Com o crescimento do gênero de Visual Novels no Ocidente, mais e mais desenvolvedores independentes tem se visto motivados a criar suas próprias versões do famoso e tradicional estilo narrativo japonês, sem incorporar mecânicas mais aquéns aos adventures e mantendo-os bem em linha com o que se espera de uma VN, com as próprias características e maneirismos da cultura ocidental, tornando-os um misto interessante entre ambas as culturas.
A grande maioria desses jogos tem sido encaixados no sub-gênero dos Dating Sims, ou simuladores de namoro, onde a maioria das respostas do jogador o vão guiando para rotas onde o grande “prêmio” é o relacionamento com um dos vários personagens existentes no jogo, com cada rota estando ligada a isso.
Exemplos de jogos assim tem sido cada vez mais comuns no Ocidente e têm alcançado um nível de reconhecimento surpreendente, como os populares Doki Doki Literature Club, Dream Daddy, Katawa Shoujo, Ladykiller in a Bind e VA-11 Hall-A. Buscando se juntar a esse hall de ótimas experiências narrativas, Arcade Spirits chega agora ao PlayStation 4.
Desenvolvido pela Fiction Factory Games, estúdio recém-fundado e que tem Arcade Spirits como seu primeiro projeto, e publicado pela PQube, o jogo busca ser uma visual novel de “comédia romântica”, inspirado pela leveza narrativa tradicional a esse gênero cinematográfico enquanto se foca em uma ambientação mais voltada a indústria de videogames, com parte dele se passando em uma loja de arcades, os famosos fliperamas.
Uma das primeiras coisas que chama a atenção em Arcade Spirits é o quão inclusivo o jogo tenta ser. Logo de cara você é convidado a customizar o seu personagem, mesmo que com opções bem limitadas, escolhendo o seu nome, o pronome de tratamento pelo qual será chamado (entre he/she/they), estilo e cor do cabelo e a cor da sua roupa. É um pequeno detalhe, mas raramente visto em jogos e que chama a atenção.
A história em si se passa no ano de 20XX, um mundo um pouco “futurista” em que os videogames e os arcades ainda fazem bastante sucesso e a sociedade segue basicamente a mesma que é hoje, apenas com algumas pequenas novidades tecnológicas como muito mais neón e telas de celular que projetam imagens em 3D.
A história começa com a personagem do jogador retornando para casa logo após perder o seu emprego de salva-vidas da piscina comunitária e sem perspectivas de como encontrar uma nova ocupação ou do que fazer com a sua vida no geral, um sentimento especialmente fácil de se compreender em tempos atuais (talvez até fácil demais) quando a sua colega de quarto, Juniper, a recomenda um aplicativo que funciona como “life-coach” e assistente pessoal (a versão freemium dele, ao menos).
A partir daí, caso o jogador decida usar o aplicativo para, nas palavras dele, “encontrar um emprego, encontrar o seu par perfeito e realizar os seus sonhos”, a vida da protagonista muda completamente de rumo, saindo aos poucos de uma jovem ser muita perspectiva e, sinceramente, sem muito gosto por viver, para uma vida que vai tomando rumos completamente inesperado e cada vez mais interessantes.
O nome do jogo vem do fato dele girar em torno de um pequeno arcade chamado Funplex cheio de fliperamas clássicos onde a protagonista acaba indo e conhecendo vários jogadores profissionais, pessoas buscando quebrar recordes em jogos antigos, operadores dos fliperamas e cosplayers, todos buscando o mesmo que você: entender e realizar os seus sonhos, tudo dentro dessa pequena comunidade que vai se formando dentro e ao redor daquele lugar.
O roteiro como um todo não tem nada de muito especial, mas é uma história bem interessante, cheia de bons momentos e é possível sentir o carinho e cuidado que os roteiristas tentaram colocar na narrativa. O tema central de “jovem buscando o seu sonho” é, francamente, bem clichê, mas ele consegue funcionar bem como um todo.
Cada rota é consideravelmente distinta uma da outra, com o jogo oferecendo todo tipo de personagem distinto a ser romanceado, do retrogamer barbudo à colega de trabalho tímida e explosiva, passando pela campeã de eSports, o contador bonitão… Todo tipo de personalidade está presente aqui e há um enorme foco em representatividade, algo muito bem-vindo e bem realizado, tratando todos como personagens de verdade, dentro de um contexto mais leve e de comédia, sem transformá-los em estereótipos presentes só para “preencher uma cota” ou qualquer outro tipo de argumento.
Não é para dizer que o jogo não carrega a sua mensagem de inclusão e representatividade como uma bandeira importante, mas da mesma forma que em 2064: Read Only Memories elas são apenas uma parte da história geral, com o gênero e sexualidade dos personagens sendo apenas uma parte de quem eles são, tal qual na vida real, junto com a personalidade e quaisquer que sejam os sonhos, interesses, ambições e sonhos que vão, eventualmente, te fazer se apaixonar por um deles (ou todos, especialmente se você quiser platinar o jogo).
Naturalmente, uma visual novel se ancora em dois pontos principais: a sua história e a sua arte. E enquanto em outros jogos certos vacilos de roteiro acabam se tornando “perdoáveis”, em um jogo em que basicamente só o que você tem é o diálogo e os monólogos da personagem, Arcade Spirits acaba cometendo alguns erros que afetam a experiência como um todo.
E isso surge na forma de vários momentos em que os diálogos parecem saídos de alguma fanfic do Spirit Fanfiction (ou o seu equivalente americano), o que talvez seja um problema do histórico dos autores (Stefan “Twoflower” Gagne é um famoso roteirista de módulos de Neverwinter Nights e fanfics de Ranma ½) e um vício que pode ter sido carregado para aqui e que, possivelmente, será corrigido em VNs futuras.
Por outro lado, esse mesmo estilo de escrita é o que acaba dando identidade ao jogo, fazendo com que vários dos momentos que, a primeira vista, pareceriam exageradamente “cringe” acabem funcionando com uma espécie de pureza sincera. Há um ar bem leve e divertido ao redor de todo o jogo e toda a história, tentando abordar com bastante cuidado e sinceridade dilemas que realmente afetam jovens e jovens-adultos hoje em dia.
O outro lado da equação é a sua arte e aqui Arcade Spirits tem uma identidade bem única. Ele tenta misturar um estilo de arte 2D ocidental com alguns leves toques mais orientais, sem realmente se distanciar tanto assim do que nós estamos acostumados a ver, alcançando um equilíbrio muito bom nos modelos de personagem e conseguindo também aqui trazer uma interessante variedade de tipos físicos e personalidades distintas muito bem capturadas pelos traços dessas artes.
Isso não quer dizer que sejam as artes mais incríveis e impressionantes já vistas em uma visual novel, mas o trabalho é bem feito e se encaixa bem com o ar e estética geral do jogo, fazendo com que ambos os seus pontos mais importantes consigam trabalhar em harmonia e entregar um resultado capaz de agradar os jogadores que não estejam procurando por uma obra super-séria e que estejam abertos a um estilo gráfico um pouco fora da norma.
No geral, Arcade Spirits consegue ter sucesso em sua missão de entregar uma visual novel de “comédia romântica” e abordar o seu tema de “correr atrás dos seus sonhos”, tendo um ar bem leve e diálogos bem divertidos, com uma quantidade até bem impressionante de escolhas (que são basicamente o único elemento de “gameplay” nesses jogos), mesmo que não seja a mais memorável das visual novels existentes no mercado, marcando mais um êxito nessa crescente vertente de VNs ocidentais.
Veredito
Leve e divertida, Arcade Spirits é mais um bom exemplo da direção em que as visual novels ocidentais parecem estar seguindo, entregando uma experiência inclusiva, interessante e com uma bela mensagem, ainda que não seja nada muito memorável.
Fun and light-hearted, Arcade Spirits is another good example of the direction that western visual novels seem to be heading into, delivering an inclusive, interesting experience with a beautiful message, even if it isn’t that memorable.
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