Escrever a análise de Shenmue III parece algo surreal. O motivo disso é que os fãs (eu sendo um deles) esperavam por essa sequência há quase 20 anos. Entenda: há inúmeras séries que morreram com o passar dos anos, mas as suas histórias foram basicamente concluídas. Shenmue II terminou em um momento que parecia que tudo seria explicado e ficou nisso.
Shenmue, desde o início, era um projeto ambicioso. O título buscava ser um simulador da vida real, enquanto contava a história do jovem Ryo Hazuki. O primeiro Shenmue foi o típico “ame ou odeie”. O realismo estava lá, porém a progressão do jogo era incrivelmente monótona. Odeio dizer isso, mas “não era para qualquer um”, no sentido de que quem queria mais ação ou controles menos “travados” poderia se decepcionar. Quem aceitava esses elementos, encontrava um jogo mágico.
Com Shenmue 2, o ritmo ficou mais acelerado e a história se desenvolveu mais rapidamente, porém os jogadores que já tinham experimentado seu antecessor não tinham interesse em conferir a sequência. Some a isso o fato de que o Dreamcast estava na UTI e o Xbox ainda não era um console popular e temos que a série não vendeu o esperado para que a SEGA continuasse a investir no seu (caro) desenvolvimento. Dessa forma, Shenmue ficou na geladeira por 20 anos, até que uma campanha no Kickstarter anunciada em 2015 trouxe o título à vida.
Explicada essa história, podemos falar do terceiro jogo. É importante contextualizar esse projeto pois Shenmue 3 passa fortemente a sensação de um game que deveria ter sido lançado há muito tempo.
Muitos de seus elementos foram modernizados (as paisagens são muito bonitas e os controles continuam “tanques”, mas bem mais leves e soltos), porém uma quantidade enorme de elementos são os mesmos de décadas atrás. É justamente pisar em vidro: os puristas poderiam se irritar com evoluções demais, mas querer agradar apenas uma parcela e não evoluir o seu jogo foi uma decisão equivocada dos desenvolvedores.
Shenmue 3 continua a história de Ryo Hazuki. É difícil explicar como ele chegou a Bailu, um pequeno vilarejo fictício da China (talvez a única localização inventada de toda a série), sem entrarmos nos spoilers dos outros dois títulos. Dito isso, é importante que você jogue os anteriores (existem remasterizações no PS4) ou veja pelo menos o vídeo que resume a história até aquele momento (está disponível em Shenmue III e você pode ver no início desta análise).
No passado, o diretor Yu Suzuki deixou claro em várias entrevistas que Shenmue teria diversos episódios. Como não é uma informação exatamente pública quantos capítulos são exatamente (cada entrevista dirá uma informação distinta), o que é certo afirmar é que Shenmue I contou um episódio previsto e, quando a equipe viu que não poderia seguir o plano original de vários jogos, acelerou o passo com Shenmue II, oferecendo cerca de 3 ou 4 episódios. Considerando isso, acreditava-se que Shenmue III avançaria bastante na história também – ainda mais que seu antecessor – ou até mesmo encerraria a saga de Ryo. Isso não aconteceu e é aqui que começa um dos problemas do jogo.
Shenmue III é tão lento quanto o primeiro Shenmue em sua progressão. Parece que a lição aprendida com Shenmue II foi esquecida e voltamos à estaca zero. De uma maneira geral, a história do game explica alguns pontos importantes da saga, principalmente no que se refere aos Espelhos do Dragão e da Fênix. Mas ainda assim são informações vagas e que um Shenmue IV, V, VI, etc, precisarão explicar.
A progressão lenta não está apenas no avanço da história como um todo. Em Bailu, Ryo precisa coletar informações sobre bandidos que estão aterrorizando a vila. Se você jogou o primeiro game, já imagina como isso funciona: perguntar para diversos NPCs o que eles viram a respeito. As informações obtidas sempre são poucas e até você enxergar o cenário geral demora – e muito. Serei direto ao ponto: chega a ser entediante. Além disso, muitos pontos de Bailu são inacessíveis até que você avance na história. Isso é um pouco triste para um jogo que busca ser realista.
Fazer exatamente a mesma coisa duas vezes é algo pior ainda. Depois que você concluir tudo que precisa ser feito em Bailu, Ryo chegará em uma grande cidade portuária chamada Niaowu. A estrutura da história nela será quase a mesma que em Bailu: há bandidos aterrorizando os cidadãos que Ryo precisa impedir. Em ambas as localizações há um líder dos bandidos que é mais forte que Ryo. Cabe a você encontrar um mestre de artes marciais para que ele ensine uma técnica específica e possa vencê-lo. É interessante isso (passa um ar de Shenmue), mas repetir a mesma história com mínimas alterações, ainda mais no ritmo que estou tentando deixar claro, é um tanto quanto triste.
Enquanto o ritmo e a história de Shenmue III são decepcionantes, o combate consegue ser pior ainda.
Caso não se recorde, Yu Suzuki é responsável por Virtua Fighter, um excelente jogo de luta que, infelizmente, também está no limbo. O combate de Shenmue nos dois primeiros jogos possui mecânicas que lembram Virtua Fighter de diversas formas, o que acabou sendo um dos seus pontos mais positivos.
Shenmue III joga tudo pela janela e nos apresenta algo chato e que não exige habilidade alguma do jogador. No caso, é uma mecânica inspirada em RPGs clássicos, mas que foi mal implementada e que exige muita repetição por parte do jogador até que se torne interessante.
Vamos por partes: Ryo precisa melhorar seu Kung Fu para evoluir e vencer as lutas em Shenmue III. Para isso, ele deve frequentar o dojo e treinar. Há duas formas distintas de treino: as habilidades e a resistência.
A resistência pode ser aprimorada de três diferentes formas de treino: posição do cavalo, soco de uma polegada e passo do galo. São três mini-games que você repete constantemente algo e evolui cada uma dessas atividades. A posição do cavalo é apertar X constantemente e manter Ryo em uma posição alinhada. Já o soco de uma polegada é apertar X no momento certo. Por fim, o passo do galo consiste em girar o analógico da direita e acompanhar o passo de Ryo em um círculo. Ao evoluir a resistência, você ganha mais vida e perde menos dano nos combates.
As habilidades precisam ser treinadas com oponentes do dojo (é um modo específico presente no local). Você basicamente repete o comando de um golpe várias vezes (por exemplo, X, X, O, O) até que ele fique masterizado. Quando terminar uma sessão de treino, sua força aumentará (causará mais dano nos oponentes). O sistema de treino das habilidades é o mesmo sistema de combate contra os inimigos comuns, porém no treino o oponente defende tudo automaticamente (e você também não toma dano).
Com esses dois ramos evoluídos (resistência e habilidades), você terá uma chance nas batalhas do game. As batalhas ocorrem em uma arena 3D e você aperta os botões para desferir os golpes conforme as habilidades que possui. Você pode definir uma habilidade em específico no R2 para não ter que apertar uma sequência mais complicada.
O combate em si, depois que você passou por esse treinamento todo, fica um pouco legal (mas ainda assim longe de um gameplay de Virtua Fighter). Mas até chegar nisso é algo que fará você testar a sua paciência.
Os pergaminhos obtidos em lojas e outras formas no game oferecem novas habilidades, que podem ser treinadas a partir desse momento. Então, para ficar mais forte, além de treinar você precisa gastar dinheiro.
Ganhar dinheiro em Shenmue III é outro exercício de paciência. Se você não pesquisar sobre o assunto e for em busca do dinheiro sozinho, terá que trabalhar um monte para obter a quantia que o jogo pede em determinados momentos.
Em Bailu, a forma básica de obter dinheiro é cortando lenha. Obter uma quantia significativa de dinheiro levará você a cortar milhares de troncos. É um mini-game interessante no início (aperte X no momento certo), mas que logo se torna entediante devido ao excesso de vezes que você o fará.
Outra forma de obter dinheiro são os mini-games que existem e exigem fichas para serem jogados. Você troca seu dinheiro por ficha e participa deles. São todos mini-games de aposta, como jogar a bola e ver onde ela cairá, apostar no animal que vai vencer uma corrida ou escolher uma cor na qual uma bola parará depois de ser arremessada. Novamente, se você não souber um esquema de como gerar dinheiro, vai passar muito tempo apostando e torcendo para conseguir algo. E não só isso: precisará descobrir como trocar as fichas por dinheiro real, no fim das contas.
Concordo plenamente que obter dinheiro deve ser um desafio in-game, mas sinto que há um desbalanceamento proposital para forçar o jogador a fazer tarefas repetidas demais. Ou, é claro, se ele buscar online como gerar dinheiro facilmente (sim, é possível gerar um bom dinheiro em Bailu e uma quantidade absurda em Niaowu), toda essa parte se torna irrelevante. Então dependerá do tipo de jogador para classificar isso como negativo ou simplesmente ignorar.
Outro uso do dinheiro é na comida e recuperar vida. Shenmue III introduziu um sistema em que Ryo perde constantemente vida ao longo do dia. Se você correr, a taxa diminui mais rápido ainda. No início, sem grana, isso acaba sendo mais uma mecânica chata e entediante. Mas conforme você vai ficando mais rico, basta adquirir itens que recuperam sua vida, tanto dentro quanto fora do combate, para que essa mecânica se torne irrelevante.
Apesar de todas essas críticas negativas, Shenmue III possui aspectos positivos. Os gráficos das paisagens, de forma geral, são muito belos e bem feitos (apesar de alguns modelos de personagens terem um estilo artístico um tanto quanto estranhos), os mini-games são legais (tanto os que você aposta com as fichas, quanto os Arcades) e a há uma Arena em Niaowu que é bem divertida de batalhar – isso, claro, se você teve a paciência de evoluir Ryo.
A pesca também é algo legal em primeira instância, mas que novamente, por escolhas de design, se torna ruim com o tempo. O motivo é que você sempre precisa ir à loja alugar o equipamento e, em seguida, ir ao ponto de pesca. A mecânica da pesca em si, por praticamente não apresentar desafios (você lança, espera o peixe fisgar e puxa, apenas fazendo força contrária), é algo que fica entediante cedo ou tarde.
Em relação à perfomance, no PS4 Pro não tive problemas. Porém, há relatos que no jogo base pode ser algo mais complicado.
Também vale destacar que Shenmue III possui legendas em português do Brasil. Há alguns erros, como por exemplo “bom-dia” com hífen no caso da expressão de cumprimento e “salvá-lo” quando Ryo se referia a Shenhua. Mas de forma geral é uma boa tradução.
Shenmue III não é um jogo horrível como pareço descrever. É um título que não me agradou, pois tinha outras expectativas pessoais (esperava uma dinâmica como a de Shenmue II, por exemplo, e sistemas de upgrade e dinheiro bem menos entediantes). Se você der chance às constantes repetições e principalmente à velocidade com que o jogo se desenrola, encontrará uma boa jornada aqui. Caso contrário, sua irritação será constante.
Veredito
Shenmue III é um jogo criado para os fãs que esperavam um novo título há quase 20 anos. Apesar de determinados elementos estarem modernizados, como o controle mais suave e os gráficos, o desenrolar da história e a estrutura geral voltaram a ser de uma forma lenta como era em Shenmue I. Na realidade, as duas partes que existem no game são muito similares em sua estrutura, parecendo que você o joga duas vezes. O sistema de combate, que agora conta com elementos de RPG, também não ficou muito bom. Não é um jogo horrível – longe disso, mas depois de esperarmos todo esse tempo gostaríamos de ver uma evolução natural, seja das mecânicas ou da história, e não mais do mesmo.
Jogo analisado no PS4 Pro com código fornecido pela Deep Silver.
Veredito
Shenmue 3 is a game created for fans that have been expecting a new title for almost 20 years. Although certain elements were modernized, such as smoother controls and graphics, the progression of the story and the overall structure returned to being as slow as it was in Shenmue I. In fact, the two parts that exist in the game are very similar in structure – it seems that you play it twice. The combat system, which now has RPG elements, doesn’t look very good either. It is not a horrible game – far from it, but after waiting all this time we would like to see a natural evolution in its mechanics or story, and not the same thing again.
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