A franquia Disgaea é uma que há muito tempo ocupa um lugar especial no meu coração. Tendo tido contato com ela desde os longínquos e humildes tempos de estreia da série lá no PlayStation 2, quando era muito mais raro achar bons RPGs de Estratégia, ela foi ao longo dos tempos se firmando por títulos diferenciados, sabendo dosar bem o seu bom humor com uma narrativa interessante e um gameplay viciante e desafiador.
Em razão disso, cada novo lançamento na franquia é acompanhado de muita empolgação e ansiedade sobre o que a Nippon Ichi Software vai aprontar para manter a sensação de frescor e novidade. Afinal, já se vão cinco títulos principais e em algum ponto a narrativa de “jovem tentando encontrar uma maneira de derrotar o Overlord malvado” poderia se tornar cansativa ou as piadas repetitivas.
Bem, Disgaea 6 Complete, a versão completa de Disgaea 6: Defiance of Destiny, talvez seja o exato ponto em que isso tenha ocorrido. Chegando finalmente ao PlayStation 4 e PlayStation 5 um ano após o jogo-base ter sido lançado apenas para Nintendo Switch no Ocidente (com a versão de PS4 se mantendo exclusiva do Japão), é estranho perceber que, apesar do nome, a única coisa completa que temos aqui é o pacote com todos os DLCs.
Tal qual seu antecessor, ele se passa em várias versões do Netherworld, com o protagonista, um zumbi adolescente chamado Zed, e o seu cão zumbi chamado Cerberus, partindo em uma jornada para derrotar o “Deus da Destruição”. É claro, Zed não tem nenhum nobre objetivo por trás da sua jornada além de acreditar que é a única forma de recuperar a sua irmã mais nova que desapareceu, Bieko.
Acontece que Zed é muito fraco e a única forma de conseguir acumular poder o suficiente para vencer o Deus da Destruição é através de um misterioso poder chamado Super Reincarnation. Ou seja, toda vez que Zed luta contra o Deus e perde, ele é reencarnado, mas mantendo suas memórias e poder da jornada anterior. Com isso, o jogo consegue colocar o jogador já é um ponto mais avançado da jornada do herói, com ele cada vez mais perto de seu objetivo.
Isso faz com que Zed fuja do estereótipo atrelado a zumbis de fragilidade, mas sem perder a piada de tê-lo constantemente morrendo e reencarnando para partir em busca de seu objetivo. Acontece que, com cada nova derrota, Zed é transportado para um novo Netherworld completamente distinto do anterior, onde ele conhece novos heróis e vai forjando alianças que o ajudarão em sua missão.
Cada um desses personagens tem sua própria personalidade, função e carisma. Zed conhece então o riquíssimo rei humano Misador, a cantora Melodia, a superheroína Piyori e a bruxa Majolene, cada qual com seus próprios interesses em ajudar Zed, mas com o objetivo central de evitar que o Deus da Destruição acabe com o seu mundo.
Honestamente, embora cada personagem em si seja divertido, eles acabam deixando a desejar um pouco. Talvez seja pela tradição da franquia de ter personagens secundários muitas vezes mais carismáticos do que o protagonista, mas algo não “clica” no relacionamento entre eles. Um dos pontos mais sintomáticos é que até mesmo os diálogos iniciais entre Zed e Misador, que acabam tirando o interesse do jogador já no segundo capítulo. As coisas vão melhorando com o tempo, mas é necessário dedicar um tempo que muitos jogadores não tenham até que as coisas engatem.
E esse, pra mim, é o maior problema visto aqui. Embora o jogo tenha bons conceitos e boas ideias como, por exemplo, o fato da narrativa ser enquadrada como se Zed tivesse “recontando” episódios de uma série de TV para Ivar, o Overlord do mundo dele, e um plot twist um tanto previsível mas muito bem executado na sua metade, a sensação é que as coisas simplesmente não “encaixam” como deveriam e isso faz com que ele não alcance o mesmo patamar de qualidade que a franquia estabeleceu como base.
Isso parece muito fruto de uma das decisões mais polêmicas e problemáticas de Disgaea 6 que é tentar apelar para novos jogadores e “simplificar” muito a forma como tudo funciona. Estruturalmente, não há muita diferença das mecânicas do jogo do que aquilo que já havia sido visto em Disgaea 5: Alliance of Vengeance, salvo por algumas melhorias de qualidade de vida, como novas lojas e simplificação de mecânicas como a Dark Assembly, então se você é um veterano da série, já sabe exatamente o que irá encontrar aqui.
Os combates seguem sendo através da movimentação dos personagens por um grid, com o jogador tendo um turno para fazer tudo que desejar com seus personagens e depois um turno para seus inimigos. Mecânicas como a possibilidade de montar torres e arremessar seus aliados para alcançar áreas mais distantes, os geopanels, combos e tudo mais naturalmente estão de volta.
As possibilidades táticas e de movimentação seguem sendo um dos grandes atrativos da série e D6 não deixa nada a desejar nesse ponto. Com a manutenção do intenso foco em grind e em números altos, você se acostuma rápido com as mecânicas e logo encontrará várias formas de conseguir explorá-la para virar o combate ao seu favor.
No entanto, o desejo de tornar o combate mais acessível acabou saindo pela culatra e entregando um dos meus maiores problemas com o jogo. Esse talvez seja o Disgaea com a pior Inteligência Artificial e, consequentemente, o combate mais fácil que eu já joguei. Chega a ser chocante o quanto inimigos fortes e até mesmo chefes se colocam em situações de vulnerabilidade, simplesmente para te dar a chance de fazer combos maiores e consequentemente alcançar números maiores.
Com isso, fica a sensação de que a franquia perdeu a noção do que realmente a fez conquistar fãs ao longo de quase 20 anos. Isso é perceptível pelo jogo já começar com cada ataque causando dezenas de milhares de pontos de dano, fazendo com que o level cap de 99.999.999 e os danos na casa dos trilhões pareça mais algo bobo do que um número que vai progredindo com seu esforço e lhe recompensando por abraçar o absurdo que a franquia é.
Isso tirou muito do interesse na progressão dos personagens e do jogo em si. Quando você ganha vários níveis num ritmo muito mais acelerado do que antes, tudo parece perder um pouco do seu impacto e só serem números aleatórios subindo numa tela, sem a sensação de recompensa que deveria vir atrelado a eles.
Por consequência, isso afeta outros aspectos do jogo. Muitas das boas inovações e novidades que foram sendo introduzidas nos jogos mais recentes como Squads e Evilities são bem legais e necessárias, mas você se vê tão forte tão rápido que elas não parecem necessárias para progredir na campanha principal. E isso acaba afetando até mesmo a grande novidade do jogo que é a Super Reincarnation.
Baseada na magia que Zed usa para se manter vivo apesar das várias derrotas para o God of Destruction, ela é basicamente uma forma de você pode resetar o nível do seu personagem para 1, mas começando com os seus status básicos mais fortes e todas as evilities e habilidades que você já possuía e, consequentemente, conseguindo chegar mais forte ao nível em que você se encontrava anteriormente. Com ela você também ganha Karma, algo que pode ser usado para melhorar stats e habilidades que não costumam subir com seu nível, te tornando um combatente melhor.
Novamente, é algo que você não deverá precisar para explorar a campanha principal, mas caso queira, de fato, mergulhar no jogo e explorar tudo o que ele tem a oferecer como o Item World. Essa segue sendo a parte mais desafiadora do jogo e onde você passará algumas boas dezenas de horas caso queira ver tudo que o jogo tem a oferecer.
Ao se pesar tudo isso, uma coisa chama bastante a atenção é o cuidado demonstrado em simplificar e trazer melhorias de qualidade de vida para os jogadores, em especial em vista dos relançamentos recentes. Os menus são mais claros, tudo é mais fácil de se explorar, a adição de coisas como Research Squads (grupos de aliados enviados para explorar o Item World e coletar itens), Juice Bar (no qual é possível aumentar o nível dos seus personagens usando bebidas especiais como uma forma de compartilhar EXP) e até mesmo o Auto-Battle e os High-Speed Modes são bem-vindas, mas acabam afetando um pouco do que era a essência da série.
Disgaea sempre foi uma franquia que por trás do seu tom leve e brincalhão trazia um gameplay bastante desafiador, poucas vezes igualado no gênero pelo quanto ele te fazia se esforçar para vencer certas batalhas e de fato dominá-las. Disgaea 6 segue em uma direção completamente diferente, tornando tudo tão fácil e simples em busca de fazer a série mais atraente para jogadores menos experientes no gênero que acaba afastando o seu público cativo.
E esse é um erro tão constante em desenvolvedores japoneses que me parece quase como a NIS retornando a algo que publishers maiores perceberam que não dava certo duas gerações atrás. E, não querendo me gabar ou coisa do tipo, mas acaba fazendo com que jogadores levemente mais experientes com a franquia ou o gênero acabem sentindo aquilo que é o maior pecado que um jogo pode cometer: tédio.
Quando Disgaea 6 foi anunciado, o mais polêmico parecia ser a adoção de modelos 3D e o consequente abandono da arte 2D que tornou a franquia popular. Por mais que não sejam dos mais bonitos, eles são decentes o suficiente e é fácil de se acostumar com eles. Mesmo vendo os personagens dos jogos anteriores, que foram DLCs pagos na versão original mas estão presentes aqui sem qualquer custo adicional, pode parecer estranho no começo, mas fácil de se adaptar ao longo do tempo.
E no geral, isso é o que mais me decepciona nele. O pacote ainda é exatamente aquilo que eu quero e espero de um jogo da franquia, com o mesmo bom humor, mesmo estilo de combate, mesmo cuidado com a beleza dos ambientes e trilha sonora. E eu me diverti bastante com o jogo, ainda que em uma menor dose do que eu esperava ao começá-lo.
Mas é aqui que a escolha de Zed, um zumbi, como protagonista, me parece a mais adequada. Tal qual ele, Disgaea 6 Complete parece um mero corpo reanimado se agarrando aos resquícios de uma existência anterior, a tempos mais belos em que ele tinha mais vida. É um título que faz jus ao nome que carrega em sua maior parte mas que claramente falta um pedaço importante: sua alma.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela NIS America.
Veredito
Olhar para Disgaea 6 Complete é algo complexo como fã de longa data da franquia. É inegável que ele traz uma série de melhorias de qualidade de vida e é mais acessível para novos jogadores, mas a simplificação de mecânicas importantes e uma história que falha em empolgar acabam tornando-o um título genérico, capaz de agradar em certos momentos, mas nada marcante.
Looking at Disgaea 6 Complete is somewhat complex as a longtime fan of the franchise. It is undeniable that it brings a series of quality of life improvements and is more accessible to new players, but the simplification of important mechanics and a story that fails to excite make it a generic title, able to please at certain times, but nothing remarkable.
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