Não tem jeito, é inevitável: Saints Row é normalmente descrita como um GTA da zoeira nonsense. E, bem, ainda que possa ser uma redução de tudo o que a franquia tem a oferecer, é talvez a forma mais objetiva de se entender as ideias malucas por trás de cada um dos jogos da franquia. Mas felizmente, há elementos que se mostram muito mais do que uma versão menos realista, ou menos séria, do que vemos na série da Rockstar, e são eles que fazem com que essa remasterização do terceiro título da franquia seja lançada já no final da atual geração.
Saints Row: The Third Remastered é, portanto, uma versão repaginada do game original de 2011, um clássico shooter urbano em terceira pessoa de mundo aberto, cheio de missões insanas e, muitas vezes bizarras. Mesmo com quase 10 anos de carreira, é o titulo mais celebrado da franquia e esse banho-de-loja digital lhe fez muito bem em termos estéticos, ainda que muitos dos seus pequenos problemas como colisão, inteligência artificial bizarra, narrativa cafona e um design de missões um tanto datado, continuem intactos, para alegria (ou decepção) dos fãs. Mas vamos por partes.
O plot narrativo não é dos mais absurdos assim (sobretudo quando comparado com o título que veio a seguir, o Saints Row IV) e funciona da forma mais simples possível: depois de evoluírem de uma gangue de rua qualquer para uma organização reconhecida, praticamente uma franquia de licenciamentos (com direito a refrigerante, tênis e outros produtos derivados), a Third Street Saints se tornou uma referência, carregando consigo uma legião de fãs na decadente cidade de Steelport. Isso não passaria sem ser notado pelo Sindicato, organização criminosa que pretende rivalizar com os Saints pelo domínio do território e cabe ao jogador entrar nessa guerra territorial das formas mais insanas.
Não espere, porém, qualquer trama mais costurada, personagens profundos ou missões estratégicas. Tudo é bastante descompromissado, sem qualquer pretenso realismo, e feito exclusivamente para funcionar como parte de uma jornada maluca. Se em um momento estaremos em um reality show bizarro atirando em gente vestida de ursinho de pelúcia, em outro estaremos disparando mísseis de um helicóptero para proteger um brother, ou ainda lutando contra naves futuristas nas gravações de um filme de ação no melhor estilo John Woo. Cada missão destacada no seu inventário (das mais de 200 disponíveis no jogo) é uma surpresa interessante, ainda que sempre se resuma ao bom e velho tiroteio desenfreado.
E, para tanto, o sistema de gameplay permanece praticamente o mesmo de 2011. Nada muito sofisticado, mas continua como fruto do seu tempo. Saints Row: The Third Remastered pode parecer mais bonito, mas não engana: ele transpira a geração passada em todos os seus aspectos, e da forma mais simplificada possível. Os comandos padrão para seleção de armas, cobertura e corrida podem causar estranhamento em um primeiro instante, mas bastam alguns minutos dentro do mundo aberto do jogo para se acostumar com eles, ainda que em momentos de tensão, como a invasão de galpões ou em conflitos contra ondas de inimigos, possa haver algum enrosco por parte do jogador mais habituado a mapeamentos de comandos mais atuais.
A boa notícia, portanto, é que a jogabilidade do game continua intacta e descomplicada. Andar pela cidade com um carro roubado ou um dos veículos disponíveis na garagem (todos os que eram extras originalmente já estão liberados desde o princípio, como tanques de guerra, carros esportivos e motos-tigre) é divertido e quase nunca a imprudência tem alguma consequência mais séria, até por estarmos em uma cidade em decadência e com um sistema policial não lá muito confiável. Claro que tacar o caos trará consequências, e não demora muito para termos toda a força da lei atrás de nós, mas basta chegar ao destino ou entrar em casa para tudo voltar ao que podemos entender como normal.
Há alguns probleminhas mais irritantes que permanecem. A câmera nem sempre ajuda, e até elementos gráficos em certas missões acabam entrando na frente da sua visão e atrapalhando o que se vê. Em certos momentos, também é difícil conseguir um ângulo bacana para o tiro perfeito, e o desenho dos ambientes é pobre em estruturas para cobertura e ação mais cinematográfica. Não que isso importe tanto assim, já que tudo bem cair de um avião em pleno voo ou entrar na frente de um ônibus em movimento porque, afinal, o que é o mundo sem alguns arranhões, certo?
Falando em veículos, o jogo oferece uma liberdade considerável em termos de ação. Roubar carros no meio da rua – ou caminhões de lixo, porquê não? – ou pegar um monomotor no aeroporto para dar um rolê qualquer é só parte do que se faz nos momentos de bobeira. Saltos de paraquedas, ataques por satélite ou encontros aleatórios contra lutchadores mexicanos ou punks hi-tech são parte de uma segunda-feira fraca em Saints Row: The Third Remastered. E a melhor forma de aproveitar o jogo é exatamente como ele se apresenta: sem qualquer preocupação verdadeira com realismo ou coerência narrativa. Se o jogo oferece caos como proposta, então que seja o melhor caos do qual sejamos capazes.
O sistema de inventário, tal como o de suporte ao jogador (lista de missões, mapa, upgrades e tudo mais) também não é dos mais amigáveis, como já não o era em seu tempo. Estamos, talvez, acostumados com um nível de profundidade maior em jogos de mundo aberto mais recentes, sobretudo os RPGs, mas a dificuldade aqui de se entender prioridades ou mesmo os objetivos mais diretos de uma missão, ou de como crescer no jogo, é algo notório. Nada que atrapalhe, de novo, já que não é feito pra se levar a sério, e a interface é pra lá de nostálgica, mas faltam dados para que se conheça mais o mundo de Saints Row. Mesmo que seja uma zoeira que parece ter sido produzida com os melhores memes do gênero, eu gostaria de saber mais sobre esse lugar e sobre o que estou fazendo nele.
E se tudo no jogo, em termos de mecânica, parece tão autêntico como na edição original, o real motivo dessa remasterização está, como não poderia deixar de ser, em uma revisão profunda na parte estética. Temos modelos mais detalhados, sejam eles humanos, sejam objetos do cenário. Questões de iluminação funcionam de forma muito melhor aqui, e os detalhes de dia e noite estão incríveis. Efeitos de partículas estão especialmente bonitos, com explosões, chamas e fumaça pra todo lado. Por sua vez, aquela névoa padrão que sempre existe para não forçar a renderização de um mundo tão amplo parece ter dissipado, e andar de esportivo ou avião pela cidade se tornou um passeio ainda mais bonito.
Mas nem tudo é tão novo assim, já que as animações continuam meio robóticas, a expressividade dos personagens é a mesma de bonecos-de-cera em movimento e os NPCs parecem uma verdadeira gangue de clones. É notável que enfrentar os mesmos 4 ou 5 modelos padrão durante todo o jogo parece uma versão tridimensional de beat ‘n ups dos anos 1990. Claro que funciona como uma piada se consideramos os principais antagonistas do jogo, mas acaba se tornando repetitivo demais quando se encara hordas e mais hordas durante 20, 30 horas de campanha.
Destaque também para uma trilha sonora impecável, com várias estações de rádio rodando em cada veículo roubado. Há músicas clássicas e hits bem conhecidos, incluindo trilhas de grandes filmes dos anos 1980. Confesso que mesmo tendo veículos bem bacanas na minha garagem, faço questão de ficar pegando outros aleatórios no meio da rua só pra curtir o que está tocando. É muito divertido tentar fazer uma ligação entre o estilo do veículo com a música tema e, bem, Saints Row: The Third Remastered tem uma das melhores seleções musicais da indústria desde os clássicos Guitar Hero.
A dublagem e os efeitos sonoros são também muito adequados, e fiz a escolha pela voz de zumbi desde a primeira customização do meu personagem. E pareço uma criança de quinta série rindo a cada cena de corte onde os diálogos acontecem e tudo que meu protagonista consegue falar são grunhidos. A legenda se faz necessária, claro, e aqui um lamento: uma remasterização como esta precisava de uma versão em português brasileiro, ao menos em texto. Jogos em mundo aberto com tantas missões diferentonas são muito mais aproveitados quando se compreende tudo o que está se passando. Para quem consegue acompanhar ao menos o texto escrito em inglês, beleza, mas se você tem dificuldade com o idioma gringo, saiba que pode perder algumas das melhores (mesmo que envelhecidas) piadas do jogo.
Outro elemento que deve atrair quem jogou a primeira versão do game, ou mesmo quem nunca tinha colocado as mãos em um jogo da franquia, é que todos os DLCs lançados posteriormente estão incluídos no pacote. Como está tudo junto, é difícil dividir o que é original do que é extra em termos das missões, que vão surgindo ao longo da jogatina, mas a customização já é mais evidente. São dezenas de itens para deixar o seu personagem com a aparência desejada, e a grande maioria delas só faz com que ele pareça ainda mais surreal. O meu é, talvez, uma das versões mais sóbrias possíveis e, como você pode perceber ao longo das imagens nessa análise, é um péssimo exemplo de como se vestir para enfrentar inimigos no submundo do crime organizado.
Saints Row: The Third Remastered tem elementos que talvez não tenham envelhecido tão bem assim, sejam eles temáticos – algumas das missões tem questões politicamente incorretas até demais para os tempos atuais – sejam de jogabilidade – com alguns comandos e sistema de tiro e até dirigibilidade um pouco ultrapassados para os padrões modernos de mundo aberto de hoje em dia, estabelecidos pelo próprio GTA V ou por Watch Dogs, por exemplo. Mas a remasterização de um game com quase uma década (e que já não era o suprassumo do gênero mesmo em seu lançamento) não tinha como pretensão uma atualização profunda e sofisticada, ou uma experiência plena e definitiva, e sim reviver o descompromisso, a zoeira para além do esmero técnico. Com isso em mente, é impossível não se divertir com o game, seja jogando sozinho, seja em modo coop on-line.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Deep Silver.
Veredito
Saints Row: The Third Remastered não é, definitivamente, um jogo para se levar a sério. Dito isso, traz uma experiência divertidíssima, com uma jogabilidade descompromissada aliada a um mundo vasto de opções, atualizado com visuais mais adequados a esta geração atual, mesmo mantendo algumas de suas características narrativas originais. Não está salvo de probleminhas estéticos, narrativos e de gameplay, mas funciona como uma revitalização da fanfarronice nonsense que se tornou a marca maior da franquia e, relevando-se alguns elementos bem datados, é uma ótima opção, principalmente para quem nunca experimentou a versão original.
Saints Row: The Third Remastered is definitely not a game to be taken seriously. That said, it brings an extremely fun experience, with uncompromised gameplay combined with a vast world of options, updated with visuals more suited to the current generation, while keeping some of its original narrative characteristics. It is not free from aesthetic, narrative and mechanical problems, but it works as a revitalization of the nonsense kitschy boast that has become the biggest feature of the franchise and, putting aside some dated elements, it is a great option, especially for those that never tried the original game.
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