É difícil definir com precisão o que é Inscryption, sem adentrar nas principais surpresas que o jogo reserva. Todavia, o que perdura ao longo de toda sua campanha, é um gameplay de cartas com um formato roguelike. O terceiro jogo do desenvolvedor Daniel Mullins, publicado pela Devolver, é uma obra prima dos card games que alia um brilhante design de confronto com uma narrativa imersiva e intrigante, que nos surpreende a todo momento.
Trata-se de um jogo extraordinário, fantástico em todos os sentidos, em que o melhor jeito de aproveitá-lo plenamente é por meio de um blackout de informações. Dito isso, evitarei ao máximo spoilers nesta análise para preservar a experiência de cada um.
A primeira e mais evidente percepção que temos do jogo é do quão intensa é sua natureza macabra e sombria. O jogo se passa dentro de uma cabana escura, onde habita uma criatura misteriosa. Tal criatura conduz todo o jogo em Inscryption, como se fosse um mestre em uma partida de RPG de mesa.
Enquanto o jogador estiver na mesa, participando da jornada principal, há um mapa com diversas rotas, das quais trazem benefícios e desafios distintos. Dentro do mapa, o usuário do game pode pausar a “aventura” e sair da mesa, para então vasculhar a cabana em que se encontra. Nela, há diversos puzzles típicos de ambientes de “escape room”. A maioria destes puzzles trazem benefícios imediatos para a campanha, mas outros representam melhorias permanentes, o que aproxima Inscryption de um roguelite.
De volta à mesa, é preciso percorrer os mapas e desafios impostos pelo mestre do jogo. No final de cada área, há um chefe que testa a robustez do seu baralho e as estratégias do jogador. Por se tratar de um roguelike, o fator RNG/sorte pode ditar o fluxo do jogo, em especial nos chefes. É um pouco frustrante falhar justamente no chefe final, porque as suas melhores cartas não apareceram no seu deck inicial. É uma característica peculiar do gênero, mas que pode desagradar àqueles que não gostam deste tipo de aleatoriedade.
As batalhas são a parte central do jogo e o sistema de ativação de cartas por meio de sacrifícios é um dos seus diferenciais. Na mesa de batalha, existem 3 linhas e 4 colunas, sendo que a terceira coluna é reservada para o jogador lançar suas cartas. Para inserir uma carta na batalha, é preciso observar o custo exigido dela – geralmente medido por gotas de sangue. Cada gota exige o sacrifício de uma criatura. Um exemplo simples; para lançar um sapo, é preciso de apenas uma gota. Portanto, basta sacrificar um inocente esquilo. Mas para se ter acesso ao forte e resistente urso, é necessário sacrificar 3 animais.
O confronto se divide em turnos, começando primeiro pelo jogador. Por possuir duas linhas de cartas, o adversário dá uma colher de chá e mostra quais cartas atacarão seus animais no próximo turno. Há também um totem (uma espécie de modificador) que pode ser usado tanto pelo jogador, como pelo adversário, que atribui certas condições à determinadas cartas na mesa.
Todo esse sistema é incrivelmente bem balanceado e há um grande número de cartas distintas no jogo. É bastante satisfatório testar combinações novas, especialmente com as características dos sigils (uma habilidade que fica confinada a uma carta). No decorrer do jogo, a complexidade dos confrontos só aumenta, com a introdução de novos sistemas e cartas, mas jamais deixando o jogador no escuro. Inscryption é um jogo muito didático, fácil de se jogar e muito prazeroso.
Para incrementar o poder do seu baralho, ao longo da transição pelo mapa existem diversas localidades que oferecem vantagens para o jogador. Seja com a obtenção de itens de ajuda, pela adição de novas cartas ou aumentando o poderio das já existentes, é com o devido preparo que o jogador conseguirá vencer os chefes ao final de cada etapa.
Algo que é preciso salientar, é como Inscryption foi bem adaptado para o novo console da Sony. Praticamente todos os recursos da plataforma, ainda que de forma sutil, foram utilizados.
O R2, por exemplo, é um botão dedicado a confirmar as ações e passar o turno, algo que deve ser pressionado com cuidado. Pensando no peso dessa ação, os desenvolvedores inseriram uma pequena pressão no gatilho, de forma que é preciso apertar o R2 com mais força para passar o turno. Algo pequeno, mas útil e bem elaborado.
Os haptics são utilizados para incrementar a experiência quando há qualquer forma de movimentação, como na simples alternância entre cartas do seu baralho. Há também a emissão de sons pelo alto-falante do dualsense, assim como uma grande variedade de cores no led do controle, para indicar situações distintas no jogo.
Ainda que não precisasse, a versão de Inscryption para o Playstation 5 suporta até 120 frames por segundo. Percebe-se que a equipe que fez o port não poupou esforços e realizou um trabalho com maestria. A legenda para o português do Brasil é boa, mas cabe ressaltar que alguns trechos não foram traduzidos. Provavelmente um pequeno deslize na localização.
A experiência proporcionada por Inscryption é algo raro de se ver. Em meus mais de 30 anos de entusiasta de videogames, chega a um determinado ponto da vida que não é qualquer jogo que me surpreende ou empolga. Mas basta que jogos como Inscryption continuem a sair, para que o interesse pelo hobby seja preservado. Ressalto que a melhor forma de se experimentar o game é com o mínimo de informações possíveis, de forma que não se estrague as surpresas e revelações.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Devolver Digital.
Veredito
Inscryption é um card game que vai muito além do inicialmente proposto, entregando reviravoltas na narrativa e no gameplay em diversas ocasiões. É um jogo que subverte todas as expectativas do jogador, se renovando a cada etapa de sua campanha. Trata-se de um roguelike original, fácil de jogar, com mecânicas complexas e de gameplay divertido, desde que tolerada a aleatoriedade e os recomeços típicos do gênero. Inscryption é brilhante e você precisa experimentá-lo!
Inscryption is a card game that goes far beyond its initial premises, delivering narrative and gameplay twists on several occasions. It’s a game that subverts all the player’s expectations, renewing itself at each stage of its campaign. An easy-to-play roguelike, with complex mechanics and fun gameplay, as long as the randomness and restarts typical of the genre are tolerated. Inscryption is brilliant and you need to try it!
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