Frequentemente quando estamos falando de jogos independentes, é comum pontuar o quanto o jogo foi inspirado por algum outro importante lançamento da história dos videogames. É uma forma fácil e prática de tentar demonstrar exatamente o que o jogo tenta ser e o que serviu de base para a construção daquele mundo/experiência.
Dito isso, alguns jogos vão um pouco longe em suas inspirações, ao ponto de fazerem por merecer o termo “clone”. E nesse grupo que Airoheart se encaixa. Não que exista qualquer tipo de problema em copiar, ainda que um tanto descaradamente, The Legend of Zelda: A Link to the Past, um jogo que muitos consideram como um dos melhores de todos os tempos, mas ele definitivamente passa dos limites.
Airoheart conta a história do protagonista de mesmo nome, um jovem garoto que, durante uma bela manhã enquanto visita a cidade mais próxima para comprar peixe, acaba se envolvendo em um grupo chamado buscando proteger seu povo, os Elmer, da crescente ameaça de uma invasão por parte dos Bretões, raça do do reino vizinho.
Convenientemente, Airoheart é um meio-bretão, o que acaba causando desconfiança entre aqueles ao seu redor, especialmente quando eles descobrem que o líder dos humanos é o irmão dele, Xanatos. O jovem garoto se junta então a um grupo que parte na missão de impedir que Xanatos consiga reunir todas as pedras da alma, um poderoso artefato que foi dividido em pedaços e que seria capaz de invocar a alma de um poderoso Druida, e impedir de vez a guerra entre Elmers e Bretões.
A narrativa um pouco mais complexa é o principal ponto onde ele tenta se diferenciar das suas inspirações e, talvez, seja onde o jogo tropeça mais feio. Ele até tenta manter o mesmo clichê do protagonista mudo e tudo mais, mas fora dar uma motivação para a jornada do protagonista, a história acaba se desenvolvendo muito pouco além do básico e mais raso.
Todas as vezes em que ela tenta se expandir um pouco ou criar algum tipo de intriga, ela acaba falhando em construir algo em cima do que está sendo estabelecido ou o faz de forma um tanto quanto atrapalhada, fazendo com que o jogador não tenha muitas razões para se engajar com ela.
Com isso, a história serve mesmo só como justificativa para que o jogador vá explorar as várias masmorras disponíveis. E, se você tem experiência com o já mencionado ALttP, essas masmorras vão lhe parecer bastante familiares. Se não, também não há problema, pois Airoheart consegue capturar de forma até decente o espírito por trás dos primeiros jogos da franquia que o inspirou.
Como em quase todo Zelda, a exploração é guiada muito pela ideia de tentativa e erro, de avançar e voltar a certos lugares após adquirir novos itens que lhe permitirão explorá-los de uma forma distinta. Apesar de não fazê-lo da mesma forma que um Metroid, por exemplo, já que há sempre uma ordem “correta” para se resolver as masmorras, evitando assim muito do backtracking, a diversão e desafio giram em torno da experimentação e da resolução dos quebra-cabeças presentes em cada área.
É notório que o jogo consegue balancear bem também o desafio de cada uma das suas masmorras, raramente chegando ao ponto do que se consideraria como frustrante. Você precisará pensar e analisar cada situação para descobrir como resolvê-la (e em certos pontos existe mais de uma resposta), mas há sempre algo que pode ser feito para continuar progredindo, especialmente nas partes mais avançadas do jogo quando você tem acesso a mais habilidades.
É claro, tudo isso é ótimo no papel, mas o jogo falha bastante em elementos básicos que acabam tornando o gameplay incrivelmente frustrante. A movimentação é muito pouco precisa, sendo quase impossível analisar o quanto o boneco irá avançar com um simples toque no analógico, te forçando em momentos que exigem maior precisão a apelar para os direcionais.
Ajudaria bastante maior consistência também no espaço ocupado, já que é bem comum que o modelo do protagonista acabe ocupando uma área maior do que deveria e o jogo tem sérias dificuldades com a detecção de hitbox em certos pontos. Aliás, o combate do jogo talvez seja o seu pior elemento, copiando quase que totalmente a forma como ele funciona em ALttP, mas sem se lembrar que está sendo lançado em 2022 e não em 1991.
É quase incompreensível que um jogo lançado para o PS5 te limite a atacar apenas em uma de quatro direções (não há movimentação diagonal) e, além disso, tenha uma detecção de ataque tão porcamente implementada, onde qualquer pequeno erro é capaz de te levar a morte por não estar no pixel certo. Inimigos constantemente aparentam estar na rota de ataque, não são atingidos e conseguem te acertar, facilmente te levando a morte ou situações de vulnerabilidade por nada além da péssima mecânica de combate do jogo.
E é nesses elementos em que começa a ficar claro a diferença entre um jogo independente tentando emular o que foi feito por um clássico atemporal e o que, efetivamente, tornou o jogo que o inspira tão especial. E não é só no combate e movimentação que ele falha, já que, em seus aspectos técnicos, Airoheart também beira o desastre, mostrando que muitos dos problemas do jogo são reflexos da falta de experiência e know-how da pequena desenvolvedora.
Apesar da pixelart relativamente carismática, o jogo consegue ser estranhamente feio no PS5, a começar pelo menu principal quase ilegível dada a péssima mistura entre o estilo 16-bits do jogo, um zoom desnecessário na imagem e a horrenda fonte escolhida. A manutenção desse foco durante o gameplay faz com que detalhes estranhos que não seriam percebidos recebem muito mais atenção por estar tudo tão colado na tela.
Isso, novamente, reflete o fato do jogo talvez não entender o que tornava o jogo que o inspirou tão bonito até hoje, já que a câmera mais distante não só ajuda na exploração, mas ajuda a mascarar também eventuais imperfeições visuais. E quando você copia quase integralmente vários assets de um jogo, fazê-lo de forma mal-feita só chama mais atenção para os erros cometidos.
Isso não quer dizer que não seja possível se divertir com Airoheart ou que a experiência seja terrível ou algo assim. Mas a mistura entre a forma como o jogo copia tantos elementos de um outro jogo em específico e o faz de forma tão desapontante e ainda o faz com um preço exorbitantemente alto faz com que seja quase impossível recomendá-lo em sã consciência.
Se você é fã de A Link to the Past e sente falta de um jogo do gênero no PS4/PS5, talvez Airoheart seja para você, desde que adquirido em uma promoção bem interessante. No mais, é um jogo que não faz nada de novo ou sequer faz tão bem assim as coisas que ele se propõe a fazer, se tornando só mais uma cópia esquecível de um jogo inesquecível.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela SOEDESCO.
Veredito
Airoheart demonstra claramente sua inspiração, mas falha em alcançar os mesmos níveis. Apesar de boas tentativas e da interessante narrativa, limitações técnicas e problemas em suas mecânicas o impedem de alcançar um maior sucesso.
Airoheart shows clearly its inspiration, but fails to reach the same level. Despite some good efforts and an interesting narrative, technical limitations and issues in its mechanics prevent it from achieving greater success.
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