Um jogo de sobrevivência e exploração em um mundo aberto repleto de desmortos não muito amigáveis, cujo objetivo é conseguir coletar recursos e se preparar ao máximo para conseguir se manter vivo. Com essa descrição, eu poderia estar falando de DayZ? Seria possível. E de tantos outros? Com certeza. O ponto de partida de Unturned está longe de ser uma qualidade inovadora do game, e certamente essa nunca foi a proposta. Resta saber se, mesmo partindo de um dos maiores clichês do mundo dos jogos, o jogo consegue entregar uma proposta divertida e que se destaque para o interesse dos jogadores.
Antes, contudo, um parênteses de contexto: Unturned é um jogo independente de 2017 free-to-play disponível via Steam para jogadores de PC que conseguiu uma certa notoriedade por ser bastante acessível tanto por não ter custos financeiros (pelo menos não inicialmente, a não ser para itens cosméticos) quanto pela pouca exigência em termos de hardware. Criado com uma proposta que abraça o multiplayer cooperativo, o jogo ganhou uma legião de seguidores, e agora chega para consoles de mesa para buscar um novo público. Porém, diferente da proposta original, ele chega à PSN como um jogo pago, algo que surpreendeu quem já o conhecia.
Basicamente, a primeira definição que vem à mente quando se pensa em definir Unturned é o fator de liberdade. Em um dos oito mapas disponíveis no jogo, localizados em diferentes regiões de um mundo devastado por uma praga apocalíptica, o jogador terá a possibilidade de literalmente ir aonde e como quiser, sem amarras narrativas ou missões pré-determinadas. Praticamente um sandbox, o game permite que você avance para qualquer área dos amplos cenários na busca pela sobrevivência, seja sozinho, seja acompanhado de amigos e/ou desconhecidos.
Ainda que haja certos limites diegéticos – não é possível entrar em instalações contaminadas sem equipamento de proteção adequada, por exemplo – é possível sair explorando as cidades em busca de recursos dos mais variados, como madeira, tecido, metal, alimentos, bem como armamentos e ferramentas de defesa. E aqui outra das melhores qualidades do jogo: a diversidade. Você pode coletar um chapéu ou um ancinho, uma faca militar ou uma lanterna, e vários desses itens podem ser usados na parte estética ou de combate, e podem também ser desmontados para se tornarem matérias-prima para produção de outros equipamentos.
O sistema de crafiting do jogo, isto posto, é suficientemente complexo para manter a atenção e a concentração por horas e horas. Chega a ser um pouco frustrante o limite de itens a serem carregados pelo jogador, mesmo coletando malas ou mochilas que expandem o inventário, já que mesmo com pesos diferentes, itens minúsculos podem encher rapidamente os espaços disponíveis, fazendo com que o tempo todo tenhamos que decidir o que queremos carregar conosco e o que devemos deixar para trás. A exploração colaborativa ajuda bastante, já que vale a regra mais evidente: duas pessoas conseguem carregar mais coisas que uma. Mesmo assim, fica a sensação que se passa muito mais tempo do que se gostaria decidindo o que se vai transportar e o que fica para outra hora.
Aliás, falando de multiplayer (on-line ou local, com tela dividida), esse é certamente o jeito mais divertido de se aproveitar Unturned. Primeiro, porque jogar no modo single player é sim possível, mas pode ser extremamente tedioso, ainda que seja coerente com a proposta de um mundo devastado e absolutamente solitário. Segundo porque a abordagem de ambientes infestados, o estabelecimento de uma base e tudo o que o jogo oferece se mostra melhor desenhado para uma experiência compartilhada. É daqueles jogos onde se conversa o tempo todo, quando entre amigos, preenchendo o vazio narrativo ou de contexto do game. Há várias passagens de transição entre pontos de interesse que se valem de um bate-papo descontraído. Sozinho, são só trechos vazios a se atravessar.
Isso significa que ter se tornado um produto pago pode ser prejudicial para a longevidade e o agenciamento do game. Afinal, não é só pedir para o seu amigo baixar pra jogar juntos, pois é necessário que se invista dinheiro agora e nem todo mundo tem essa disponibilidade. Adquirir o game sozinho, claro, não é proibido, mas saiba que grande parte da diversão se perde ao não ter outras pessoas jogando com você. Claro, você pode preferir uma experiência solo de sobrevivência por diversos motivos ou mesmo se aventurar em servidores com desconhecidos, e nesse sentido, vai aproveitar o game sem problemas. Assim, como sempre, essa avaliação do quanto vale a pena investir para uma experiência single player ou se vale chamar todo mundo pra comprar junto é, obviamente, algo particular.
Seja como for, o jogo valoriza a sua trajetória. Ao oferecer pontos de experiência cumulativos a cada nova investida no universo do game, você sempre tem a sensação de que aquela aventura mais descompromissada que decidiu fazer em 15 minutos de bobeira valeu a pena. Afinal, há duas formas de se evoluir: dentro de cada mapa, ao eliminar os adversários, você acumula pontos os quais podem ser trocados por atributos de melhoria, como pontos de vida, precisão nos combates armados, efetividade no combate corpo-a-corpo, capacidade de se construir ou de se cozinhar com mais qualidade, e por aí vai. Por mais que a abordagem stealth seja bastante segura, vale a pena sair executando alguns desmortos quando se tem poder de fogo. Por outro, há um nível geral que lhe confere pontos que podem ser trocados por itens de vestuário e outras perfumarias.
O combate, por sua vez, é um tanto quanto desajeitado e é de longe a parte que mais causa estranheza no jogo. Armas de longa distância aparecem com surpreendente variedade, que vai de pistolas comuns a armamento militar pesado. Porém, basta um deslize para que os inimigos possam se aproximar e aí é um verdadeiro martírio conseguir acertar um tiro. É necessário saber se afastar, se posicionar para não perder valiosos recursos. Por sua vez, o melee é travado e pouco amigável, e mesmo que se tenha uma boa arma branca em mãos, acaba sendo bastante desaconselhável, sobretudo contra grupos e hordas. Talvez haja aqui uma tradução de uma situação mais realista onde nem todo mundo é Chrys Redfield, mas a parte que deveria ser bem divertida acaba sendo mais tensa do que eu, particularmente, gostaria.
No mais, o gameplay é bem padronizado. É possível pegar uma série de veículos perdidos pelo ambiente, se abaixar para não ser detectado, explorar armários, guarda-roupas e máquinas de lavar (?) atrás de o que quer que for, nadar, correr, atacar uns animais desavisados pra conseguir comida, cozinhar, construir… Unturned consegue, a seu modo, ser bastante completo, quase uma versão low poly de Fallout 76. O estilo em blocos, talvez, possa ser um tanto quanto incômodo para alguns jogadores que esperam maior fidelidade visual de jogos do gênero, mas é também aquilo que o torna diferente do que já é oferecido no mercado.
Essa semelhança evidente com Minecraft que você pode conferir nas ilustrações dessa análise não chega a ser um problema em si e funciona dentro de uma elaboração estética tal qual como proposta pela ainda jovem Smartly Dressed Games – o desenvolvedor tinha 16 anos quando começou o projeto sozinho. O resultado, porém, é um tanto quanto inconstante. Se é verdade que a variação climática dá um tom bem sofisticado ao conjunto da obra, onde os ciclos de dia e noite trazem desafios e perigos semelhantes ao que vemos em Dying Light (a noite, os zumbis com olhos vermelhos são ainda mais perigosos e agressivos quando comparados ao comportamento diurno deles) e oferece belas paisagens, o mesmo não pode ser dito de cenários e ambientes fechados.
As áreas com construções são bastante vazias e carentes de detalhes, de carisma, de história. A cada nova casa ou prédio que adentramos, tudo parece só um modelo básico, um rascunho sem textura com paredes cruas e objetos iguais a todos os outros, e bastam alguns minutos no jogo para se ter uma percepção de que toda a arquitetura do mundo é a repetição uma da outra, todos os corredores são mais do mesmo. O resultado atende um princípio de minimalismo que sim, parece proposital, inclusive para melhoria do desempenho e favorecimento de uma exploração mais objetiva sem muitas frescuras, mas também evidencia um mundo sem tempero, asséptico, sem graça.
Dito isso, o resultado é um jogo bastante completo, cheio de possibilidades de personalização tanto de personagem como do estilo de jogo. Se não exatamente original, consegue agregar muito o que de melhor há em produtos similares e oferece uma experiência sólida para quem joga sozinho, acompanhado de amigos ou mesmo que se aventura por servidores com outros tantos players. Ser uma versão paga de um game free-to-play da Steam, contudo, pode ser um prejuízo ao dificultar que uma comunidade massiva o adote imediatamente, um dos seus grandes trunfos na versão de PC. Seu sucesso comercial vai depender muito de encontrar o seu nicho, mas enquanto jogador, se esse é o seu tipo de game, certamente há horas e mais horas de diversão garantidas aqui.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela 505 Games.
Veredito
Unturned é muito competente naquilo que propõe e se mostra bastante completo e complexo para entusistas de jogos no estilo sobrevivência em mundo aberto. Seu sistema de combate é meio truncado e a construção artística é irregular, mas suas mecânicas de crafting e evolução são suficientemente boas para várias horas de diversão, seja jogando sozinho, seja acompanhado.
Unturned is very competent in what it proposes and proves to be quite complete and complex for enthusiasts of survival games in the open world. Its combat system is somewhat truncated and the artistic construction is irregular, but its crafting and evolution mechanics are good enough for several hours of fun, whether playing alone or being accompanied.
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