Relayer é o exato tipo de jogo que parece feito para mim. Em diversas e diferentes oportunidades eu tenho compartilhado minha paixão tanto por RPGs de Estratégia e por diferentes tipos de mídia envolvendo mechas. E, honestamente, tem sido um belíssimo período para os fãs do gênero, dada a grande quantidade de títulos misturando ambos os gêneros que têm chegado ao mercado.
De remasters de títulos clássicos à apaixonantes crossovers, restou um certo espaço para talvez o mais importante de todos: títulos originais. É exatamente esse vão que o novo título da Kadokawa Games publicado pela Clouded Leopard Entertainment busca preencher, trazendo uma história completamente original bastante inspirada em alguns dos melhores animes do gênero enquanto demonstra suas claras intenções em evoluir mecânicas apresentadas em um certo título anterior da desenvolvedora.
Uma coisa fica clara logo nos primeiros momentos do jogo: quem quer que tenha escrito seu roteiro é um enorme fã da franquia Gundam. O título traz um plot bem desenvolvido, com vários conceitos de ficção científica que, se não nasceram em Gundam, se popularizaram através dele e com a evolução do gênero de Real Robots, evitando ideias mais caricatas de mechas e tentando se prender ao peso que sua história mirabolante poderia ter para cada pessoa envolvida.
Contando sua história usando-se da fórmula de uma visual novel, o jogo apresenta um universo no qual humanos estão em guerra com uma raça alienígena chamada de Relayers, um grupo de criaturas que adoram a energia escura do qual o universo é composto e cujo objetivo é destruir todas as formas vivas existentes de qualquer forma que seja possível para que ela possa imperar.
Para evitar esse destino, os corpos celestes que compõem a Via Láctea passam a abençoar diferentes humanos, tocando-os com a “vontade das estrelas” e os transformando em soldados mega poderosos chamados de Starchildren. Eles passam a ser capazes de canalizar seu poder e energia para controlar armaduras de combate únicas e poderosas chamadas de Stellar Gears (armaduras de combate construídas com base em um mecha ancião encontrado na Lua), com habilidades que superam pilotos comuns e que os colocam em pé de igualdade até mesmo com os Relayers Mestres.
É claro, como é de se esperar, a humanidade se mostra incapaz de trabalhar em conjunto, mesmo contra um inimigo obcecado com a ideia de nos destruir, razão pela qual surgem uma série de diferentes organizações militares diferentes, incluindo o Governo Terrestre, cada qual com seus próprios mechas, lutando entre si pela sua própria visão de como a batalha contra os relayers deve ser conduzida.
A campanha gira em torno de um grupo de Starchildren que compõem a nave Asterism de um dos três conglomerados tecnológicos responsáveis pelo desenvolvimento das Stellar Gears, a GT Labs. A protagonista é uma jovem chamada Terra, cujo corpo celeste é fácil de se imaginar qual é, que se junta à tripulação para tentar salvar sua irmã, Luna, uma Starchildren que se juntou aos Relayers por motivos desconhecidos.
Enquanto o plot começa relativamente simples, aos poucos as coisas vão tomando proporções gigantescas, com o jogo sendo cheio de reviravoltas bem interessantes, fazendo ótimo uso das ideias que ele vai apresentando, explorando-as sem exagerar demais na quantidade de diálogo, mas sabendo construir bem o papel de cada uma das várias facções envolvidas em sua história.
Apesar dela demorar um pouco para realmente engatar, muito pela necessidade de apresentar cada um dos vários personagens que compõem a história e os diferentes elementos de seu universo, após o final do segundo capítulo (de um total de nove), fica cada vez mais difícil largar o controle, com cada nova reviravolta sendo capaz de te surpreender e sempre ficando a vontade de completar mais uma missão para ver o que vai acontecer.
Algo que merece elogios é a forma como, apesar do vasto elenco, Relayer consegue te fazer se importar com praticamente todos os personagens que o jogo apresenta (e são 20 possíveis membros para sua equipe). Apesar de muito girar em torno de Terra e Luna, cada um dos membros da sua equipe tem sua própria motivação e história, todas bem desenvolvidas e muito válidas.
Pode ser um péssimo trocadilho, mas o elenco de Relayer é, de fato, estelar. Elementos como a relação entre Himiko e Terra e a evolução da dinâmica dentro do seu grupo são bem construídos, mas não significa que pequenos detalhes, como a necessidade de Uranus de lidar com seus vícios ou a instabilidade mental de Júpiter e sua relação com sua irmã Saturno não se apresentem e evoluam ao longo da experiência.
Cada personagem acaba se encaixando em algum tipo de estereótipo ou padrão que você já deve ter visto em uma anime, mas eles são bem construídos e desenvolvidos, com o jogo trabalhando excepcionalmente bem seus diferentes arcos narrativos para contar uma história bem satisfatória e que irá te recompensar pelas mais de 50 horas que você deverá investir para completá-la.
O único problema relacionado à narrativa é que a localização do jogo não parece ter recebido o carinho e atenção necessários para um lançamento com esse escopo. Diversos erros de digitação se mostraram presentes, assim como frases que não fazem sentido dentro do contexto, se mostrando mais como traduções literais do texto original em japonês do que uma verdadeira adaptação para o inglês. O que é meio estranho já que, em sua vasta maior parte, a localização é bem feita, com um texto adaptado ao público ocidental sem perder a sua identidade.
Um outro problema que acabou me incomodando é que a dublagem em inglês não tem vida. É estranho dizer isso também, visto que o elenco é composto de nomes comuns a esse tipo de jogo, contando com dubladores que compuseram o elenco de títulos como Scarlet Nexus, Trails of Cold Steel e outros RPGs da Bandai e NIS America, mas, salvo pelas intérpretes de Terra e Himiko, ela deixa a desejar, sendo fortemente recomendado o áudio original em japonês.
Por outro lado, cabe aqui dizer que em outros dois elementos Relayer brilha bastante: seu sistema de combate e o sistema de evolução de personagens. Ao longo de cada sessão de um capítulo você irá participar de uma batalha no meio dele, a qual ocorre da forma que já se esperaria de um RPG Tático, ou seja, em tabuleiro dividido em casas no qual você moverá suas unidades e entrará em batalha com as unidades inimigas.
Se você teve contato com o SPRG anterior da Kadokawa, God Wars, você vai pegar rapidamente o funcionamento de Relayer. As batalhas giram em torno tanto do seu posicionamento quanto de uma estatística em específica chamada de Aggro (que era conhecida em GW como Impurity). Quanto maior o seu aggro, mais chances do inimigo priorizar atacar aquela unidade do que outras unidades próximas que também estejam ao seu alcance.
Isso acaba determinando como cada uma dos quatro principais tipos de unidade funciona. Você tem Tanks, que se destacam pelos seus altos índices de defesa e cuja principal função é aumentar o seu nível de aggro, concentrar os ataques em si e permitir que as outras unidades ataquem.
Assault e Snipers que são as duas principais classes de DPS, com Assault focando em se mover para a frente do campo de batalha e causar dano rapidamente e Snipers em atacar de longe e causar status negativos. Por último, Scouts são unidades de suporte, cuja principal missão é atuar como healers ou se focando em utilizar habilidades de buff/debuff em seus aliados/inimigos.
É bem simples no começo, onde você só irá movimentar suas unidades em seus respectivos turnos, atacar ou usar SP para ativar uma habilidade, mas é impressionante como usando essas quatro classes básicas, Relayer consegue ir ao longo da experiência jogando inúmeras camadas de profundidade e customização. E tudo gira em torno do sistema de progressão chamado de Star Cubes.
À medida que você avança pelo jogo e sobe de nível, cada unidade irá ganhar Job Points, que são pontos que podem ser usados para comprar habilidades nos seus respectivos Star Cubes. Sem grandes delongas, esse é basicamente uma versão mais limitada do Sphere Grid de Final Fantasy X, com cada unidade possuindo um grid inicial e, após determinado ponto, podendo escolher uma classe intermediária (e posteriormente uma classe Expert).
É aí que entra a parte mais curiosa da customização, já que, enquanto dois personagens de um determinado tipo começam com o mesmo Job inicial (Assaults começam como Fighter, Snipers como Shooters, Tanks como Knights e Scouts como Wizards), você pode facilmente tornar cada unidade totalmente única, escolhendo jobs distintos para cada e fazendo com que suas habilidades e funções no campo de batalha sejam completamente distintas.
Isso é algo muito bem vindo e traz uma variedade bem legal pro combate, te permitindo adotar diferentes estratégias com cada personagem ao longo da sua evolução, o que faz com que cada unidade tenha um peso diferente nas batalhas. Meu maior problema é que, apesar das batalhas serem bem bonitas, com animações variadas e visualmente impressionantes (ainda que se tornem repetitivas após certo ponto), elas pecam em uma coisa: elas são muito fáceis.
Se você é um veterano do gênero, fica aqui minha principal recomendação: não jogue no normal. Talvez seja a ausência de um sistema de permadeath (o que é compreensível) ou o fato da IA dos inimigos ser facilmente manipulável, mas se você já possui experiência em jogos similares, as batalhas no Normal raramente vão te desafiar, salvo pelas lutas contra chefes. Junte a isso o fato de ser fácil farmar XP simplesmente usando suas habilidades ou no simulador de batalha que o jogo possui para você treinar e você facilmente se sentirá mais poderoso do que seus inimigos.
No entanto, cabe dizer que tanto nas batalhas em campos 3D quanto nas partes de visual novel com seus modelos de personagem em 2D, Relayer é um jogo muito bonito. Isso se dá ao design bem feito de todos os personagens e mechas, com identidades visuais bem distintas e que refletem bem as suas personalidades (ou a personalidade dos seus pilotos). E é surpreendente que, apesar de ser recheado de modelos de personagens bonitos, ele consegue se controlar, evitando coisas comuns do gênero, como um fanservice aqui e ali.
Um último problema, no entanto, me incomodou muito foram os problemas técnicos vistos na versão de PS5 do jogo. Em duas oportunidades distintas o jogo travou o console, sendo necessário tirá-lo da tomada e em outros o jogo congelou no momento em que eu abri o menu para salvar. É algo bem incômodo e que precisa ser resolvido para tornar a experiência melhor para o jogador.
Dito isso, Relayer é um jogo muito, muito divertido e que merece a atenção de fãs de JRPGs, fãs de SRPGs e fãs de mechas. O jogo é recheado de um charme único e uma personalidade que transborda a cada momento, entregando sistemas criativos e funcionais e uma história engajante que vai te prender até o final.
Junte a isso que, mesmo após completar o jogo, ele abre todo um pós-game com novas missões para serem completadas e há bastante diversão e conteúdo a ser tirado dessa experiência. A sensação que se tem é de ter cada minuto investido recompensado e é mais um título pelo qual eu estava ansioso e que fez por merecer o carinho que eu fui desenvolvendo pelo elenco de personagens e pelo jogo como um todo.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Clouded Leopard Entertainment.
Veredito
Relayer é um SRPG bastante sólido e divertido, com história interessante, um rico e cativante elenco de personagens e ótimos sistemas, que peca só pelos erros em sua localização e os problemas técnicos presentes em sua versão de PS5. Se você é fã do gênero, essa é mais uma joia que precisa estar no seu radar.
Relayer is a very solid and fun SRPG, with an interesting story, a rich and captivating cast of characters and great systems, which only suffers from its localization problems and the technical issues seen in the PS5 version. If you are a fan of the genre, this is yet another gem that should be on your radar.
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