Leia entrevista com o compositor Bobby Krlic de Returnal; escute a música The Crash
O texto abaixo foi publicado no PlayStation.Blog brasileiro.
Faltam apenas algumas semanas para o lançamento de Returnal. Hoje temos uma prévia do que nos aguarda em Atropos, na forma da primeira faixa da trilha sonora do game, chamada The Crash – um título bem apropriado, considerando as circunstâncias que levam Selene até o planeta alienígena. Esta faixa, assim como toda a trilha sonora, são criações de Bobby Krlic. Este músico britânico possui várias obras importantes em sua carreira até hoje. Além de seu trabalho usando o nome de palco ‘The Haxan Cloak’, Krlic também compôs a trilha sonora do filme de terror Midsommar, de 2019.
Em Returnal, Krlic cria uma trilha sonora rica e malévola, perfeita para o planeta armado até os dentes e para a agente ASTRA que se encontra presa no centro de um mistério cósmico. A trilha sonora de Returnal chegará às plataformas de streaming no dia 7 de maio.
Ouça a faixa abaixo (e de outras fontes aqui), e depois leia a nossa entrevista com o compositor, conforme ele descreve o processo criativo desta faixa e do resto das músicas do game.
Quando você entrou para o projeto?
Pelo que me lembro, a Sony entrou em contato comigo em julho de 2019. Comecei a trabalhar nas demos das faixas já em agosto ou setembro, após as negociações iniciais.
Como resumiram este game para você? Que tipo de sonoridade disseram que procuravam?
Mandaram um deck. Sabe? Uma descrição da narrativa, desenhos dos personagens, das fases, esse tipo de coisa. Não foram tão a fundo assim, foi mais tipo uma geral para ver se havia algum interesse em comum alí.
Suas demos iniciais já estavam boas, e você apenas as refinou?
Sim. Foram mais ou menos dois meses de vai e vem. Apenas enviando material, discutindo e extrapolando elementos dele, descobrindo o que estava dando certo e o que não estava. Estávamos tentando criar algo novo, um tipo de terror sci-fi que com sorte ainda não havia sido feito.
Você tem experiência com terror, mas já havia criado um mundo alienígena inteiro e único? Qual foi seu ponto de partida para criar este som?
Eu tento fazer a mesma coisa em todos os meus projetos de som. Junto o máximo de material que consigo, peço todas as informações que podem dar e depois, você sabe, meio que mergulho nisso e fico lá me saturando. Apenas crio sem pensar em algo muito específico na verdade, apenas tento entrar no clima daquele mundo. Tento me colocar lá se possível, e depois, é só começar a gravar e depois ouvir tudo por muito tempo, até que as coisas parecem evocar o mesmo sentimento que eu estou recebendo do material.
Você cria os temas em torno do mundo em si? Quero dizer, estão ligados aos personagens, criaturas? Ou é mais sobre a ação e o momento?
Há uma maneira de construir a música dentro do jogo. Há um tema principal para cada ambiente, e depois nós criamos música de combate diferente, ou música para mudanças neste ambiente, quando está em lugares diferentes. Ela fica maior ou menor. Mas acho que, para mim, é sempre importante pensar no geral, sabe, para sempre lembrar do mundo onde estamos, e depois entrar com os detalhes individuais de cada bioma.
Quando fazemos a trilha de filmes, você pode usar momentos de cada cena. Você sabe o que acontece, o ritmo do início ao fim. Mas com um game, tudo pode mudar dependendo do que o jogador fizer. Quais os desafios de criar uma trilha assim?
De algumas maneiras, é um desafio. Mas acho que por outro lado, encontrei algo que realmente curto usar, no sentido de apenas tentar entrar naquela emoção e articulá-la da melhor maneira possível. Você pode alongá-la, ou suspendê-la, assim como o jogador tem essa liberdade de fazer o que quiser, podem viver em um momento por muito mais tempo do que imaginou. Então tenho que pensar, como consigo isso? Como consigo congelar uma coisa dessas no tempo? Ao mesmo tempo que tenho que mantê-la oscilando, se movendo? Então no fundo é sobre conseguir se conectar com a emoção, usar uma lupa e descobrir como mantê-la em movimento, o que acho muito muito incrível.
Quais são essas emoções chave para você, tanto no game quanto na trilha sonora?
No fundo é sobre a determinação de uma pessoa para descobrir tudo – não quero dar spoilers – descobrir este mistério que a cerca. Há tantas emoções. Temos determinação, tristeza, confusão. Uma ameaça e um terror que nunca estão longe, durante todo o jogo. É sobre descobrir como fazer com que todas essas coisas se complementem, mais ou menos como um quebra-cabeças líquido, tudo encaixando e ao mesmo tempo em movimento.
Embora o game seja de tiro e ação, a música nunca é alucinante. Ela mantém sempre o tema de ameaça e terror. Concorda com isso?
Sim, acho que é justo. É tudo sobre Selene. Ela é excepcionalmente forte, emocionalmente e fisicamente. Ela não precisa que a música a incentive nem um pouco. Quer dizer, seu poder vem de suas ações, sua narrativa. O fato é que ela não vai parar até conseguir as respostas que precisa. Então achei mais importante acentuar a ameaça que a cerca. De algumas maneiras, sim, é aterrorizante, mas de outras também amplia sua força. O planeta não desiste e nem ela.
Você criou um tema para Selene?
Sim. Não quero falar muito sobre isso já que… seria um spoiler enorme. Posso dizer que há algo que acontece perto do final do jogo, e que há uma progressão harmônica. Foi nisso que focamos quando começamos a criar o tema. E que ele está presente de alguma forma em todas as outras faixas do jogo. E deve ser tipo um momento eureka perto do fim.
Você mencionou ter recebido um esboço para o mundo. Você usa e testa os mesmos instrumentos em todo projeto? Está testando novas técnicas ou instrumentos?
Uso algumas coisas básicas, mas em cada projeto, tento sempre usar algo novo, algo diferente para brincar. Neste, acabei criando um rack de sintetizador customizado e modular, tudo só para este jogo. E depois, junto com alguns desenvolvedores de software, trabalhamos em alguns samplers customizados para criar meus próprios sons, para depois incluí-los em software customizado, com efeitos e plugins customizados também. Então no fim tudo ficou bem sob medida.
“Criar um rack de sintetizador” estava na sua lista de desejos para este projeto?
É bom ter essa desculpa [risos]. Poderia ter sido bem menor. Tem sido bem interessante, sabe, usar essas coisas de uma maneira que talvez não fosse para serem usadas. E você sabe, acho que criamos sons muito legais, que nunca ouvi antes em games.
Mas é isso que te interessa em termos de criatividade, não é?
Sim, com certeza. Com certeza mesmo. A gente sempre se pergunta o motivo de ter escolhido a nossa carreira. E acho que , uma das coisas mais legais sobre isso é ter uma voz nítida e uma conversa musical contínua.
E este projeto, embora seja unicamente seu, também é único em si, não é?
Sim. E isso é muito importante para mim. Sabe, é sempre importante em tudo que faço, mas para este mais especificamente. Queria que fosse realmente surpreendente e cativante para as pessoas.
The Crash é a faixa principal que será lançada primeiro. Você pode falar um pouco sobre o processo criativo por trás dela? Não é uma das faixas mais contidas, mas definitivamente não é tão intensa quanto algumas outras.
Na minha opinião, acho que resume bem a atmosfera do jogo. Sabe, resume a narrativa, Selene e o planeta de uma maneira sucinta. Também usa toda a gama de tons envolvidos em Returnal: o processamento granular customizado, as cordas, sopro, percussão, distorções… tudo que é apresentado em Returnal pode ser encontrado nesta faixa. Então achei que fosse a escolha óbvia para uma espécie de “single” da trilha sonora.
Você já lançou álbuns e fez colaborações musicais. Trabalhar em um videogame é algo que sempre quis fazer?
Sim. Sempre fui fã dos games e da música deles em particular. Acho que o primeiro exemplo disso foi quando Quake foi lançado. E aí perceber que você podia colocar o CD para tocar e ouvir a trilha sonora que Trent Reznor criou. Eu já adorava Nine Inch Nails na época. Aquela trilha sonora foi sensacional para mim. Tipo, ainda não acho que alguém fez outra igual aquela. Ela foi muito emocionante na época, e ainda é. Acho que os games são o meio musical mais emocionante no momento.
Olhando de volta para Returnal, como o compara com o resto de sua obra?
É uma pergunta interessante. É engraçado, não sou uma pessoa muito retrospectiva. Não costumo voltar e ouvir coisas antigas. Mas já voltei para ouvir esta trilha de maneira puramente narcisista. Acho que, sabe, trata-se de música que venho querendo fazer há muito tempo. É música que ainda não descobri como aplicar em outros meios: o que criei é música que acho que criei apenas para mim. Coisas como construir racks de sintetizador, usar um tema, analisar o tema para encontrar seu DNA e reconstruí-lo… há tantos elementos musicais aqui que me estimulam, acho que, é, criei algo que para mim parece novo, em termos da minha obra. E sabe, me manteve interessado e empolgado o tempo todo, o que é ótimo. É tudo que se pode esperar de um novo projeto.