Star Wars é sinônimo de cultura pop. Podemos adorar alguns filmes, podemos odiar outros, podemos cultuar animações que nem deveriam ser tão importantes assim e podemos vibrar quando uma personagem que só vimos em HQs esquecidas ser referenciado nas telas. Podemos ainda não conhecer tão bem o nome das centenas de personagens que passaram pela franquia ao longo das suas mais de quatro décadas de existência, e podemos ficar debatendo por dias se Darth Vader é mesmo o grande protagonista da saga. Para os mais antigos de nós, Guerra nas Estrelas é o mais puro sinônimo da nerdice e, mesmo que por vezes possamos ficar um tanto quanto decepcionados com um ou outro produto, estaremos lá para aguardar ansiosamente pelo próximo.
Esse próximo finalmente chegou. LEGO Star Wars: The Skywalker Saga é basicamente uma grande sistematização de tudo o que já foi feito pela Tt Games com os bloquinhos de montar mais simbólicos do mundo, sobretudo com a saga criada por George Lucas. Temos aqui um grande apanhado de muitas das melhores coisas que os jogos LEGO já nos apresentaram, incluindo outras IPs famosas, somado a toda mística da trilogia de trilogias de cinema que trata dessa trajetória dos tais caminhantes do céu, incluindo sim, Rey Skywalker, que aliás em certo aspecto, por se mostrar um ponto de convergência lá nos cinemas, ganha também seu destaque importante no game.
Não é só isso, porém. Ainda que muito do que já vimos nos games anteriores com a temática de Star Wars esteja presente, como muitos dos cenários, dinâmica de grupo e algumas mecânicas de tiro e de combate com sabres de luz, houve uma preocupação em renovar, ainda de que forma suave e mais sutil do que eu esperava, a fórmula LEGO de se fazer videogames. Afinal, havia algo claro para quem jogou um ou jogou todos os games dessa linha, como Harry Potter, Indiana Jones, Marvel, Batman e outros, além do melhor deles, claro, O Senhor dos Anéis: você sabe exatamente o que fazer, quais são as tarefas necessárias para superar os obstáculos e seguir adiante em sua missão. Finalmente há algo de novo aqui, que de não transforma essa fórmula, a refina de forma muito interessante.
A primeira das mudanças está no sistema de combate corpo-a-corpo do jogo, bem mais interessante do que já vimos antes. O modelo de combos se inspira, com uma óbvia leveza, claro, em modelos beat ‘em up, com a possibilidade de se encaixar ataques aéreos, combos mais complexos, adaptação à defesa do inimigo e classes diferentes de adversários. Há uma variedade bem-vinda para os diferentes tipos de personagens, com aqueles que atacam com os punhos, com sabres ou com outro tipo de ferramenta ou armamento. A composição de possibilidades diferentes de movimentos não é exatamente uma novidade na série LEGO, mas aqui funciona tão bem que parece ter sido criado para esse jogo.
Como não poderia deixar de ser, minha classe (se assim podemos chamar) preferida são os sensíveis à Força, que por diversas vezes me deram uma sensação do saudoso Star Wars: The Force Unleashed, permitindo que se conecte combos variados com arremesso de objetos e/ou inimigos, uma habilidade surpreendentemente fácil de se utilizar e de se dominar. É possível inclusive atirar o sabre em inimigos distantes, refletir tiros de blaster e todo um combo de movimentos que eu sonhava encontrar aqui. Obviamente, este é um jogo voltado a um público mais diverso e familiar, então não espere nada que saia do protocolo ou qualquer aspecto mais violento graficamente, mas as possibilidades de combate são ricas e tornam o enfrentamento algo muito divertido.
Mas não é só usar o sabre que funciona bem. As mecânicas de tiro também foram ajustadas, com sistemas de cobertura efetivos, maior precisão em disparos nas diferentes partes do corpo – sendo possível até tirar o capacete de Stormtroppers, por exemplo – e mais variações de armas e equipamentos. Atirar com uma arma comum dos soldados do império é diferente de usar a clássica pistola do Han Solo, que é diferente do timing da besta de Chewbacca ou do bastão de energia de um Gungan. A visão baseada num sistema over the showder (aquela sobre os ombros tão tradicional nos jogos de tiro em terceira pessoa desde Resident Evil 4) aliada a uma movimentação mais livre da câmera na maioria dos cenários (mesmo que ela se perca as vezes em ambientes mais fechados) é outro aspecto que ajuda muito nesse quesito.
Outras funcionalidades já esperadas continuam mantendo sua presença aqui, como passagens de plataforma e escalada, além da construção de objetos dos mais inesperados com peças espalhadas pelo chão, com destaque especial para a chance de montar veículos de combate, armadilhas e outras traquitanas que se mostram bem úteis nas mais diversas situações, oferecendo inclusive rotas alternativas para se alcançar o objetivo final. Há ainda uma ou outra passagem com aquela mecânica da ação paralela, onde um grupo está fazendo algo que afeta diretamente o caminho de outro. Uma vez mais, evidencia-se que não estamos diante uma grande reinvenção, mas sim de um passo na direção da melhoria de um formato que já se provou muito bem sucedido para o público ao qual se destina.
Fecha o pacote ótimas passagens de batalhas contra chefões, que funcionam de jeitos diferentes ao longo da jornada. Ora é aquela luta direta frente-a-frente, com doses de dramaticidade, ora é uma dinâmica mais indireta, tentando conter, por exemplo, um ataque massivo enquanto outro personagem realiza uma tarefa específica. Há desta forma cenas de defesa de posição, outras com quantidades delimitadas de inimigos a serem derrubados, outras ainda com mecânicas pontuais que emulam os eventos dos filmes. A luta contra Darth Maul no episódio I, por exemplo, se alonga por um bom tempo e envolve diferentes ações de plataforma, resolução de puzzles e, claro, o quebra-pau direto. Kylo Ren, no episódio VII, já traz algo menos inspirado, e muito próximo do jogo específico do filme, que é mais recente.
Momentos icônicos de ação, infelizmente, ficaram de fora do gameplay e acabam frustrando certas expectativas. Não quero entrar em detalhes para não estragar, mas como LEGO Star Wars: The Skywalker Saga condensa nove grandes missões em um único jogo, muita coisa passou batida. Sequências inteiras foram resumidas em poucos diálogos, outras ficaram somente para as cenas de corte e passagens que poderiam durar um bom tempo passam muito mais rapidamente que outras que nem são tão significativas para a narrativa. A grande maioria dessas adaptações funciona, torna o capítulo mais dinâmico, conecta bem a história para um público que ou já a conhece bem, ou é jovem demais para se importar com os pequenos detalhes políticos da trama, mas algumas dessas escolhas decepcionam por passarem um sentimento de “ah, mas já?” ou “ah, mas eu queria ter feito isso pessoalmente, não assistido”.
Em termos de organização da jornada, cada episódio pode ser jogado independentemente do anterior, tem suas próprias estatísticas e funciona realmente como um episódio isolado. Ou quase, porque cada trilogia tem sua ordem linear de ser jogada. Ou seja, você pode começar livremente pelo episódio I, pelo episódio IV ou pelo episódio VII. Os seguintes são liberados conforme se completa a campanha básica do anterior. Há ainda o tradicional modo livre de se revisitar missões de campanha ou áreas abertas de hub, com personagens diversos já liberados, para aquela busca por peças escondidas, segredos alternativos e missões secundárias, algo já bem conhecido da linha LEGO nos games. Aliás, você platinador já sabe bem o quão demorado é conseguir todos os colecionáveis nesse tipo de jogo e espere passar muito tempo para saciar o seu desejo complecionista.
As áreas abertas, aliás, são muito mais presentes do que se poderia esperar. Cada episódio, na verdade, é composto por cinco missões básicas de campanha, intercaladas com grandes áreas de preparação, como bases da sua facção, grandes vilarejos cheios de NPCs que estão muito dispostos a conversar e muitas tarefas secundárias. A boa notícia, porém, é que o jogo não espera que você explore tudo antes de continuar a sua caminhada, e seguir para a missão principal sem qualquer enrolação não traz qualquer consequência mais séria. Há sim benefícios em seguir um ritmo cadenciado, porque afinal há muitas melhorias (gerais ou específicas) de personagem que podem ser desbloqueadas com as duas moedas do jogo: as pecinhas comuns que se coleta o tempo todo quebrando blocos ou as encontrando soltas por aí e as peças especiais colecionáveis, mas nada que não possa ser feito no endgame.
Esta, por sua vez, não é uma árvore de habilidades daquelas comuns em RPGs ou jogos de ação mais sofisticados, mas traz aquela barra de vida extra, menos tempo de carregamento de uma ou outra funcionalidade, mais atratividade para recolher peças próximas, e assim por diante. Contudo, se o jogador se forcar em fazer a limpa nas missões de campanha, já consegue mais do que o suficiente para acumular atributos sem qualquer dificuldade. Aliás, mesmo dentro do universo dos jogos LEGO, esse é dos mais fáceis que eu já vi e a maioria da poucas vezes que me desmontei ou foram porque eu mesmo me explodi (no vídeo que acompanha a análise há exemplos dessa bobeira), ou porque arrisquei um salto numa distância maior do que poderia. Contra inimigos, mesmo os mais poderosos, é quase impossível ser derrotado. E se for, tudo bem, você volta de onde parou, recolhe as peças que caíram e segue o baile. Não há qualquer intenção de cobrar muito do jogador, muito menos puni-lo.
Outro elemento facilitador, que aliás ajuda muito os menores a se localizarem, é que o game jamais te deixa ficar perdido. As indicações de onde ir e do que fazer são ainda mais explícitas do que nunca, por vezes até atrapalhando um pouco a sensação de descoberta. Algumas assistências felizmente podem ser desligadas, algo bastante recomendável para quem prefere diminuir a sensação de urgência e procurar o próprio caminho. Não são lá muitos ambientes que podem nos deixar perdidos, mas áreas abertas cheias de vielas ou espaçonaves com muitos corredores estão presentes. É como se, o tempo todo, o jogo estivesse dizendo para você relaxar e se divertir sem preocupações, sem tensão, o que pode ser relaxante para alguns, mas extremamente tedioso para outros, dependendo do perfil e da expectativa. Como dito, algumas coisas extras são até trabalhosas, mas nunca difíceis.
O tempo a mais de desenvolvimento (quando comparado à média da desenvolvedora e considerando adiamentos) fez bem não só para a jogabilidade, mas também para os aspectos técnicos audiovisuais do jogo. Tudo bem que games LEGO nunca fogem muito do padrão já bastante satisfatório, mas principalmente na nova geração há um refinamento de texturas impressionante. Você não só sente o reflexo das pecinhas de plástico, mas vê ranhuras, pequenas imperfeições e até nuances da tinta sobre o material sólido. Ambientes naturais também estão mais palpáveis, e grama, terra e água estão particularmente muito bem representados, mesmo quando misturados a um mundo de coisas feitas de blocos de montar. A mistura desses dois elementos – o de plástico e o natural – nem sempre é perfeita, mas funciona a contento.
Destaque para o belo trabalho de iluminação natural, geração de partículas e outros efeitos visuais climáticos, como névoa ou nevascas. Elementos como esses somados a um trabalho com cores vivas e pulsantes, cenários ricos e toda uma ambientação plural de tantos planetas e biomas tornam este provavelmente o mais belo jogo LEGO já feito. A cenografia é um tanto quanto genérica, construções internas são repetitivas as vezes, mas nada que ofusque um belíssimo trabalho de reconstrução de um universo tão plural e diverso como o de Star Wars. Quando se coloca em escala, uma das demandas mais difíceis era exatamente o de reproduzir tantos lugares icônicos de uma vez só e nesse quesito o resultado é impressionante. Dos campos gélidos de Hoth aos desertos escaldantes de Tatooine, do compactador de lixo da Estrela da Morte ao infinito do espaço fora dos planetas, tudo é bem cuidado. Simples e sem melindres, mas com muito esmero.
Quantidade também exige alguns sacrifícios, aparentemente, e uma das minhas lamentações com esse jogo é a sua duração. Não porque tem tanto conteúdo que acaba enjoando, mas exatamente pelo contrário. Como um confesso fã da franquia Star Wars em todas as mídias, esperava dedicar mais tempo a várias passagens importantes, e como disse, algumas delas sequer são interativas. Claro que, como eu disse, há um potencial infinito de se passar dentro do jogo buscando os colecionáveis, coletando peças, melhorando todas as habilidades possíveis até o último nível e encontrando uma infinidade de personagens jogáveis, mas por outro lado, a campanha em si é rápida, as missões que remetem aos filmes são diretas e não fosse a vontade de ser um verdadeiro jedi coletando todas as peças do cenário, passaria num piscar de olhos.
Gosto bastante das mudanças contextuais que adequam o tom do jogo para crianças – não espere ninguém enfiando um sabre na barriga do próprio pai, por exemplo – mas alguns resumos acabam por tirar todo o peso de trechos tão marcantes e emocionantes. De novo, a ideia não era, e não deveria ser a de repetir os filmes em todas as suas nuances, primeiro porque não cabe num jogo LEGO, segundo porque são linguagens diferentes. Mas é evidente que o jogo se apoia narrativamente no conhecimento prévio do jogador. Todas as piadas, aliás, são feitas a partir desse pressuposto, tornando-as inevitavelmente easter eggs para fãs (alguns mais sutis, como uma diálogo solto entre troopers onde um deles diz que não aguenta mais bater a cabeça no corredor da nave, outros mais explícitos), mas vazios para quem não o é.
Sim, Star Wars é parte do imaginário coletivo e mesmo que ainda tenha alguém por aí que não tenha visto ao menos um filme da saga, essa pessoa conhece a maioria dos personagens centrais, a mitologia da Força e a mais simbólica representação da clássica jornada do herói no audiovisual, então a potência do jogo é se apoiar nesse conhecimento quase universal. Para quem é realmente adepto da franquia e compra sua mitologia, o jogo é um verdadeiro deleite. Para crianças menores (e outras de várias idades) é fascinante, denso e cheio de fantasia sem querer parecer complexo demais. Porém, para aqueles que não se ligam muito para esta ópera espacial ou preferem jogos mais maduros e desafiadores, provavelmente não encontrarão aqui uma diversão legítima.
LEGO Star Wars: The Skywalker Saga é, senão, uma autêntica experiência LEGO nos videogames e, ao mesmo tempo, uma carta de amor à maior saga nerd da história. É sobre se divertir com leveza sem se preocupar com as consequências, mas também é explorar cada cantinho esquecido de um planeta pantanoso em busca das referências mais recompensadoras. É adentrar uma aventura épica sem levar aquilo a sério demais, mesmo que ela esteja tratando da opressão dos mais fracos, da destruição de planetas e da dominação do universo pelo poder tirânico de um déspota cruel. É como encontrar velhos amigos – dentre eles Luke, Solo, Obi-Wan e Darth Vader – para uma brincadeira de faz-de-conta de domingo à tarde e relembrar as velhas histórias que viveram juntos, tudo isso regado a gargalhadas bobas, ação descompromissada e muito pew pew pew.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela WB Games.
Veredito
Embora traga muitos dos elementos tão característicos de outros jogos baseados nos famosos bloquinhos de montar, Lego Star Wars: The Skywalker Saga oferece bons refinamentos em suas mecânicas, é visualmente espetacular e condensa bem, mesmo com alguma pressa, a história dos nove principais filmes da franquia no cinema com muito charme e bom humor.
Although it brings many of the elements that are so characteristic of other games based on the famous building blocks, Lego Star Wars: The Skywalker Saga offers good refinements in its mechanics, is visually spectacular and condenses well, even with some haste, the story of the nine main films of the movie franchise with a lot of charm and good humor.
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