Manifold Garden – Review

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Quando você está de cabeça para baixo, na verdade está na lateral esquerda, e quando está no chão, na verdade está pisando na parede, mas quando está subindo uma escadaria, na verdade está descendo. Mas se precisar pegar aquela caixa lá no teto, é só andar até lá, por aquela janela, que na verdade é uma porta. E se você está achando que essas coordenadas são um tanto quanto confusas, esteja preparado porque elas são só a parte mais comum de Manifold Garden, jogo onde o bordão “cair para cima” faz todo sentido.

Ok, vamos analisá-lo de uma forma mais convencional: Manifold Garden é um puzzle game em primeira pessoa onde a principal característica é a maleabilidade das leis da física. Deste modo, o jogador pode caminhar por qualquer superfície presente no ambiente, e as definições de cima e baixo, direita e esquerda são, de fato, relativas. Relatividade, inclusive, seria o nome original do projeto, e o título não seria um exagero. Contudo, se no começo estamos somente tentando nos localizar no interior de uma construção – um prédio de apartamentos incomum, talvez – não tarda para que compreendamos que aquele mundo é muito mais maluco do que parecia. Estamos em um looping espaço-temporal que se leva muito a sério.

Temos um ambiente esteticamente minimalista onde o grande vazio de cores chapadas guarda uma série de padrões e repetições que estão para muito além de um “copia+cola”. A relatividade aqui não está presente apenas em uma percepção distorcida da gravidade e, desta forma, cada aspecto, cada novo mistério solucionado nos desafia a compreender sob quais regras estamos atuando. Não tarda para que encontremos uma infinidade de edificações improváveis que se erguem do nada e para o nada. Templos são articulados por escadarias em meio ao vazio, dispositivos são acionados por artefatos estranhos e as passagens secretas vão se desdobrando à medida em que alcançamos um novo nível solucionando enigmas e abrindo passagens para novos espaços, novas dimensões.

Ainda que até aqui pareçamos estar descrevendo a mistura entre um spinoff da franquia Portal e os filmes mais recentes de Christopher Nolan, o conceito apresentado é muito menos pretensioso – e talvez por isso mesmo mais interessante – do que se pode imaginar. Como que sem aviso, começamos essa aventura sem qualquer preparação. Compreendemos que o espaço onde estamos pode ser percorrido pelas diferentes superfícies simplesmente nos aproximando delas e pressionando um botão. Ou seja, começamos tudo isso compreendendo o ambiente quase que na pele um inseto: basta chegar na parede e subi-la.

Além dessa função, podemos acionar dispositivos – caixas coloridas a princípio – que, conectadas a uma porta ou passagem, as abre para um novo espaço. Até aqui, nada muito original. Só que basta começar a organizar objetos que percebemos que nós não estamos burlando as regras da gravidade ao subir pelas paredes ou caminhar pelo teto, mas sim alterando toda a gravidade desse universo. Ou seja, ao girar um ambiente em 90 graus, os objetos (uma espécie de frutos gerados por essas árvores singulares e coloridas), ou mesmo fluídos e outras traquitanas que ficarem soltos nas outras superfícies podem cair no que, nesse momento, é o chão, o ponto gravitacional pelo qual estamos caminhando. Complicado? Calma, vai piorar.

Ainda que o ponto-de-vista possa causar alguns desencontros de posicionamento e até imprecisão de controles, quando isto é necessário, não há uma falta mais grave aqui. O conceito do infinito em looping também não é só para estabelecer um distanciamento do que convencionamos entender como realidade, cima, baixo, etc. É parte da vivência no vazio. Afinal, se você precisa alcançar uma plataforma que está logo acima, mas não tem escadaria para subir, caia. Se a construção para a qual você pretende ir está logo a frente, do outro lado, caia para frente ao torná-la embaixo. E, confesso, mesmo sem qualquer pretensão de realismo estético, cair em Manifold Garden é das experiências mais vertiginosas que já tive jogando videogame, mesmo sem qualquer artifício de realidade virtual.

Felizmente, ainda que estejamos nos esforçando para criar uma filosofia barata em cima desse conceito, a experiência do jogo logo vai mostrar que, em si, essa possibilidade de mudar de plano para poder acessar aquilo que está além do alcance não chega a ser um problema, sobretudo em ambientes externos – até onde nossa percepção de mundo nos permitir entender o que é dentro e o que é fora também. Talvez seja por isso, por propor uma nova percepção de realidade, que o jogo é para se experimentar com tempo sobrando, sem a pressa costumeira. Moldar a percepção de realidade leva um tempo, e uma vez adaptado, é difícil largar mão. É o caso daqueles cinco minutinhos a mais que se tornam horas. Sempre há uma sala nova com um mecanismo diferente, sempre há uma nova dimensão absurdamente distinta da anterior.

Deste modo, a magnitude da experiência não está em conseguir adequar o jogo às nossas convenções estabelecidas da física, mas o contrário. O game se torna muito mais confortável – ainda que não menos desafiador – quando paramos de inconscientemente resistir às regras ali estabelecidas, quando nós moldamos nosso entendimento dimensional ao que está proposto ali. Mais difícil do que manipular a gravidade, portanto, é adaptar nossa mente a esse propósito.

Parte da complexidade apresentada no jogo é que, como se poderia esperar, nem toda sala é composta por 4 paredes, chão e teto, como um cubo. Na verdade, estes ambientes serão os mais raros a se encontrar. Degraus e dispositivos de múltiplo acionamento, interruptores milimetricamente planejados para fritar a mente do jogador e, mais tarde, outros recursos como superfícies não tão sólidas assim apresentarão uma série de obstáculos para se avançar na trama, ainda que não haja uma história – no sentido mais tradicional do termo – sendo contada. Como você pode conferir no nosso vídeo, que retrata os primeiros minutos do game, não vai demorar para encontrar puzzles onde vamos passar um bom tempo refletindo sobre possíveis soluções e, claro, muito empirismo.

Se em um primeiro instante os planos simplificados e a construção mais poligonal dos cenários (somadas a um vazio conceitual desses ambientes) podem dar uma sensação de esgotamento rápido, em algumas horas essa opção pouco convencional – sobretudo quando considerado o momento histórico de valorização de texturas e efeitos sofisticados de iluminação – se mostra um dos maiores pontos de identidade do projeto. Nada que está na tela é aleatório, nada é por acaso ou está lá para compor uma ambientação. As cores chapadas são confortáveis para identificação imediata e os efeitos de luz e profundidade são discretos o suficiente para facilitar a percepção do jogador, por si, dentro daquele espaço. Nada mais, nada menos do que isso.

Mais do que se apropriar das ideias minimalistas estabelecidas sobretudo nas escolas de artes plásticas do século passado, temos aqui uma releitura de um concretivismo visual como ainda não tínhamos visto, com a estruturação de padrões geométricos em formas assustadoramente suaves e sofisticadas, quase mosaicais, tão significativas por elas mesmas do que qualquer explicação mais racional. Essa percepção abstrata do mundo ali criado também está presente na sonorização pontual, com uma trilha contínua e suave que de tão discreta e hipnótica, chega a parecer que não está lá.

Este uso estratégico da composição artística do jogo significa que quaisquer mudanças aparentes tem importância estratégica no gameplay. Quando se alterna de plano e as cores das superfícies mudam, por exemplo, há algo a se prestar atenção. Se uma caixa se altera para uma cor mais viva, certamente estamos no plano onde esse objeto pode ser manipulado – pressionado ou carregado até onde desejamos que ele esteja. E se não bastasse saber em que plano ele funciona, logo entenderemos que ele, por si só, tem diferenças em suas próprias faces. Então, além de girar o plano por onde caminhamos, também será necessário conjugar essa função com a face adequada dos objetos manipuláveis. Pode até parecer uma forma complexa de se apropriar de um conceito tão simples… e de fato é.

A mecânica do jogo em si não é um problema, mesmo que tenha algumas arestas aqui e ali: bastam alguns poucos minutos e entendemos o que os parcos comandos disponíveis fazem – caminhar, olhar em volta, mudar de superfície, interagir com os objetos, correr e outras coisinhas mais – e como elas se relacionam. Não há uma grande dificuldade que esteja ligada a saúde, ou combates, ou qualquer outro aspecto para além dos puzzles em si. É possível que falte um certo artifício de feedback um pouco mais explícito, mas pode ser só a minha experiência anterior pedindo por mais espetáculo. Os desenvolvedores, acertadamente, decidiram se focar em explorar, ao máximo, a ideia nuclear do projeto, e qualquer outra perfumaria, seja ela estética, narrativa ou mecânica, tenderia para um exagero desnecessário e até nocivo à experiência proposta.

O mais importante de se compreender em Manifold Garden é que ele é muito rígido para com a base de qualquer bom game design: é fácil compreende-lo, é muito fácil jogá-lo, mas dominá-lo é incrivelmente complicado. É como uma lista de fórmulas científicas na contracapa de uma prova escolar: elas estão lá para um acesso muito fácil e a dificuldade é saber aplicá-la para resolver os problemas propostos. É possível que a rigidez do jogo em não oferecer qualquer tipo de dica mais descarada, ou ainda informações mais objetivas sobre o que está acontecendo ali possa desagradar alguns jogadores, mas mesmo que esse seja o seu caso, vale a pena dar uma chance e se engajar. E é neste simples, mas eficiente aspecto onde o jogo encontra sua maior potência, sua maior virtude.

Se como conceito o jogo tem muitos méritos, como produto acabado ele consegue fugir das armadilhas de se tornar auto-dependente de se explorar até o esgotamento. Quando você imagina que entendeu, há algo novo para dizer que ainda não é o caso. Ao lhe apresentar um novo e intrigante desafio, o jogo olha para você e reconhece a sua capacidade de chegar até ali, e essa satisfação pessoal só nos permite falar obrigado. De que jeito? Comprometendo-se com o que vem adiante.

Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela William Chyr Studio.

Veredito

Manifold Garden é, provavelmente, um dos melhores e mais ousados jogos de puzzle das últimas duas décadas. Remetendo aos maiores clássicos do gênero, consegue apresentar um conceito absolutamente simples tanto na parte estética quanto na de jogabilidade, mas que se desdobram, com o ritmo certo em belíssimos e engenhosos desafios.

90

Manifold Garden

Fabricante: William Chyr Studio

Plataforma: PS4

Gênero: Puzzle em Primeira Pessoa

Distribuidora: William Chyr Studio

Lançamento: 18/08/2020

Dublado: Não

Legendado: Sim

Troféus: Sim (inclusive Platina)

Comprar na

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Manifold Garden is probably one of the best and most daring puzzle games of the past two decades. Referring to the greatest classics of the genre, it manages to present an absolutely simple concept both in terms of aesthetics and gameplay, with the right rhythm in beautiful and ingenious challenges.

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Manifold Garden is probably one of the best and most daring puzzle games of the past two decades. Referring to the greatest classics of the genre, it manages to present an absolutely simple concept both in terms of aesthetics and gameplay, with the right rhythm in beautiful and ingenious challenges.

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