A Fold Apart – Review

Em tempo de pandemia e de isolamento social, as emoções humanas são postas à prova das mais diversas formas fazendo com que as pessoas tenham contato consigo mesmas analisado seus comportamentos e a forma como lidam com sentimentos de amor, ciúmes e felicidade. Com o principal intuito de entregar jogos que sejam emocionalmente envolventes, a Lightning Rod Games conta com uma equipe com vasto conhecimento em jogos eletrônicos de estúdios famosos, mas que optou por um time de amigos e familiares que veem em um jogo a possibilidade de compreender o que cada pessoa tem de mais especial.

A Fold Apart é o mais recente título da produtora que com uma proposta de puzzle bem estruturada oferece com muita leveza uma reflexão sobre o amor entre duas pessoas bem como suas preocupações exigindo do jogador inteligência interpessoal para superar os obstáculos dessa relação. Sendo um jogo fortemente inspirado nas bases de diversos jogos indies, caberá o jogador resolver empecilhos em forma de quebra cabeças tradicionais para unir dois amores que buscam estabilidade e felicidade.

Toda a parte técnica de A Fold Apart pressupõe uma ligação emocional com o jogador que vai desde a identidade dos personagens até a música e as cores vibrantes. É possível afirmar que a desenvolvedora projetou o jogo quase como um livro interativo em que todos podem se inteirar da história e atribuir interpretações distintas a partir de como o título é entendido.

Tendo as sensações como objetivo principal, os atributos minimalistas da composição de um casal apaixonado são os elementos que vão permitir com que cada pessoa entenda a narrativa a partir das peculiaridades pensadas pelo estúdio. Sem a necessidade de se ater a nomes, personalidades marcantes e momentos de grandes reviravoltas, a ausência desses fatores é um triunfo do jogo, pois são capazes de provocar sentimentos profundos sem a necessidade de técnicas aprimoradas comuns em jogos da atual geração.

Ao iniciar a campanha, o jogo oferece quatro tipos de casais que pelas cores, roupas e  sorriso marcam a forma como percebem o mundo e interagem como namorados. A escolha de um estilo não revela somente as qualidades e expectativas do casal, mas também um pouco do perfil emocional de quem joga mostrando como percebe a relação amorosa entre duas pessoas. O fato de não possuírem nomes e nem uma voz característica contribuem para que a entrada na história seja feita pela emoção considerando o que cada pessoa pode trazer e entender sobre uma vida afetiva.

Seguindo o modelo de roteiro textual típicos do gênero, os conflitos internos do casal são expostos por conversas de texto via celular. Enquanto a personagem feminina trabalha como professora em sua cidade, o personagem masculino viaja a trabalho se distanciando da amada permitindo que a dúvida e emoções negativas deem lugar ao amor e à paz de espírito. Neste sentido, A Fold Apart realiza um trabalho competente com a linguagem fazendo com que todas as angústias sejam traduzidas em palavras que expressam a maneira como os casais se relacionam. Ao enviar uma mensagem para o namorado no começo do capítulo, a personagem escreve a seguinte frase: “Vou ficar sozinha hoje à noite assistindo TV”, o que causa uma super interpretação fazendo com que ele pense que a companheira já não quer mais sua presença e carinho. O trabalho com a linguagem é central no título e faz com que os protagonistas ganhem vida de uma maneira próxima à realidade visto que muitos casais, quando em início de relacionamento, amam intensamente, mas desconfiam de qualquer palavra ou frase que não interpretam bem.

Desenvolvido em formato scroll-lock, o desafio do game está em resolver puzzles justamente quando os personagens estão em momentos de tristeza. O jogador deve controla-los para esquerda ou direita encontrando o próximo desafio a ser resolvido sendo que os aspectos técnicos e de jogabilidade giram em torno do que está acontecendo no coração do casal de namorados.

Cada quebra cabeça possui elementos tradicionais de lógica e pensamento abstrato, porém é na forma de resolve-los que o título da Lightning Rod Games se destaca. Inspirado visualmente em jogos como Paper Mario e Animal Crossing da Nintendo, o jogo conta um sistema de dobraduras que modifica o cenário à medida que as dobras são feitas permitindo novas passagens e nova percepção do lugar.

A dificuldade desses quebra cabeças está na capacidade que o jogador tem de visualizar possibilidades de construção de plataformas fazendo dobras que podem reduzir, virar e mostrar um outro ângulo de visão que faça com que um dos personagens alcance a estrela que permite a sequência do jogo.

Os puzzles possuem um grau de dificuldade mediano e se mantém ao longo de todos os capítulos com inserção de novos elementos como blocos e plataformas que desaparecem conforme o jogo progride e outras estratégias precisam ser consideradas.

Algumas passagens podem ser mais complexas que outras exigindo que o jogador dobre o papel/cenário várias vezes para conseguir atingir uma plataforma ou que deixe o personagem no plano traseiro, dobre o papel para esconder um obstáculo e, por fim, traga-o de volta emendando a plataforma para formar um caminho.  Em outros casos, é possível pensar em diversos movimentos para uma estratégia bem pensada, mas que, na verdade, só necessita de uma percepção mais precisa para resolver o puzzle com dois movimentos.

Mesmo não tendo um nível de dificuldade elevado, o game incita o pensamento abstrato que constitui uma maneira menos usual de enxergar as formas geométricas e as leis da física trazendo possibilidades onde muitos enxergariam barreiras. Como forma de não prejudicar seu elemento chave que é a emoção, é disponibilizado um sistema de dicas que apresenta um passo a passo sobre a resolução do quebra cabeça. É permitido acompanhar os movimentos até a obtenção da estrela, porém é permitido que o jogador interrompa o tutorial a qualquer momento caso deseje continuar por conta própria sendo que esta decisão não causa nenhuma penalidade de jogo.

O visual de A Fold Apart não é de última geração com texturas realistas e alta definição potencializados por motores gráficos. A arte conceitual baseia-se em cores vívidas que pintam o cenário em forma de cidades, campos de flores e edifícios como se utilizassem de lápis de cor, giz de cera e tinta guache virtuais que se unem a todos os sentimentos do jogo proporcionando uma identidade única e acertada. Os detalhes das fases são realçados por uma iluminação que destaca partes do cenário como árvores, nuvens e as próprias plataformas dos puzzles que dão um toque artístico especial. Vale destacar que as dinâmicas de cores variam conforme a condição de cada personagem. Quando estão tristes, tons escuros e de cores frias se concretizam ao passo que quando refletem sobre a situação e ficam em paz, as cores quentes preenchem a fase fazendo o sol nascer e as flores desabrocharem sendo tudo realizado com delicadeza com a mensagem e com o momento.

Em sincronia com visual, a música de tonalidade melancólica que representa o momento inspirado pelos cenários e pelas emoções é composta basicamente pelo piano que está entre os instrumentos mais tradicionais e completos produzindo notas sonoras que inspiram e acalmam.  Em A Fold Apart, a composição musical também conta com instrumentos de percussão como suporte das notas emitidas pelo piano e entregam uma trilha sonora que reflete toda a dedicação dos produtores ao produzirem o game e ao prezarem por uma experiência emotiva. Os cenários repletos de cores e vida são uma poesia que tomam forma com a musicalidade e estão presentes em todo o jogo inclusive nos quebra cabeças. Entretanto, ao ficar preso em um dos desafios buscando a melhor maneira de realizar a dobradura e obter a estrela, a música de fundo perde a sincronia, pois o jogo pede concentração e habilidade lógica que não combinam com uma trilha carregada de comoção.

O ritmo de jogo está diretamente ligado ao gameplay e, como está pautado em resolução de puzzles, torna-se cansativo depois de um ou dois capítulos concluídos. Cada história que é contada na relação do casal de namorados inclui uma quantidade grande de puzzles que terminam em repetição ofuscando todo o trabalho artístico, visual e musical desenvolvido com maestria. Apesar de possuir uma jogabilidade descomplicada e que se resume ao apertar de alguns botões, é a quantidade de desafios que afeta o andamento narrativo do game tornando-o uma opção para se jogar em um curto espaço de tempo.Ao avançar pelas fases, pensar em soluções para os puzzles começa a parecer uma tarefa sem sentido que não é estimulada nem pela inserção de novos elementos enfraquecendo o fator replay que já é comprometido por conta do gênero.

Com cinco capítulos recheados de reflexão sobre a vida e os relacionamentos, A Fold Apart é um título convidativo tanto para um momento de isolamento quanto para aqueles tempos de stress e excessos. Tomar contato com a natureza humana e suas manifestações podem ser um caminho para uma vida de mais equilíbrio e satisfação quando se dá conta do que realmente é importante para cada um. O enredo com muito carinho e respeito ao ser humano e desenvolvido por um time multicultural pode ser um início dessa reflexão ao mesmo tempo que oferece diversão dentro de sua própria identidade e limitação.

Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Lightning Rod Games.