Há muitas formas de se enfrentar o sobrenatural. Há quem se utilize de uma motosserra no lugar de uma das mãos, há quem prefira usar um arsenal militar de última geração e há ainda quem prefira enfrentar demônios e coisas do tipo no sopapo. Research and Destroy não abre mão do poder de fogo para obliterar as crias do inferno, mas aposta em uma arma principal menos óbvia: a ciência! Claro que os Caça-Fantasmas nos lembram que essa não é exatamente uma estratégia das mais originais, mas a forma como isso se traduz nesse jogo é, de fato, um ponto fora da curva.
Em Research and Destroy, assumimos o papel de três cientistas que estão dentre os pouquíssimos sobreviventes de um verdadeiro apocalipse. Sem muita explicação, criaturas do outro mundo invadiram a Terra, exterminaram a nossa civilização e tornaram o mundo um lugar mais, digamos, pacífico e silencioso. Até seria algo bom, não fosse o massacre de todos os seres vivos, incluindo claro, nós, os seres humanos. Nosso trio protagonista se levanta e, por meio dos apetrechos tecnológicos mais criativos possíveis, decidem enfrentar o problema de frente.
O jogo basicamente funciona como um shooter em terceira pessoa por turnos e cada nível tem seus objetivos específicos (e alguns secundários) a serem alcançados, quase sempre exigindo que se explore o ambiente e se avance sobre o terreno inimigo. No controle dos heróis, um de cada vez, o jogador tem oito segundos em tempo real para fazer tudo o que for necessário, como andar, correr, atirar, se posicionar ou interagir com algum objeto. Só uma ação não usa o tempo, que é o de olhar ao redor girando a câmera. Ao esgotar os segundos de cada personagem, o turno vira e é a vez dos inimigos agirem, seguindo o mesmo preceito: se movimentar, atacar, avançar sobre um alvo específico e tudo mais.
Tudo parece bastante simples, e realmente é. Na verdade, a explicação é mais complexa que o sistema do jogo em si, e ainda que o modelo por turnos possa afastar algumas pessoas que preferem jogos de ação em tempo real, aqui a mistura é muito bem equilibrada e surpreendentemente consegue manter um bom ritmo de jogo. Por mais que o tempo seja escasso, o ambiente é rico o suficiente para se mostrar mais do que um corredor, mas ao mesmo tempo objetivo ao ponto de não virar um labirinto repetitivo e enfadonho. O design dos níveis, aliás, se não é brilhante, é muito funcional ao oferecer possibilidades de abordagem em caminhos convergentes, sejam eles corredores, vielas ou telhados.
Especificamente para o combate, outro grande acerto da produção é oferecer um arsenal bastante variado que nos obriga a aprender diferentes formas de lidarmos com distância, posicionamento e especialidade. Se os três personagens (que tem seus nomes e visuais originais, mas que podem ser completamente customizados para a aventura) não são tão diferentes assim no que se refere ao que pode ou não fazer dentro do cenário – correr, se abaixar, pesquisar cadáveres, atacar aberrações e tudo mais – mas cada um acaba se tornando um especialista pelo equipamento que carrega. Tiros a distância, dano em área, artifícios de retardo do movimento inimigo, tudo pode bem articulado para oferecer o melhor do conjunto. Esse é um fator importante para se definir estratégias complexas na abordagem dos problemas.
A diversidade do arsenal, por si só, brilha e torna tudo mais interessante. Cara arma tem, basicamente, duas variações que devem ser utilizadas de acordo com a necessidade. Um rifle de tiro contínuo pode se tornar uma sniper precisa, mas lenta; um lançador de granadas também pode criar um campo de energia para proteção; e lança-chamas se tornam pistolas de gelo com o toque de um botão, mas tal como arcos de energia, são muito mais efetivos a curtas distâncias. Com a história avançando, é inevitável se desenvolver novas traquitanas e, com elas, aprender uma vez mais como e onde elas se encaixam melhor na estratégia adotada.
Limpar cada fase de forma linear, contudo, não representa bem a experiência de Research and Destroy. Afinal, estamos falando de cientistas, não de brutamontes militares ou sobreviventes especialistas. Logo de início, descobrimos que a coisa tomou proporções gigantescas, e basicamente toda a Europa e mais algumas regiões do Oriente Médio e do norte da África estão em nosso radar. No melhor estilo War, é necessário conquistar cada território e, mais do que isso, lutar para mantê-lo. E o primeiro passo, depois de acabar com os malditos dali, é construir uma universidade (porquê não?), que servirá como base de operações, local de pesquisa de novas tecnologias e centro de apoio à nobre missão de salvarmos o mundo.
Uma vez mais, a coisa é bem mais tranquila do que pode parecer. Esta gestão, realizada basicamente entre uma fase e outra, consiste em percorrer o mapa com nosso furgão e investir o dinheiro que conquistamos eliminando monstros e realizando pesquisas de campo na construção dos campi universitários, melhorando suas dependências em termos de segurança e promovendo pesquisas de armas, artefatos e de novas criaturas que encontramos. Tudo dentro de uma linha de tempo também baseada em turnos, o que significa que se demorarmos muito para fazer tudo isso, pode ser que sejamos atacados e aí precisaremos entrar em modo defesa de torre, que é basicamente a mesma dinâmica das fases regulares, só que ao contrário: ao invés de avançarmos, será necessário conter o ataque adversário e defender o nosso monumento à educação.
Um dos maiores trunfos do game é conseguir somar um conjunto de coisas simples e torná-lo algo sofisticado e cheio de camadas. Jogar Research and Destroy é bastante fácil, com comandos muito familiares e mecânicas diretas, mas conseguir compreender cada um desses aspectos e organizar a jogatina para progredir de forma sólida é o grande desafio proposto. É muito provável que as coisas saiam do controle, principalmente quando nos tornamos desleixados e inconsequentes tanto dentro de cada nível quanto na gestão do todo. Ao jogador, cabe descobrir como ser preciso no uso de recursos, sejam eles financeiros – não adianta sair conquistando terras e construindo universidades sem ter serventia ou estruturas de defesa qualificadas para elas – seja ele o mais escasso de todos, o tempo.
Isso não significa, claro, que este seja daqueles jogos sisudos de gerenciamento de construções ou campos de batalha sangrentos, muito pelo contrário. Research and Destroy é dos jogos mais bem humorados que eu já vi, trazendo poucos diálogos, mas todos eles sempre puxados para a comédia boba, aquela piadinha fanfarrona que funciona para todas as idades, e mesmo tendo que lidar com demônios, zumbis, múmias, lobisomens, bicho-papão e outros célebres monstrengos, sempre o faz com leveza. Cada apresentação de um novo tipo de inimigo vem com uma dose daquele estereótipo inocente que anda em falta ultimamente. O tom do jogo é divertido e o torna uma recomendação interessante para se jogar em família.
Aliás, o elemento multiplayer é outro que pode ser bastante surpreendente. Além de poder jogar on-line com outras pessoas – o game até brinca com o contexto de universos paralelos para se trazer alguém de outra dimensão para nos ajudar – há também a função de tela dividida. Com três personagens jogáveis, é de se imaginar que cada jogador possa controlar um ou dois deles, mas felizmente a solução e a de cada player controlar um time completo. Em outras palavras, jogando com mais uma pessoa localmente serão seis personagens compartilhando cada missão colaborativamente, o que pode gerar muitos efeitos positivos, mesmo que a dificuldade pareça se adaptar a isso, mas que também deve gerar uma série de situações engraçadas, curiosas e constrangedoras. Fogo amigo, afinal, muda tudo.
Se o clima divertido é parte da dinâmica do jogo, a animação da obra sabe bem se aproveitar de poses caricatas e situações típicas dos desenhos animados dos anos 1970 e 1980 de investigação paranormal, como Scooby-Doo, por exemplo. O próprio estilo artístico se apropria de filtros cel-shading para abusar de uma estética cartunesca colorida e ultra saturada, criando cenários vivos e ambientações típicas que fogem do padrão dos jogos que lidam com o sobrenatural. Há sim situações mais sombrias, mas a grande maioria delas ocorre em ruínas ensolaradas e praias paradisíacas. Não é porque o mundo acabou e tem um fantasma te atacando que você não pode curtir um belo e alaranjado pôr-do-sol, não é mesmo?
Menos impressionante é o modelo de movimentação e colisão do game, que não responde tão bem assim. Os personagens parecem correr flutuando e pouco interagem com o ambiente, e os momentos de conflito corpo-a-corpo carecem de um refinamento, mesmo que isso não interfira em absolutamente nada no resultado da partida. Por vezes, personagens acabam presos em quinas despropositadas depois de uma explosão, ou se enroscam em beiradas que atrapalham uma movimentação mais fluida, e como nesse jogo cada passo importa porque gasta tempo, ficar tropeçando por um ou dois segundos pode fazer toda a diferença dependendo da situação.
Longe de ser audacioso, muito menos perfeito, Research and Destroy é, antes de mais nada, uma grande sátira aos jogos de sobrevivência de terror ou de ação que se levam a sério demais. Ao se apropriar de praticamente todos os clichês possíveis de uma situação de fim-do-mundo e colocar cientistas como grandes heróis (e não como coadjuvantes ou vilões), subverte valores já enraizados em nossa cultura dos videogames, sem contudo tentar ser mais do que realmente é. Com modéstia, honestidade e transparecendo uma grande paixão por parte de seus realizadores, é sem dúvidas uma bela recomendação mesmo para quem defende que o modelo de combate dinâmico por turnos é ultrapassado ou enfadonho.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Spike Chunsoft.
Veredito
Apostando em um humor quase inocente e um sistema de combate por turnos despretensioso, Research and Destroy pode ser uma grata surpresa até para quem desdenha do formato. Com mecânicas seguras, mesmo que as vezes desengonçadas, e sem gastar muito tempo com história e contexto, é um jeito leve e divertido de se vencer o sobrenatural com a boa e velha ciência.
Betting on an almost innocent humor and an unpretentious turn-based combat system, Research and Destroy can be a pleasant surprise even for those who disdain the format. With safe and somewhat clumsy mechanics, and without spending too much time on story and context, it is a light and fun way to beat the supernatural with good old science.
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