Se existe algo que nenhum amante dos gêneros Roguelite/Roguelike podem se queixar é da enxurrada de jogos lançados nos últimos anos. Desde títulos de início da geração como Rogue Legacy até sucessos mais recentes como Dead Cells, a quantidade de jogos do tipo quase sufoca o próprio gênero.
Se já tivemos propostas de todas as temáticas e execuções diferentes se apegando de alguma forma ao sucesso relativo dos roguelites recentemente, poucos realmente usaram o estilo de forma única e consolidada. Dizendo isso como um jogador que não criava mais expectativas para nenhum outro jogo assim, se surpreender com Children of Morta é um dos pontos altos do ano.
A 11 bit studios vêm fazendo seu nome com vários títulos indies de ótima execução e alta receptividade, mesmo que em alguns casos ela apenas publiquei o jogo. Sucessos como de This War of Mine, Moonlighter e Frostpunk deixam claro a seleção mais recente do estúdio para os jogos de seu portfólio. Children of Morta, desenvolvida pela Dead Mage, surge como um ótimo acerto.
A montanha Morta sempre foi guardada pela família Bergson por várias gerações. Protetores que já nasceram destinado à lutar pela sua região protegendo os tesouros místicos do lugar. Quando uma corrupção surge contaminando toda a vida ao redor, a matriarca da família vê que os Bergsons precisam novamente intervir para proteger o seu lar.
Com a premissa de uma batalha local mas de grande importância, Children of Morta não conta uma história sobre a salvação mundial e heróis fantásticos, mas sim sobre uma família de guerreiros que precisam superar suas próprias adversidades para se manterem unidos e sobreviver ao novo mal que surge. A interação entre os membros da família, suas histórias que evoluem conforme o jogador avança e principalmente como isso afeta a jogabilidade é algo extremamente bem executado.
Sendo principalmente um roguelite, o título é baseada no jogador tomando o controle de um membro dos Bergsons e entrando em dungeons para procurar a fonte da corrupção a fim de destruí-la. Cada empreitada é cheia de desafios e, várias vezes, o familiar em questão é derrotado e trazido de volta à sede da família pelos poderes mágicos que ali existem.
A cada vez que um herói volta derrotado ou vitorioso, a narrativa avança com eventos que ocorrem ali, como um dos filhos mais jovens tentando se provar pronto o suficiente para a batalha ou histórias antigas que vem a tona. A forma como cada história de um familiar se entrelaça com outra e como isso vai sendo contado por partes é o mais atraente de toda a narrativa. A cada pequena história contada, é fácil ficar ansioso pelo próximo evento que acontecerá. Como exemplo, é possível acompanhar todo o desenvolvimento da caçula da família enquanto tenta lidar com seus perigosos poderes de pirotecnia.
Como a narrativa depende do jogador sempre voltar para a sede da família de alguma forma, normalmente isso acontece pela derrota em alguma missão. Aqui entra o uso do roguelite de uma ótima maneira. Cada dungeon é separada por seções, como mini-fases até se chegar ao chefe. O jogador precisa avançar em cada uma, eliminando inimigos, coletando recursos e melhorias temporárias. Caso morra, ele volta no início dessa dungeon, que é sempre gerada proceduralmente. Caso vença o chefe final, uma nova dungeon é aberta e ele segue a partir dessa nova. O interessante aqui é o roguelite não ser usado para forçar o jogador a recomeçar tudo desde o princípio, como em Dead Cells, por exemplo. Ouro e experiência adquirida são mantidos para melhorias na sede, mas gemas, poderes e itens devem ser conquistados novamente.
Boa parte das derrotas se deve ao fato do jogo sempre estar num nível de dificuldade acima do que é aceitável no momento. Isso força o jogador a ir o máximo que conseguir, mesmo que apenas para conseguir uma boa quantidade de ouro para melhorias futuras. Há vários tipos de melhorias, como para aumento de pontos de vida, ataque e também da duração e efetividade de gemas e poderes que se encontra em cada dungeon.
Cada herói é único e possui uma jogabilidade diferente, criando diferentes formas de jogar. John, por exemplo, é o guerreiro e pai de família. John usa espada e escudo e tem grande capacidade de defesa e vida, mas é bem mais lento que os demais e tem o alcance de seus golpes mais limitado. Lucy, por outro lado, é a caçula da família que ainda está descobrindo seus poderes. Tem grande poder mágica com fogo, mas não pode se movimentar enquanto ataca e tem a menor quantidade de vida entre todos da família.
Enquanto é aceitável preferir mais um personagem a outro pela sua jogabilidade, o jogador precisará eventualmente aprender a jogar com vários deles. Isso se dá por vários fatores, como utilizar bastante o mesmo herói cria uma espécie de fadiga que aplica penalizações em sua vida. Há inimigos que são mais suscetíveis a certos tipos de danos e algumas áreas poderão ser mais fáceis com um certo estilo de jogo. Toda essa diferenciação cria um sistema de rodízio de jogabilidade, fazendo com que o combate nunca seja monótono e sempre mostre situações diferentes ao jogar.
O sistema de habilidades é bastante interessante, já que aqui reforça o poder da família e não apenas de um herói. Cada familiar tem características únicas que, ao evoluir ganhando experiência, acabam criando bônus para os outros membros da família. Kevin, por exemplo, é um monge que ataca com os próprios punhos e se movimenta bem rápido. Evoluir Kevin garante melhorias na velocidade e nas escapadas para todos os Bergsons.
Algo a se destacar positivamente é o estilo visual pixelado e a excelente trilha sonora. Ambos dando ênfase nas mudanças que vão ocorrendo com a família e com o progresso da corrupção. Cada mundo diferente apresenta visual e inimigos únicos, mas há uma certa repetição nas dungeons de cada mundo. Por exemplo, as primeiras dungeons são cavernas recheadas de goblins, morcegos, esqueletos reanimados e aranhas. Ao realizar as primeiras dungeons mais de 20 vezes, fica óbvio que poderia ter um número de maior de inimigos ou áreas mais diferentes entre si.
Alguns problemas técnicos são recorrentes, principalmente nas telas de loadings ou quando é computado o resultado final da exploração em uma dungeon. Dependendo do quão longe o jogador foi, é comum ter que esperar quase 2 minutos para receber o resultado final. Há uma certa lentidão na transição de telas e de menus, quase sempre com pequenas engasgadas. Lógico que não são defeitos que atrapalham gravemente a experiência, mas como são em eventos frequentemente usados, acabam sendo recorrentes e bastante perceptíveis no jogo.
Possuindo a opção de ser jogado cooperativamente local para até 2 jogadores, o combate consegue ficar ainda mais divertido, principalmente pelos estilos variados que podem ser aplicados. Combinações de heróis com estilos diferentes podem ser o ponto chave para terminar uma dungeon de maneira mais prática. O questionamento fica pelo fato de não existir cooperativo online, já que cairia como uma luva, mesmo que o progresso precisasse ser modificado de alguma forma para entrar no contexto do jogo.
Em Children of Morta, a história e jogabilidade estão a frente do roguelite, criando assim uma experiência que possui o estilo no meio, mas não fica completamente dependente dele. Essa forma de aplicar o roguelite junto ao RPG de ação cria uma experiência mais renovada e menos cansativa, onde o seu progresso realmente importa, mas deixa claro que a derrota possui consequências.
Veredito
Children of Morta mescla de ótima forma os estilos de RPG de ação e roguelite, criando uma experiência renovada a cada vez que se joga. O desenvolvimento narrativo e as histórias que compõem a família Bergson são capazes de prender o jogador mais do que a própria jogabilidade. Ainda que pequenos problemas técnicos sejam frequentes na versão de consoles, nada diminui a excelente experiência que o título proporciona.
Jogo analisado no PS4 Pro com código fornecido pela 11 bit studios.
Veredito
Children of Morta greatly mixes action RPG and roguelite styles, creating a fresh experience every time you play. The narrative development and the stories that make up the Bergson family are capable of holding the player more than the gameplay itself. While minor technical issues are frequent with the console version, nothing detracts from the great experience the title provides.
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