Acompanhar o crescimento em popularidade da série Yakuza ao longo da última década tem sido um das histórias mais fascinantes sobre a indústria de videogames. Antes vista como algo extremamente de nicho e com dificuldades até mesmo de se ter certeza se haveria público para justificar que os próximos jogos fossem localizados (e muitos dos spin-offs não foram), desde o arrebatador sucesso de Yakuza 0 ela evoluiu em algo muito maior, ocupando mais espaço na consciência coletiva dos jogadores.
É claro que muito do quão bom Yakuza 0 é se deve a constante evolução da série, com vários ajustes sendo feitos ao longo dos jogos lançados para PlayStation 3 (Y0 foi o penúltimo jogo da série para PS3, ainda que essa versão tenha ficado restrita ao Japão) e que o levaram de “sucessor espiritual” de Shenmue ao completo desenvolvimento da sua própria identidade que a levou ao status atual.
É buscando capitalizar então no aumento da popularidade da franquia que a Sega lança agora a Yakuza Remastered Collection, trazendo para o PlayStation 4 os únicos três capítulos da jornada do Dragão de Dojima, Kazuma Kiryu que, até então, não eram jogáveis no console atual da Sony: Yakuza 3, Yakuza 4 e Yakuza 5.
A primeira coisa que precisa ser analisada em relação a essa remasterização é a questão técnica e, nesse ponto, ela se alinha muito com as mesmas ressalvas que já haviam sido feitas em uma outra coletânea bem parecida da Sega, a Bayonetta & Vanquish 10th Anniversary Bundle. Muito do trabalho que se vê aqui se refere a melhorias de filtros, com os jogos todos rodando em 1080p e a 60 quadros por segundo (mesmo que Y3 ainda sofra com slowdowns), sem muitos reajustes em relação aos ambientes, sombras e outros pequenos detalhes, algo que acaba se justificando pelo tamanho do jogo em si. O que não se justifica é que as sessões do jogo em FMV não tiveram qualquer reajuste, sendo os mesmos das versões originais, sendo algo bem decepcionante.
É claro, mesmo esses mínimos ajustes são suficientes para tornar os jogos muito mais bonitos, em especial com os modelos dos personagens (que já eram impressionantes mesmo no PS3), além de claras melhorias na navegação pela expressiva redução dos tempos de carregamento. Além disso, a melhoria na taxa de quadros significa que o combate de todos os jogos flui muito mais rapidamente, capturando ainda melhor a ideia de “modernização” dos beat ‘em ups clássicos.
Talvez a maior e mais expressiva mudança que essas remasterizações tem para os jogadores ocidentais vem na forma de uma completa revisão da localização dos jogos, melhorando exponencialmente a tradução para se tornar mais fiel ao material original e manter as suas características mais “japonesas”, incluindo nomenclaturas e terminologias anteriormente alteradas. Talvez o jogo que mais se beneficie disso seja Yakuza 3, visto que o seu lançamento original foi extremamente criticada por cortar vários conteúdos da versão japonesa, incluindo substories e hostesses, tornando a experiência consideravelmente pior em sua versão ocidental.
Por fim, temos alguns pequenos ajustes de qualidade de vida em relação ao display, alterando-os para ficarem mais semelhantes a forma como os jogos posteriores lidam com eles, além da possibilidade de se ver as substories desde o começo no mapa e a adição de itens especiais caso o jogo reconheça saves de outros jogos do Ryu Ga Gotoku Studio em seu HD.
Tudo isso seria inútil se os jogos em si não valessem a pena serem (re)jogados e, se você já jogou algum dos jogos da série, você sabe que eles valem muito a pena. Enquanto há um pouco de dificuldade de se começar a série por algum desses jogos (apesar de Yakuza 4 ter sido o meu primeiro contato com ela ainda no PS3), eles contam histórias contidas em si muito boas, ainda que exista um arco geral passando por toda a série sobre a constante evolução do Kiryu e a forma como ele lida com os desafios que vão sendo postos em seu caminho.
Yakuza 3 se passa quatro meses após a conclusão de Yakuza Kiwami 2 e se foca na história do Kiryu após assumir uma vida mais pacífica no comando do orfanato em Okinawa onde ele cresceu, partindo para morar lá com a sua filha adotiva, Haruka Sawamura, enquanto ele deixa o Tojo Clan nas mãos do sexto Chairman, Daigo Dojima, e pedir ao seu amigo e rival de longa data, Goro Majima, para auxiliá-lo.
É claro, como todas as vezes em que o Kiryu tentou fugir da sua vida na Yakuza, os problemas eventualmente conseguem encontrá-lo, trazendo Kiryu de volta para as várias intrigas que cercam o seu antigo clã e o obrigando a agir para tentar garantir a segurança daqueles que ele ama. Muito do que consegue sustentar Y3 hoje em dia (ele foi lançado no Japão em 2009 e no Ocidente em 2010) é a sua narrativa, ancorada em personagens incríveis e uma trama com várias reviravoltas bastante interessantes.
Por outro lado, o combate é bem mais simplista do que o que a série viria a ter ao longo dos anos, talvez sendo o mais distante que veríamos do que eventualmente o combate se tornaria com a implantação da Dragon Engine. Muitos dos elementos básicos da lógica de combate, com ataques fracos e fortes, combos, o uso de itens e armas e as Heat Actions estão presentes, mas ainda sem o mesmo espetáculo gráfico que viria a estar presente na série.
As batalhas ocorrem de maneira bem simplista, com inimigos aparecendo à medida que o jogador vai explorando Kamurocho e Okinawa. Após derrotá-los, vai se ganhando pontos de experiência que, após subir de nível, vão desbloqueando pontos que podem ser trocados por novas habilidades que vão aos poucos tornando o combate ainda mais profundo. É possível ainda treinar com três mentores distintos que vão destravando novas habilidades únicas para o combate.
Enquanto Yakuza 3 é o jogo mais “mal polido” dentre todos os disponíveis da série no PS4, ele ainda merece ser jogado pela sua história e pela vasta quantidade de conteúdo “novo” incluso nessa versão que até mesmo vários veteranos não tiveram contato por causa dos já mencionados problemas da versão de PS3. Ainda assim, avançar para Yakuza 4 é uma clara demonstração do quanto a série consegue mudar e crescer com cada novo jogo.
Y4 é um jogo muito mais ambicioso e grandioso do que o seu antecessor. Um dos principais aspectos em que isso se revela é nas claras melhorias do combate, usando os mesmos elementos básicos que Y3 mas tornando-os muito mais refinados, com muito mais estilo em sua apresentação, interface de usuário melhorada e com uma gama de ataques e Heat Actions muito maior.
Mas o que torna Y4 um jogo maior (e melhor) é o quão ambiciosa a sua narrativa é, tirando o “peso” de protagonista das costas única e exclusivamente do Kiryu e o partilha entre quatro personagens, cada qual com sua própria história se conectando em diversos pontos com as demais, movidos em razão de uma grande trama envolvendo policiais e políticos corruptos e gananciosos.
Cada um dos quatro personagens controláveis, o querido Dragão de Dojima, Kazuma Kiryu, o agiota Shun Akiyama, o membro da Sasai Family, Taiga Saejima, e o policial Masayoshi Tanimura. A dinâmica com os quatro personagens explorando Kamurocho a sua própria maneira funciona incrivelmente bem e todos os quatro arcos são muito bem contados, com histórias que merecem ser vistas e que, mesmo uma década após o seu lançamento, resiste muito bem ao tempo.
Mesmo com Y4 sendo um jogo incrível e incrivelmente longo, de alguma forma, Yakuza 5 consegue ser ainda maior e melhor, quase que efetivamente dobrando o tamanho do jogo anterior. Ao invés de se focar apenas em Kamurocho, dessa vez o jogo se estende por outras quatro cidades: Sotenbori em Osaka, Tsukimino em Sapporo, Kineicho em Nagoya e Nagasugai em Fukuoka.
Com o aumento da área a ser explorada, também temos o retorno da mecânica de controle de vários protagonistas, dessa vez colocando o jogador no controle de 5 diferentes personagens, sendo eles os já conhecidos Kazuma Kiryu, Shun Akiyama e Taiga Saejima, com a adição de um novo personagem, Tatsuo Shinada, um ex-jogador do Nagoya Wyverns, e a possibilidade de controlar pela primeira vez na série a filha adotiva do Kiryu, Haruka Sawamura, em sua jornada para se tornar uma idol.
A história gira em torno de como os cinco protagonistas se vêem envoltos na crescente ameaça de guerra entre o Tojo Clan e a Omi Alliance após a trégua entre ambos começar a sofrer com a aparente morte de Tsubasa Kurosawa, o sétimo diretor da Omi Alliance. Para isso, o Tojo Clan passa a tentar realizar diversas alianças com organizações de outras grandes cidades no Japão, quebrando regras tradicionais da Yakuza. Naturalmente, Kiryu é arrastado de volta ao Tojo Clan e os demais protagonistas aos poucos vão se vendo ligados a essa mesma trama.
É impossível resumir o quão grandiosa, envolvente e surpreendente a história de Yakuza 5 é. Enquanto existem alguns pequenos problemas envolvendo o ritmo dela, muito pelo quão extensivos os 21 capítulos do jogo são, ainda é uma experiência única e absolutamente maravilhosa, muito enriquecida pelas diversas atividades existentes no jogo, com cada cidade tendo a sua própria identidade e um grande rol de pequenas atividades secundárias que, quando casadas com a história, facilmente alcançam perto da centena de horas de jogo.
Por fim, outra importante melhoria que Y5 apresenta vem na forma da mudança da engine utilizada. Enquanto Y3 e Y4 são construídos sobre a mesma base, Y5 se vale da engine que viria a ser utilizada em Yakuza 0, Kiwami e em Fist of the North Star, entregando um jogo muito mais bonito e tecnicamente fluido do que os anteriores. Mesmo sendo lançado em 2012 no Japão, esse é claramente o jogo que envelheceu melhor entre eles, sendo ainda muito bonito.
Onde essa melhoria técnica mais brilha é nos vários sistemas de jogo, muito melhores do que em seus antecessores. Enquanto a base do jogo é a mesma, os controles funcionam muito mais fluidamente e a inclusão de transições mais limpas tornam o combate melhor integrado ao jogo. Ainda assim, ele conta com algumas adições notórias que enriquecem bastante a experiência e tornam cada protagonista único.
A primeira delas é a inclusão de três novos sistemas ao combate. O primeiro deles é o Heat Climax, uma variação das Heat Actions controlada por inputs de botões que é ativada quando determinadas condições especiais são alcançadas. Além disso, Kiryu, Saejima, Shun e Tatsuo contam com técnicas especiais únicas a cada um deles, captando muito bem o estilo de combate deles e dando ainda mais personalidade aos capítulos de cada protagonista.
Nota-se que a Haruka não possui um estilo de combate. Isso se dá porque as batalhas dela não são com os punhos, mas de dança. A inclusão de Dance Battles funciona de forma distinta as batalhas comuns, com a Haruka podendo “enfrentar” as batalhas de dança em Osaka, o berço da Dança de Rua Japonesa, se valendo de cinco estilos de dança diferentes: Hip Hop, Jazz, House, Rock e Idol, em uma espécie de jogo de ritmo.
No geral, todos os três jogos merecem ser jogados por serem incríveis jogos de Ação/Aventura e são um incrível espelho do quanto a série evoluiu, mas são especialmente interessantes de se observar com o contexto do lançamento recente de Shenmue 3, não só pra se pensar no que poderia ter sido com aquela série, mas realmente como uma ode ao talento e dedicação do Ryu Ga Gotoku Studio para transformar uma franquia que lutou bastante para se tornar uma das melhores e mais incríveis experiências da indústria.
Veredito
Apesar da remasterização em si contar com alguns problemas e sendo meramente adequada, isso não tira do quão incríveis e impressionantes os jogos dessa coletânea são, permitindo a jogadores que só recentemente tiveram contato com a série a jogar alguns dos seus melhores jogos.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela SEGA.
Veredito
Despite the remaster by itself having a few problems and being just reasonable, it doesn’t take away from how incredible and impressive the games in this collection are, allowing players who just recently had contact with the series to play some of its best games.
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