Entre todos os gêneros que possivelmente receberiam um revival em 2020, Real Time Tactics (ou Táticas em Tempo Real), definitivamente não eram o que eu esperava. Entre o fantástico lançamento de Desperados 3, as vindouras remasterizações de Commandos 2 e Praetorians, além de anúncios como a sequência de Shadow Tactics.
Se juntando a essa maré veio, para nossa surpresa, um jogo brasileiro. Criado pelo estúdio Zanardi&Liza em parceria com a publisher SOEDESCO e o seu estúdio interno, trata-se de um jogo fortemente influenciado pela série Commandos, casando diversos elementos de TTS tradicionais com uma enorme pitada de bom humor e muita nostalgia que há de agradar os jogadores mais apaixonados pelos anos 80 e 90.
O jogo te coloca no comando de um esquadrão de soldados desajustados que precisam se juntar para conseguir manter a paz mundial diante de uma ameaça jamais vista e que ameaça destruir todo o futuro da humanidade: o exército do Comandante Octopus e todas as suas tropas de octo-escória.
Sim, a premissa é bastante maluca. E sim, de alguma forma, ela funciona muito bem. A narrativa acaba funcionando de forma bem aberta e não-linear porque o jogo não é nem um pouco linear. O jogador é encarregado de derrotar os generais do Comandante Octopus que dominaram determinadas ilhas de uma região e pode fazer isso da forma como quiser, na ordem em que quiser.
A história então se desenvolve a medida que você vai progredindo na recuperação dessas regiões, aprendendo um pouco mais sobre o Comandante Octopus, os planos dele, seus generais e a relação entre o Comandante e o seu grupo de soldados. Não é uma história das mais revolucionárias, mas o que ela faz muito bem é te te fazer rir e se divertir, abraçando o absurdo de tudo o que tá acontecendo ao seu redor e usando isso ao seu favor.
A qualidade da forma como isso é escrito é bem impressionante, visto que escrever comédia de uma forma que seja genuinamente engraçada e de uma maneira natural na ambientação que se está usando é difícil. E é ainda mais para um estúdio independente que precisa lidar de vários outros aspectos do jogo, mas o que vemos aqui é um jogo que consegue entregar aquilo que parece ser seu objetivo: um grande filme de ação dos anos 80 que ficaria em casa na Sessão da Tarde.
O próprio nome do jogo estaria em casa na famosa sessão de filmes da Rede Globo. Traduzido literalmente como “Trabalho do Cão”, uma expressão que, em certas regiões do país, é atrelada a realizar trabalhos difíceis e ingratos, parece ser o nome perfeito para capturar o conceito por trás do que os agentes do jogo precisam fazer.
O jogador sempre tem controle sobre 3 soldados distintos em combates táticos em tempo real, usando o analógico esquerdo para selecionar o ponto no mapa para o qual eles irão se movimentar. Caso no caminho eles encontrem com algum soldado inimigo, seus soldados começam a atirar imediatamente até que um dos dois lados do conflito seja completamente derrotado.
Além de tiro, cada membro da sua equipe ainda conta com habilidades especiais e você pode usar ainda granadas e outros explosivos que podem ser comprados ou encontrados ao longo da exploração. As habilidades são bem variadas, com cada um dos personagens existentes no jogo (os três iniciais e os demais que podem ser desbloqueados a medida que você explora o mundo e captura certos pontos do mapa) sendo bem distinto e tendo efeitos variados no combate e na sua sobrevivência.
Aliás, dominar os pontos do mapa são fundamentais para conseguir afetar o combate do jogo. Dominar guarnições vão, aos poucos, cortando os suprimentos, as rotas de acesso a armas e campos de prisioneiros que os seus inimigos tem e, quanto mais fracos eles vão se tornando, mais forte você estará para enfrentar o chefe quando a hora chegar.
Além disso, você pode escolher alvos em específico para atacar, incluindo determinados itens no cenário que são destrutíveis. Há também a possibilidade/necessidade de usar determinados pontos do cenário como cobertura já que os inimigos podem de derrotar bem rapidamente caso você seja descuidado e não preste atenção no que tá fazendo.
Errar e morrer é parte do jogo e ele conta com um sistema de tentativa e erro bem interessante. Cada área possui diferentes formas de se resolver os vários pontos de interesse que precisam ser capturados, cabendo a você analisar como abordar cada situação. Não deu certo? Volta pra lá e tente novamente de formas distintas até que uma hora dê certo.
Tentativa e erro parece ter sido algo especialmente importante para os desenvolvedores, já que o jogo não conta com nenhum tutorial para nada. Tudo o que você vai aprender e descobrir no jogo vai ter que ser feito na marra, sem que o jogo te guie ou segure a sua mão para que você termine o jogo.
Isso é especialmente notório nos chefes, os quais cada um conta com a sua própria máquina de guerra gigantesca e uma estratégia distinta para ser derrotado. Eles conseguem ser especialmente desafiadores, mas sempre há uma forma de conseguir vencê-los e como se adaptar em meio ao combate para conseguir lidar com a situação, independente de quais soldados você tenha no seu grupo.
É uma estratégia ousada mas que funciona muito bem, ainda que em certos momentos você vá se sentir bastante perdido sobre o que é que você precisa fazer. Por outro lado, a sensação de êxito e conquista a cada ponto conquistado e cada sessão superada é muito grande, superando consideravelmente qualquer frustração que possa vir de eventuais falhas que o jogo possa ter por não te guiar com maior cuidado.
Um exemplo disso são coisas como os veículos que você pode destravar que, salvo se você prestar atenção nas claras dicas visuais que o jogo coloca na sua frente, você pode simplesmente ignorar e tentar seguir em frente em todas as áreas com o seu veículo blindado e pronto. Afinal, os veículos podem ser melhorados, então é fácil imaginar que ele é feito para lidar com tudo.
Por fim, é bom dizer que o jogo tem um estilo gráfico bastante agradável e nostálgico, com uma pixel art bem feita e que realmente consegue capturar a sensação que o jogo busca passar. A trilha sonora também enriquece bastante a ambientação e, se ambas não são das mais especiais já vistas, são feitas com bastante cuidado e são mais uma qualidade do título.
No geral, Dog Duty é um jogo bem divertido e que se recomenda para os fãs de Táticas em Tempo Real, fazendo tudo o que um jogo do gênero precisa fazer de forma bem competente e tendo seu próprio sabor bem único. É fácil usá-lo como mais um exemplo da crescente e talentosa cena de desenvolvimento nacional e mostra o quanto o futuro é brilhante para o cenário brasileiro.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela SOEDESCO.
Veredito
Dog Duty traz suas próprias mecânicas e ideias para um gênero em renascimento, fazendo mais do que o suficiente para se destacar. Parte disso é o quão desafiante e divertido o jogo é, mas muito vem da força da ambientação e do ótimo roteiro.
Dog Duty brings its own mechanics and ideas to a renaissance genre, doing more than enough to stand out. Part of that is how challenging and fun the game is, but a lot comes from the strength of the setting and the great script.
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