Um segundo olhar para Crash Bandicoot 4: It’s About Time; agora no PS5
Como muito bem dito em nossa análise de Crash Bandicoot 4: It’s About Time, escrita pelo nosso editor-chefe Ivan Nikolai Barkow Castilho, o marsupial que um dia já foi candidato a mascote da família Playstation (talvez tenha sido quem mais se aproximou desse título) ressurgiu das cinzas na geração do PS4. Com suas três aventuras numeradas anteriores e o primeiro (e melhor) Team Racing devidamente remasterizados – na verdade, praticamente refeitos – toda a nostalgia e a competência que faz deste personagem tudo o que ele se tornou vieram novamente à tona e, deste modo, nos fizeram lembrar do porquê de toda a reverência a Crash e sua trupe.
O lançamento de um novo jogo, desta forma, era questão de tempo – trocadilho intencional – e felizmente tanto crítica como público responderam muito bem ao game, lançado no começo de outubro de 2020. Com um level design bastante inspirado e turbinado pelas novas habilidades conferidas por cada uma das máscaras quânticas presentes no jogo, junto a uma dificuldade bastante elevada, sobretudo para aqueles que buscam o aproveitamento máximo, os tais 100% em cada fase, o game consegue trazer a franquia de volta aos trilhos e mostra que é possível sim viver para além do que já funcionou no final da década de 1990.
Agora em março de 2021, Crash Bandicoot 4: It’s About Time ganha sua versão para a nova geração, oferecendo uma aventura sem quaisquer modificações em termos de estrutura narrativa ou de gameplay, mas já explorando ao máximo os benefícios do 4K nativo a 60 FPS. O vídeo que abre esse texto, gravado nessas condições diretamente do PS5, ilustra bem essa virtude técnica, incluindo uma fluidez de movimento ainda mais sofisticada, efeitos de iluminação – potencializados pelo HDR – incríveis e detalhes insanos em todos os cantos. Se o jogo já era um deleite em sua versão original, todo esse cuidado transborda da tela em cada passagem desta versão. As cutscenes parecem estar um tiquinho abaixo das passagens de gameplay, mas nada que pareça importante.
Confesso que sempre fui um dos mais desconfiados em relação ao feeling dos 60 FPS e do quanto isso realmente impactava na experiência geral (para além de shooters e outros jogos mais dinâmicos), e talvez este seja o game onde essa diferença me pareça realmente significativa para o gameplay. Não que o jogo se torne menos difícil ou que mude drasticamente a forma de se jogar, mas com uma maior fluidez, o controle da precisão de movimentos e saltos parece ainda mais nas mãos do jogador. O que também significa que a culpa por um salto mal executado tem ainda menos a ver com algum “problema” do game…
Contudo, a maior melhoria técnica parece mesmo ser no tempo de carregamento dos níveis. Com fases relativamente longas, a versão original parecia ser pesada demais e tinha um problema de quebra de ritmo, sobretudo para quem retorna à fases já vencidas para buscar todas as joias claras restantes. Se o respawn em checkpoints não era lá um grande entrave, o reinício de fases inteiras era um grande martírio e um exercício de paciência. Não é mais – pelo menos não pela espera – já que o carregamento beira o instantâneo.
Por sua vez, o áudio aprimorado para o sistema tridimensional só pode ser realmente compreendido com maior atenção utilizando-se um headset de alta qualidade. A recomendação, claro, é que se utilize o Pulse 3D para uma experiência otimizada, mas quem tem um acessório intermediário já pode sentir algumas diferenças e até se aproveitar delas para perceber inimigos e outros elementos no espaço escondido. A evolução sutil deste aspecto, contudo, valoriza o que já era muito bom mesmo para quem joga na TV, contando com uma ótima mixagem, efeitos claros e músicas empolgantes.
Outra das melhorias, porém, não pode ser percebida na reprodução em vídeo, e está relacionada ao alardeado sistema háptico do dual sense. Não há dúvidas que ainda há um grande abismo entre o que foi feito em Astro’s Playroom e todos os demais jogos que se apropriam das especificidades do controle, mas isso não significa que sentir algumas reações na mão em Crash 4 não seja uma adição especial, principalmente pela diversidade de terrenos e sensações possíveis no jogo. Girar como um tornado ou pisar no gelo tem seu feedback próprio e ajuda muito em um sentimento de maior imersão em cada um dos mundos do jogo. Provavelmente, o fato de não ser um exclusivo da plataforma não ajuda aos devs dedicarem mais tempo a essa especificidade, mas mesmo assim, há boas soluções implementadas.
Os gatilhos adaptáveis (na verdade, só um deles, já que o outro não faz muita coisa) são especialmente bem aproveitados, porém, esse upgrade parece mais evidente (ou ao menos mais destacado) quando não se joga com Crash ou com Coco. Tanto a arma de sucção do Dingodile quanto as traquitanas de Neo Cortex são muito mais evidenciadas pelo dispositivo, com um destaque especial também para o gancho de Tawna, que mesmo ao atingir elementos fora da tela, consegue oferecer a percepção de acerto ou a decepção pelo fracasso. Já com os protagonistas, essa sensação tátil aparece mais em passagens especiais, como quando em veículos, com trepidações pesadas principalmente nos trechos de travessia aquática.
O trabalho da Toys for Bob (sob os olhares atentos da Beenox e Activision Shangai) é essencialmente uma verdadeira ode a tudo o que já conhecemos do personagem, inclusive fazendo piada com esse legado quando lembra que, apesar de tudo, só se venceu Neo Cortex três vezes, quando parecia ser muito mais que isso, mas também olha para o presente e para o futuro do personagem com ótimas perspectivas. Mais do que isso, renova o interesse em um gênero que parecia relegado a releituras do passado ou ao sistema independente de produção, mostrando que há mercado, há engajamento e há muito espaço para produções de maior escopo dentro deste formato que, claro, busquem inovação e originalidade.
A agora quadrilogia Crash – podemos esquecer, mesmo reconhecendo alguns acertos, dos acidentes da geração PS2 – abriu caminho para que novos investimentos viessem e, não por acaso, Sackboy e Astro’s Playroom se tornaram parte da estratégia de lançamento da nova geração. Ainda que o primeiro não tenha tido a mesma repercussão do segundo, e nenhum dos dois consiga superar a qualidade, a inventividade e o carisma de Crash 4, há ótimas expectativas tanto da Sony quanto dos próprios jogadores para aventuras ainda mais ousadas, como o vindouro Ratchet & Clank: Rift Apart. As semelhanças entre ambas as produções parecem não serem poucas, o que parece algo muito positivo para todos nós e, porque não, para a indústria em si.
No conjunto da obra, Crash Bandicoot 4: It’s About Time é sim a proposta definitiva deste ótimo game de plataforma ao explorar de forma bastante competente as melhores condições técnicas da nova geração. Estamos distantes ainda de perceber um salto geracional propriamente dito, mas as melhorias gráficas e de desempenho tornam o que era muito bem resolvido originalmente em algo ainda melhor. Ainda não é desta vez que o dual sense mostra todo o potencial visto no game produzido para exibi-lo, e é provável que só em exclusivos especialmente feitos para a nova geração isso possa ser alcançado. Ainda assim, as boas soluções implementadas garantem uma experiência mais imersiva.
Considerando ser uma atualização gratuita para quem já tem o jogo original e que até mesmo a progressão pode ser importada via PSPlus, os donos de um Playstation 5 não tem nenhuma desculpa para não aproveitar o jogo novamente em todo o seu esplendor – quem sabe até buscar o que ficou faltando em uma primeira run – e, para quem ainda não teve a oportunidade de jogar Crash 4, está aí a versão mais convidativa à aventura. A ótima nota 90/100 aqui do site para o jogo se justifica em cada cantinho, em cada novo mundo explorado, e até mesmo em cada uma das centenas de fracassos que inevitavelmente virão para os mais insistentes. Terminar o jogo é questão de honra. Fazer os famigerados 106%, uma loucura. Mas uma loucura (ainda mais) justificável.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Activision.