Metamorphosis – Review

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“A relação com seres humanos leva-nos a auto-observação”. Esta citação do livro Metamorphosis (ou A Metamorfose nas versões brasileiras), de Franz Kafka, é uma das várias frases do autor nas telas de carregamento do jogo homônimo e livremente inspirado na obra publicada pela primeira vez há mais de um século, em 1915. Ainda que, em um primeiro momento, possa parecer uma daquelas citações avulsas, não poderia ser mais oportuna sobre os eventos retratados no game, uma aventura improvável que poderia se parecer com mais um jogo de simulação da vida de um animal, como tantos que tem surgido nos últimos anos, mas que se mostra muito mais do que isso.

Na trata, incorporamos Gregor, que ao acordar em mais uma manhã comum começa a perceber que o mundo a sua volta estava ficando diferente, maior, e, quando se dá conta, percebe que se transformou em um inseto. Sem saber o que poderia estar acontecendo, vai perceber rapidamente que não há nada mais opressor e desafiador que atravessar uma gaveta mal arrumada. E para piorar, ainda se verá como expectador em uma trama policial, que envolve a acusação de seu melhor amigo por um crime misterioso. Tudo fica ainda mais complicado quando ambas as linhas narrativas se misturam e levam o jogador a uma busca pela famosa Torre.

Começamos a jornada passando pelos ambientes comuns de casa, como quartos, gavetas e estantes, mas como dito, este não é um simulador comum e ainda que não acompanhe os eventos narrados na obra original, trazem elementos fantásticos em um mundo muito particular onde essas criaturas invertebradas vivem em sua própria versão de sociedade. Gregor encontra pelo caminho uma série de tipos esquisitos, personalidades e burocratas. Essa busca pela verdade, portanto, será algo muito diferente de um passeio pelos buracos de uma construção e dará novos significados ao que compreendemos desta tal metamorfose.

Todo o jogo, incluindo cenas de corte e outras passagens narrativas, é visto em primeira pessoa. Jamais conseguimos ver a forma de Gregor, e nem mesmo sabemos se ele é uma barata, um besouro ou algo do tipo. Uma perspectiva muito particular para o jogador, bem próxima da superfície, que valoriza a amplitude dos cenários, em uma percepção que parece simular o efeito de lentes grande-angulares, que basicamente propiciam um alcance maior do campo de visão e, nesse caso, propõe uma sensação de maior pequenez diante um mundo tão amplo, vasto e desconhecido.

Não há, contudo, uma sensação imediata de perigo, já que não há conflitos físicos, nem componentes de combate aqui. O game não é especialmente desafiador, mesmo quando exige uma atenção mais dedicada a pontos de plataforma ou quebra-cabeças mais engenhosos. Os clichês de encontrar insetos maiores ou predadores foram evitados, e a jogabilidade de Metamorphosis se pauta muito mais na exploração e na resolução de puzzles narrativos, se assim podemos chamar. Basicamente, você explora os diferentes ambientes encontrados pelo caminho na busca de autorizações, carimbos, documentos ou para convencer outros habitantes a colaborar contigo (as vezes, fazendo favores a eles antes). Pois é, fosse um jogo com um humano como protagonista, não seria diferente de uma quarta-feira qualquer na vida de muitos de nós.

Toda essa engrenagem burocrática vista no jogo é apresentada de uma forma muito interessante ao projetar estruturas sociais ditas civilizadas nessas criaturas rastejantes, criando uma percepção bastante única, que nos permite o distanciamento para uma reflexão sobre nós mesmos, algo muito presente não só nesta, como em outras construções narrativas de Kafka. Curioso, portanto, que a citação que abre este texto nos dá uma nova perspectiva, a de observadores de nós mesmos. Afinal, todos os estranhamentos causados pela necessidade de um formulário para seguir adiante no mundo dos insetos não é outra coisa senão nos afastar do referencial para melhor observá-lo. Praticamente, a base da pesquisa científica das ciências humanas. Não deixa de ser irônico termos que nos transformar em insetos para nos enxergarmos como humanos.

Assim, por mecânicas simples, mas muito bem executadas, como caminhar, correr, saltar e subir nas coisas (única habilidade limitada, por assim dizer), que se pautam na exploração dos cenários em busca da solução de impasses, avançamos no jogo de forma bastante naturalizada, sem engasgos ou entroncamentos desnecessários. Ainda que haja algumas funções mais específicas, como girar um dispositivo aqui ou ligar um aparelho ali, na maioria do tempo você estará buscando chegar a algum lugar, ou alguém. É um jogo, deste modo, relativamente curto (3 ou 4 horas bem jogadas são suficientes para chegar ao final), mas que certamente o desafiará a buscar desdobramentos diferentes em novas investidas. Para os entusiastas da história a ser contada, há possibilidades e variações de final muito recompensadoras.

O estilo artístico, por sua vez, tem um elemento muito cartunesco, sobretudo para figuras humanas, que mais lembram uma junção entre o traço das animações do Timtim com a modelagem dos adventure games da Telltale, com uma pitada da ambientação de Bioshock. Pois é, talvez essa mistura não faça muito sentido, e as ilustrações que acompanham essa análise podem oferecer uma noção mais adequada do visual do game. O jogo abusa das cores e de filtros mais agressivos, até para favorecer os diferentes ambientes e suas inspirações no mundo real, mas sabe lidar bem com tons pastéis ou ambientes mais sombrios.

Ainda que as animações da movimentação de humanos e insetos sejam um tanto quanto simplórias, elas funcionam relativamente bem e atendem ao esperado. Com alguns cenários bem amplos e abertos para exploração, a modelagem de objetos comuns, como livros, tinteiros e restos de lixo ganham contornos de protagonismo, oferecendo perspectiva e garantindo a imersão no mundo criado. Cenários de fundo, contudo, carecem de um detalhamento mais rico, e nem sempre o horizonte valoriza a sensação de escala que o jogo tanto se esforça para nos dar em outros departamentos. Outro aspecto um tanto quanto frustrante é a diversidade dos habitantes desse mundo, se mostrando genérica e repetitiva. Claro, uma parede não tem lá uma grande diversidade biológica, mas faltou uma certa identidade para os NPCs, sobretudo aqueles com quem temos mais contato durante a campanha.

Quando se trata da iluminação em si, ela é bastante homogênea e funciona globalmente a contento, principalmente no mundo dito real, aquele que reconhecemos da vida humana. Já o universo dos insetos apresenta mais nuances, cores e aspectos mais sofisticados. Pela proximidade do ponto-de-vista, há texturas muito bem trabalhadas, com atenção especial a materiais – alguns escaláveis, outros não. Há um charme todo especial em objetos comuns e bobos, como palitos de fósforo acesos e fungos. Infelizmente, nem todos os ambientes são tão valorosos graficamente, ficando uma espécie de decepção para o quarto final do jogo, bem menos inspirado que o resto.

A ambientação sonora também sabe compor bem algumas canções “de elevador” com ruídos e efeitos de um micro-mundo. O som de caminhar ou dos “diálogos” dos insetos são especialmente característicos e podem até causar uma certa agonia aos mais sensíveis. Se você tem alguma fobia do tipo, certamente poderá se sentir incomodado, principalmente jogando com o som alto ou com headsets mais robustos. É uma mixagem competente, sem contudo ter um brilho mais especial, e faltaram momentos de quebra para valorizar pontos-chave da trama, como faziam os melhores thrillers investigativos do século XX no cinema.

Ainda que tenha, obviamente, a base da obra homônima, Metamorphosis se mostra muito mais aventureiro e até otimista em suas resoluções quando comparado ao produto original. O jogo ainda faz algumas referências a outros romances de Kafka, como O Processo e O Castelo, evidenciando uma óbvia paixão dos desenvolvedores para com a obra do autor sem serem pedante ou arrogante, e consegue equilibrar muito bem aspectos como estilo visual, jogabilidade simples e narrativa como centro da experiência. Para quem esperava, pelo trailer, encontrar uma aventura do tipo “Vida de Inseto” ou “Querida, Encolhi as Crianças”, Metamorphosis é uma completa antítese às aventuras mais infantis, ainda que não seja especialmente sombrio ou fúnebre. Ao estabelecer uma jornada bastante única, mesmo curta, consegue se destacar pela originalidade e profundidade alegórica como poucos games mais pretensiosos tentaram e não conseguiram.

Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela All In! Games.

Veredito

Metamorphosis é uma obra única, muito bem executada e com camadas narrativas que certamente agradarão os entusiastas de Kafka e seu legado. Aventureiro e com um ponto de vista narrativo bastante particular, o jogo se mostra uma experiência satisfatória, mas bastante curta. Esteticamente, tem suas limitações, mas as compensa com estilo e uma certa sensação de estranheza cheia de identidade.

75

Metamorphosis

Fabricante: Ovid Works

Plataforma: PS4

Gênero: Aventura / Ação

Distribuidora: All in! Games S.A.

Lançamento: 12/08/2020

Dublado: Não

Legendado: Sim

Troféus: Sim

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Metamorphosis is a unique work, very well executed and with narrative layers that are sure to please Kafka enthusiasts and his legacy. Adventurous and with a very particular narrative point of view, the game proves to be a satisfying, but quite short experience. Aesthetically, it has its limitations, but it compensates them with style and a certain sense of strangeness full of identity.

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Metamorphosis is a unique work, very well executed and with narrative layers that are sure to please Kafka enthusiasts and his legacy. Adventurous and with a very particular narrative point of view, the game proves to be a satisfying, but quite short experience. Aesthetically, it has its limitations, but it compensates them with style and a certain sense of strangeness full of identity.

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