da Abadia e consiga aproveitar melhor o cenário para aplicar mais dano em inimigos.
A abadia também é a casa de todos os heróis envolvidos na luta contra Lilith, que terão suas motivações próprias e história únicas que vão aparecer durante a história. Hunter vai se relacionar com cada herói e isso terá um resultado de impacto na campanha, sendo tão importante quanto cartas de ação e estratégias durante as batalhas. Fortalecer a amizade com cada herói também fortalece a equipe como um todo, disponibilizando novas cartas e ações únicas. Isso vai acontecendo através de conversas, confraternizações, ajudas mútuas e até com troca de presentes.
Sim, eu disse que era meio estranho e muito The Sims para um jogo de estratégia e combate com heróis da Marvel. Entretanto, quando o jogador se habitua e entende o processo do que acontece com cada dia nesse mundo a tarefa vai ficando mais comum e fazendo mais sentido. Aqui fica o ponto negativo que disse anteriormente, exatamente a demora para essa tarefa virar corriqueira. Das 22 horas que gastei apenas no ato 1 do jogo (total de 3 atos), a metade foi tentando entender como funcionava a abadia e os mistérios ali, conversas com outros membros, sistema de itens, mesa de missões e mais. Uma curva de aprendizado de 10 a 15 horas pode ser excessiva e desanimadora para alguns, mas quase necessária para a proposta de Marvel’s Midinight Suns. O que posso dizer para cada um interessado é continuar tentando aprender nessa parte que pode soar até monótona, já que quando o jogo engatar vai ficar impossível parar.
Há outros pontos que talvez possam desagradar alguns jogadores, como o visual ainda atrasado ou pequenos problemas de performance. O curioso é que isso fica apenas mais perceptível nessa parte da Abadia, com foco nos modelos dos heróis e vários objetos em cena. Quase reforçando que tudo nessa parte é realmente um pequeno teste de paciência. Entretanto, é quase impossível notar isso nas batalhas ou cutscenes e, sendo sincero, não é nem o foco ter uma representação gráfica em alto nível. A qualidade visual é bem decente e em momento algum atrapalha a experiência do jogo.
Marvel’s Midnight Suns é uma grata surpresa e possivelmente vai reverter qualquer impressão anterior. Entrega uma campanha completa e densa, com dezenas de horas para aproveitar, uma variedade imensa de jogabilidade quanto ao combate e uma nova experiência fora dele que demanda algum tempo para se acostumar. É um produto que ainda pode melhorar e talvez até receber mais conteúdo no futuro além de roupas de personagens por microtransação, assim como também abre brecha para um novo universo da Marvel fora do tradicional já apresentado ao longo dos anos. Se você já conhece o trabalho da Firaxis ao longo do tempo, saiba que tem aqui mais um jogo de altíssima qualidade de um estúdio extremamente competente.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela 2K.
Veredito
Fora a curva de aprendizado excessivamente longa, Marvel’s Midnight Suns é uma surpresa incrível ao usar alguns dos heróis mais famosos do mundo de forma diferente do usual. Com certeza é um dos melhores jogos de 2022 e mais um exemplo da qualidade impecável da Firaxis.
Apart from the excessively long learning curve, Marvel’s Midnight Suns is an amazing surprise with some of the world’s most famous heroes in a different way than usual. It is certainly one of the best games of 2022 and yet another example of Firaxis’ impeccable quality.
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