Quando um novo console nasce, a expectativa das pessoas para com a própria geração em si e os jogos, cresce de uma forma absurda. Em 11 de junho de 2020 aconteceu o State of Play, e além do visual do PlayStation 5 ter sido oficialmente revelado, muitos jogos sob os cuidados da nova marca PlayStation Studios foram mostrados, e entre eles estava Returnal.
Returnal foi apresentado de uma forma misteriosa, sem muitos detalhes, gameplay ou algo a mais que pudesse esclarecer do que se tratava. Para mim, o título seria um terror espacial nos moldes de Dead Space ou, no máximo, um RPG à lá Mass Effect. Mas eu estava errado.
Programado para sair inicialmente em 19 de março de 2021, o jogo acabou tendo que ser adiado para o dia 30 de abril do mesmo ano para, segundo a Sony e a Housemarque, “deixar o conteúdo com a qualidade que ele merece”.
Nesses últimos três meses, muitos vídeos promocionais e de gameplay foram lançados, mostrando que Returnal não é nada daquilo que um dia eu pensei. É algo muito melhor.
“A Sombra Branca” foi o que ocasionou tudo. Sem nunca antes ter ido contra as ordens da ASTRA, Selene começa a receber esse sinal estranho vindo do planeta Átropos. Sem tempo para sequer entender o que estava havendo, ela sofre um acidente e Helios, sua nave, cai em solo hostil.
Selene sempre teve o suporte da ASTRA, mas por algum motivo, ela não recebe uma resposta de volta ao fazer contato. Uma, duas, três…ela tenta tantas vezes que acaba transformando tudo isso em um diário de áudio.
Ainda sem entender o que aconteceu, Selene precisa deixar a nave Helios para procurar por respostas. Mesmo sendo contra o protocolo de acidentes, a veterana precisa reconhecer o local. Para seu desespero, ela acaba encontrando o corpo de algum outro patrulheiro. Ao tentar reconhecê-lo, ela percebe algo perturbador: o corpo ali no chão é o seu.
Pouco tempo depois, Selene encara a primeira forma hostil do planeta. Sem arma e totalmente exposta, ela morre, e o ciclo se inicia.
Tudo que você leu até aqui sobre a história, acontece nos primeiros minutos de gameplay. O acidente, o reconhecimento do próprio corpo, o primeiro ciclo. A narrativa, logo de cara, já mostra o quão complexa pode ser ao criar um paradoxo com as mortes de Selene. Mesmo que você já tenha tentado entender algumas coisas através de vídeos ou artigos com teorias, é simplesmente impossível ter todas as respostas, já que Returnal entrega tudo em doses homeopáticas.
Não pense que esse paradoxo maluco vai estragar a diversão. Muito pelo contrário. Os arquivos de áudios deixados pelas suas “versões” anteriores mostram o caminho, revelam diversos segredos e ainda podem dar dicas do que esperar mais pra frente. Mas honestamente, não tente prever o que você enfrentará a seguir, pois Returnal é uma caixinha de surpresas a cada rodada.
A pergunta que provavelmente não quer calar – e nunca calou desde o anúncio – é: como funciona esse sistema de morte e renascimento? Se você está acostumado com o gênero roguelike, sabe que cada vez que a personagem morre, todo o progresso é perdido, incluindo equipamentos pegos na partida. Talvez o pensamento de que essa história da Selene voltar a todo momento para minutos antes da queda, seja apenas uma desculpa para justificar o gênero, mas não é.
A história de Returnal é muito mais complexa do que você imagina, e às vezes, Selene precisa reiniciar o ciclo obrigatoriamente para descobrir tudo. Isso mesmo. A Housemarque fez questão de mostrar que não basta correr para chegar até o final do título. É preciso fazer sacrifícios se quiser entender o que de fato aconteceu e o que está acontecendo.
Como mencionado anteriormente, Returnal apresenta elementos do gênero roguelike dentro de um shooter em terceira pessoa. Isso significa que nenhuma dungeon será igual a outra. Na verdade, quando você começa a jogar repetidas vezes, perceberá que as salas se assemelham às dos ciclos anteriores (design como um todo), porém, aparecem em ordens diferentes.
Mesmo com as mudanças a cada ciclo, existe uma percepção da própria personagem quanto à movimentação das dungeons. Em alguns momentos você pode ouvir Selene dizer: “o mundo está se readaptando”. Embora possa parecer apenas uma frase, é incrível perceber que a protagonista está ciente do que está acontecendo. É como se ela estivesse jogando o próprio jogo.
Embora o jogo seja classificado como um shooter em terceira pessoa, ele também conta com transições para primeira pessoa. Esses momentos são importantes para a trama e dão uma perspectiva mais sombria e reveladora ao título. Então é bom se preparar, pois ele garante alguns sustos.
No momento em que a Sony apresentou ao mundo as especificações do PS5, todos se perguntaram como aquilo funcionaria na prática. Foi então que alguns jogos foram apresentados, mas o mais “palpável” até então, era Demon’s Souls, o remake do título lançado para PS3 em 2009. Ali era possível perceber um jogo extremamente fluído, gráficos incríveis e efeitos de luz e sombra que davam um outro ar ao título. Mas como isso tudo funcionaria num jogo que exige ação frenética? A resposta finalmente chegou.
Returnal não só exibe todo o potencial do PS5, como também prova que ele não está para brincadeira. Logo no início você é surpreendido com a ausência do tradicional menu. Existem as configurações iniciais apenas para conhecimento do esquema de gameplay, mas as partidas seguintes começam em questão de segundos. Isso é algo que eu – que já estava tão acostumado com as demoras na inicialização dos jogos de PS4 – não estava preparado.
Esqueça todos os vídeos que você viu no YouTube, pois nenhum deles mostra a verdadeira beleza que é estar em frente à tela vendo esse jogo rodando a 4K dinâmico, HDR, com RayTracing e a 60fps. O jogo é lindo do início ao fim, com ambientes enormes e detalhes que precisam ser apreciados com cuidado e calma.
Um de nossos leitores comentou em nosso vídeo de gameplay que a ação em Returnal lembrava muito Resogun, também da Housemarque, por conta dos ataques e explosões. No começo você não percebe isso, mas depois, quando a coisa fica mais frenética, realmente a lembrança vem. Isso inclusive é algo a ser pontuado. Embora a gente saiba que a nova geração tenha nascido para acabar com a triste queda de frame, isso ainda pode acontecer em momentos raríssimos de muita tensão, como mostra este vídeo. Porém, é tudo tão mínimo, que chega a ser imperceptível.
Mas nem tudo são flores em Returnal. E não, não digo isso porque irei fazer uma crítica ao jogo, mas sim um apontamento: ele é difícil. Muito difícil.
É impossível jogar Returnal sem a devida atenção. Qualquer descuido é um ciclo novo que se inicia e um progresso perdido. É importante ponderar também que esse não é um título apenas de correr e matar, mas sim de parar e enxergar a melhor estratégia. Com o tempo você começa a entender o padrão de ataque dos inimigos, o que pode facilitar a aventura.
Outro ponto importante a se levantar é que a dificuldade de Returnal muda conforme seu gameplay. Se você chegar ao final do ato sem morrer, por exemplo, o começo do próximo ciclo já trará inimigos poderosos logo de cara. Em outras palavras: quanto melhor for seu desempenho, mais complicada fica a vida de Selene.
Para tentar aliviar um pouco essa tensão toda, o jogo permite que você avance direto para o local de onde parou. Um exemplo: caso você morra no terceiro bioma, voltará para o local do acidente, porém, os portais acessados anteriormente já estarão ativos. Claro, existe o trabalho de encontrar o lugar, já que estamos falando de um labirinto, mas ainda assim é um ponto positivo.
Caso essa “facilitada” não te agrade, não se preocupe, Returnal conta com vários outros recursos para te ajudar. Ou prejudicar. Como os itens contaminados e parasitas, por exemplo.
Os itens contaminados são como uma roleta russa: você nunca sabe o que de fato irá acontecer. Eles podem te dar benefícios, curar ou causar danos. Existem formas de diminuir a possibilidade disso acontecer, mas exigem uma purificação com Éter, um dos itens mais complicados de se farmar.
Já os parasitas que mencionei anteriormente, servem para beneficiar e prejudicar o usuário. Isso mesmo. Ao mesmo tempo que eles dão atributos como “possibilidade de avaria reduzida”, também dão coisas do tipo “proteção reduzida em 20%”. Mesmo com a parte do malefício, ter um desses (no máximo de cinco) com você é essencial para sobreviver, basta escolher sabiamente quais atributos vão servir melhor no seu gameplay.
Se você pensa que tudo em Returnal é descartável, está enganado. Além de partes do progresso, alguns itens e melhorias, tanto das armas quanto do traje, são permanentes. Afinal, Selene precisa se precaver em Átropos, certo?
Não darei spoilers sobre o que o traje pode ou não fazer, mas deixo a dica de que sempre que você esperar por alguma melhoria “clichê”, o jogo vai lá e te surpreende. Porém, posso falar sobre as avarias, que é algo extremamente importante e deve ter muita atenção.
Sempre que um item contaminado é coletado, há uma possibilidade do traje receber uma avaria. Ao contrário dos parasitas – que causam malefícios enquanto estiverem com Selene -, esses problemas podem ser resolvidos sob certas condições, como derrotar inimigos com ataques físicos ou coletar itens específicos. Mas tome cuidado: se receber um dano crítico no traje, um item ou artefato do inventário será destruído.
Todos os itens da sala são mostrados no mini mapa. Isso facilita muito caso esteja procurando algo específico para consertar seu traje problemático. A única crítica vai para a ausência dessas marcações no mapa maior. Nem sempre é possível ter uma dimensão da altura em que as coisas estão, e quando você precisa de uma visão ampla da situação, o mapa principal não ajuda, já que ele mostra apenas pontos principais, como portas, fabricadores de itens, translocadores, baús e pontos de interrogação. Os coletáveis que ficam no chão nunca aparecem.
Para complementar um traje multifuncional de qualidade, é preciso ter em mãos armas que atendam a demanda e deem conta das várias hordas de monstros que Selene vai encontrar. E em Returnal, você encontra não só uma, mas várias delas.
A cada nova rodada Selene encontra novas armas para ajudá-la na busca por respostas. Assim como em um shooter convencional, cada uma delas possui um tiro específico, status e claro, habilidades únicas.
A maior vantagem das armas aqui é que suas habilidades são permanentes, como já mencionei anteriormente. Em outras palavras: isso significa que se caso você a encontre em um outro ciclo, há possibilidade dela vir com a skill desbloqueada por você na rodada anterior.
Como em um RPG, Selene ganha pontos de proficiência, seja pegando itens no cenário ou abatendo inimigos. São esses pontos que liberam as habilidades e definem em qual nível as próximas armas encontradas estarão. Mas fique atento, pois nem sempre armas muito poderosas valem a pena, principalmente se a cadência de tiro for baixa.
Uma das coisas que chamou muita atenção no PS5, foi o DualSense e seus recursos. Até então, Astro’s Playroom era jogo com as funções mais incríveis do controle, onde era possível ter noção do que esperar dos futuros títulos. Porém, Returnal chegou para mostrar que também sabe o que faz quando se trata de inovação.
Logo no inicio de Returnal é possível sentir algumas vibrações leves da chuva caindo no traje de Selene. Depois disso, quando você começa a adentrar no coração de Átropos, percebe que qualquer coisa viva do planeta faz o controle responder, justamente para passar a tensão do momento. E sendo sincero: não tem como passar por essa experiência e não se impressionar com o que o DualSense é capaz de fazer.
Os gatilhos adaptativos do DualSense dão um show à parte quando falamos em armas. Esqueça a história de “afundar” o L2 e R2 para o famoso “mira e atira”. Tudo é resolvido com um leve toque que também faz o controle usar a função de vibração de uma forma extremamente imersiva. Claro que, caso queira usar o poder especial de cada arma, é preciso pressionar o L2 até o fim e segurar, mas caso esse não seja o caso, é só seguir normalmente com o gameplay.
Se você der uma olhada no site da Housemarque, verá que eles falam que a performance e a experiência sonora são os seus maiores focos nos títulos que produzem. E eu não poderia concordar mais.
Quando você começa a jogar Returnal, o jogo te enche de avisos sobre a necessidade de um headset 3D para a experiência completa. De início você pensa que essa “obrigatoriedade” não passa de marketing para o Pulse 3D, mas na verdade não é.
Durante a minha jornada eu fiz três testes: usei o som da TV, do home theater e do meu headset Astro. A experiência que eu tive com os dois últimos não se comparam ao som da TV, e aí você percebe o porque o jogo insiste na utilização de um som espacial.
Com um home theater ou um headset 5.1/7.1, você tem a tensão em todos os lados. Como eu já disse anteriormente, todo o mundo de Átropos é vivo, então a todo momento você vai escutar barulhos vindo de todas as direções. Eu, particularmente, tomei diversos sustos achando que tinha um monstro atrás de mim, mas na verdade eram apenas as plantas.
Essa imersão toda mostra que a Housemarque teve um cuidado enorme em passar cada detalhe para o jogador que está explorando Átropos, afinal, a morte aqui não espera, ela vai até você.
Eu nunca me dei tão bem com jogos do gênero roguelike. Seja porque eles são muito difíceis ou porque eu não tinha paciência de começar tudo de novo. No entanto, Returnal chegou para mostrar que eu não só gosto, como também posso me viciar facilmente.
No meu gameplay, explorei cada canto do mundo de Átropos em busca dos xenoglifos, busquei armas e upgrades melhores para o cenário seguinte e fui atrás do verdadeiro final. Tudo isso consumiu cerca de 30hrs do meu tempo, porém, se você for bom o suficiente, pode fazer em menos tempos.
Se você estava esperando uma desculpa para adquirir o PS5, Returnal está aí para ser o motivo da sua aquisição. Com um gameplay envolvente, história intrigante e extremamente viciante, a aventura de Selene pode ser considerada uma das melhores já vistas no console até o momento.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Sony Interactive Entertainment.
Veredito
Returnal é lindo, extremamente viciante e conta com uma história intrigante. Mesmo que você não seja fã do gênero, dê uma chance, tenho certeza que a sua experiência aqui vai valer cada minuto do seu tempo.
Returnal is beautiful, extremely addictive and has an intriguing story. Even if you’re not a fan of the genre, give it a try, I’m sure your experience here will be worth every minute of your time.
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