Os clássicos jogos do gênero RTS (Real Time Strategy, ou Estratégia em Tempo Real) parecem já ter vivido seus dias de glória, sobretudo em plataformas PC, e alguns deles continuam vivos na mente das pessoas. As franquias Age of Empires, Warcraft, Total War, Starcraft e Command & Conquer são só alguns dos expoentes que fizeram deste um dos formatos mais consagrados da história recente dos videogames. Praetorians, lá do já longínquo ano de 2003, é de certa forma um ícone relativamente desconhecido se comparado a outros games do gênero que se propuseram a retratar batalhas épicas da antiguidade, sobretudo o período do império romano. Mas para os fãs, é uma produção bastante querida.
A versão remasterizada para 2020 prometia trazer para a era do HD toda a glória das batalhas sangrentas, seja no controle das regradas e muito bem organizadas tropas romanas, seja na pele dos bravos guerreiros bárbaros, desta vez não só para computadores, mas também para consoles da geração atual. A versão de Playstation 4, contudo, sente dois pesos que pareceram densos demais: a primeira é a remasterização em si e todas as suas nuances técnicas e a segunda, talvez a mais cruel, seja a revisão de uma interface que funcione para o Dual Shock. E já podemos adiantar: a versão é bastante inconstante e, de certa forma, decepcionante.
Antes de mais nada, uma introdução para quem ainda não conhece o game: a proposta deste jogo, tal como nos maiores clichês do gênero, é a de comando de tropas e não de indivíduos. Controlando um dos três exércitos – romanos, bárbaros ou egípcios – o jogador precisa compreender situações de batalha, posicionar seus recursos, organizar sua estratégia e, deste modo, cumprir objetivos como invadir uma vila, destruir ou sitiar uma base inimiga, garantir a sobrevivência de alguém ou simplesmente vencer o exército adversário, as vezes em desvantagem numérica ou geográfica. Há unidades especiais como curandeiros, espiões e paladinos, mas o grande segredo é saber lidar com o coletivo.
A partir daí, o gerenciamento é bastante amplo. É possível investir, por exemplo, em ter mais arqueiros do que guerreiros corpo-a-corpo e cercar os inimigos em terreno elevado; ou então valorizar a infantaria para um ataque direto por direções diferentes, ou ainda dividir as tropas em pequenas unidades para avançar aos poucos e minar os recursos do adversário… para os generais digitais de hoje em dia, não há muitos segredos em termos das possibilidades de abordagem, não há novidades, já que esses elementos todos foram ganhando contornos mais sofisticados nas últimas duas décadas. Se não chega a ser datado, o jogo não oferece novidades para o público atual.
Os maiores problemas de Praetorians HD Remaster começam a aparecer logo nos primeiros minutos de jogo, ainda nas missões iniciais que servem como um ótimo e necessário tutorial. A interface, logo se percebe, mantém muito daquilo que havia na versão original e, para um controle padrão de videogame, e há uma série de atalhos e comandos que são muito pouco intuitivos. Selecionar duas unidades ao mesmo tempo que estão em posições diferentes, por exemplo, pode ser um pequeno pesadelo. Arrastar a tela para ter aquela visão geral do campo de batalha não é difícil, mas também pode não ser a coisa mais prática quando se necessita de dinamismo e decisões rápidas. Achar um sujeito perdido no meio das tropas também não é das tarefas mais fáceis.
Assim, os tutoriais não servem somente para que se conheça os comandos básicos do jogo, mas principalmente para que se decore todos eles, mesmo que para isso seja necessário repetir algumas vezes as primeiras missões. Os módulos de ajuda não são práticos para consultas regulares. Ou se aprende tudo o que é necessário antes da coisa começar a realmente ficar desafiadora – ainda que a dificuldade do jogo, como um todo, não seja lá das maiores por motivos que trataremos mais adiante – ou a derrota é iminente. Inclusive porque a descrição de cada tarefa a ser cumprida é bastante vaga em grande parte das vezes, o que significa que o jogador não deve esperar aquelas indicações mais óbvias do que fazer, com quem ou como. Seguindo o padrão mais old school, o jogo pega muito pouco na sua mão. É o básico “se vira aí”.
Outro ponto bastante incômodo para quem joga na TV é a diagramação e a disposição de menus e textos na tela. Além de não ter uma versão traduzida para o português brasileiro (pelo menos não nessa versão de avaliação que recebemos), algo que já poderia ser esperado, os menus são claramente pensados para o olhar próximo da tela, com ícones pouco destacados e textos em fonte pequena e serifada. Se você joga a uma distância de um ou dois metros da tela, já pode separar a cadeira para sentar na frente da TV, pois isso será necessário se quiser aproveitar o jogo sem precisar forçar a vista. Ao comparar a versão de consoles com a de computadores, fica claro que não houve qualquer adaptação nesse sentido, o que é um problema sério.
Ainda assim, o esforço para que os comandos fossem possíveis com um controle muito mais limitado em quantidade de botões do que teclado e mouse é louvável. Qualquer coisa para além do que foi feito dependeria de um redesign muito maior e mais dispendioso do que simplesmente uma remasterização. Toda a mecânica teria que ser refeita, algo que certamente poderia até inviabilizar o projeto. Passado o pano, contudo, é notável que é necessário ter paciência e até um certo grau de resiliência para se aproveitar o jogo no Playstation 4. Funções até mais simples, como um simples avançar das tropas podem demandar muito mais do que o comando de selecionar todo mundo e clicar no ponto final.
Pelo lado positivo de ser um jogo originalmente anterior à sofisticações da modernidade, há poucas variantes e detalhes sutis, então na pior das hipóteses você vai fazer o que fazia em Warcraft II: manda o povo todo para o meio do exército inimigo e ver o pau quebrar até que sobre alguns poucos homens, seja de qual lado for. Todo o maior trabalho do jogador é criar artifícios para ganhar vantagem na preparação da batalha, como recrutar mais unidades ou posicionar os diferentes tipos delas em posições mais confortáveis. E esse trabalho, por mais braçal que seja, é sempre instigante. O tempo de jogo, claro, é outro, e não é possível esperar o nível de ação de jogos modernos de guerra. Mas funciona, é dinâmico o suficiente, e mesmo com algumas limitações, oferece uma boa gama de possibilidades de abordagem, mesmo que, dadas as condições certas, o melhor a se fazer acaba sendo sempre o bom e velho “quem pode mais chora menos” ou, em outras palavras, ganha quem tem mais soldados no confronto direto.
A estratégia, porém, nem sempre corre como planejado. A inteligência artificial é deficiente, e muitas vezes você vai se perguntar porque meia dúzia de arqueiros sai da formação para cair no meio da batalha campal, ou porque outra meia dúzia de lanceiros ficou parada mesmo com os inimigos poucos metros ao lado massacrando seu líder. O acompanhamento das batalhas em si é muito mais para sempre ajustar esses desvios de comportamento do que para reposicionar tropas, reelaborar abordagens em tempo real ou mesmo abortar missões desastradas. Tal como peões em um jogo de tabuleiro, suas tropas são bastante impessoais e bem desprovidos de qualquer reação mais avançada à situações imprevistas. Felizmente (ou não) o mesmo vale para as linhas inimigas, que pouco reagem a estratégias mais elaboradas e parecem muito mais zumbis correndo em direção ao inimigo sem qualquer traço de autopreservação.
Visualmente, também podemos perceber uma certa limitação. Talvez por esperar demais quando um jogo é relançado com essa alcunha padrão de “Remaster HD”, fiquemos um pouco decepcionados com texturas extremamente simplórias, personagens sem qualquer carisma e ambientes repetitivos à exaustão. A iconografia e mesmo a interface de HUD também são bastante comuns, sem qualquer destaque ou identidade, algo que inclusive independe da tecnologia e do investimento. É um jogo bastante direto e esteticamente cru. Mesmo a composição de cores parece muito aquém do potencial desta geração, e continua parecendo um produto pensado para monitores de tubo.
Ainda assim, há méritos na produção. Se é verdade que não há muita diversidade em termos de cenário, até pelo recorte histórico que faz, há uma representação muito interessante do período e das regiões retratadas. Vegetação e construções se mostram bem desenhadas, e alguns efeitos de clima são até bem legais. Parece inclusive que os méritos desta versão são muito mais oriundos do material base do que do trabalho de atualização gráfica para os dias atuais. Todavia, parece que não é mais suficiente para 2020, faltando muito em termos de iluminação, detalhamento de texturas e identidade estética.
O mesmo vale para animações de movimentação e principalmente, de combate, sem qualquer peso ou impacto. Ok, mais uma vez é importante lembrar que é uma remasterização e que as unidades, enquanto conjunto de indivíduos sem qualquer profundidade, é só uma massa, mas mesmo assim, falta imersão, falta relevância nas escolhas, inclusive aquelas que levarão, fatalmente, muitos dos seus homens à morte certa. Sim, você ainda pode decidir se importar com o que está acontecendo, e se permitir viajar para além de gráficos, animações ou eventos sofisticados, mas ainda assim terá que fazer um esforço a mais para se engajar.
A parte sonora também não colabora para uma percepção da grandiosidade temática do jogo. Os efeitos sonoros cumprem seu papel e a trilha musical é qualquer coisa corriqueira. Aqui, é tudo muito mais para cumprir o pré-requisito da ambiência do que, como poderia ser, incrementar no tom épico de batalhas monumentais, oferecendo nuances mais marcantes entre momentos de preparação e o ápice da missão, a batalha em si. Algumas passagens nos remetem sim a produções mais atuais dessa época nos games e no cinema, mas nada que ficará marcado, nada que você irá sentir necessidade de aumentar o volume da TV ou mesmo usar um headset de qualidade.
Por fim, a campanha do jogo, aquilo que nos move de uma missão pontual para outra, também não consegue se tornar interessante em si. A motivação do jogador é, sem dúvidas, no imediatismo da situação, no objetivo mais palpável. Se é necessário proteger alguém, é o que deve ser feito. Se a intenção é saquear um vilarejo e toma-la pra si, vamos em frente. O contexto fica em segundo plano, e as vezes não fica em plano nenhum. A conexão entre cada tarefa não chega a ser cativante o suficiente para nos importarmos com ela. Essa história, portanto, é uma desculpa quase imperceptível para conectar uma missão de cerco a outra de escolta, uma batalha campal ou a conquista de um território.
Como conjunto da obra, Praetorians HD Remaster sofre muito por ser um produto do seu tempo. Sim, todas as características que o fizeram ser um importante representante do seu gênero estão lá, para o bem e para o mal, e sabe disso é importantíssimo para se decidir investir dinheiro e tempo na produção. Ninguém vai buscar nele aquilo que não encontra em jogos modernos de RTS. Mas suas limitações, sejam técnicas, sejam da apresentação como um todo também o impedem de ser muito mais do que uma visita ao passado, uma viagem no tempo quando era o máximo do que a tecnologia poderia oferecer para esse formato, mesmo que jogos desse tipo sejam relativamente raros em consoles. Talvez o jogo funcione melhor como um documento histórico do que como uma experiência vívida e autêntica.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Kalypso Media.
Veredito
Praetorians HD Remaster é um clássico jogo RTS em todo o seu mérito, mas também em todas as suas limitações, sobretudo considerando a versão para PlayStation 4 e as características do DualShock 4 e do jogador de sofá. Tem suas vantagens, mas sofre em todos os aspectos – narrativos, audiovisuais e de jogabilidade – para dialogar com o momento atual, mesmo pertencendo a um gênero relativamente raro nos consoles nos dias de hoje.
Praetorians HD Remaster is a classic RTS game in all its merit, but also in all its limitations, especially considering the PlayStation 4 version and the features of the DualShock 4 and the couch player. It has its advantages, but suffers in all aspects – narrative, audiovisual and gameplay – to dialogue with the current moment, even though it belongs to a relatively rare genre on consoles today.
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