Vivemos um período da renascença japonesa, um momento bastante distinto do cenário da geração passada de consoles, em que as produções orientais foram alcançadas, senão superadas, pelas ocidentais. No tocante aos RPGs japoneses, a atual geração tem provido jogos fantásticos e marcantes do gênero. A prova disso é a qualidade singular de títulos como Nier Automata, Ni No Kuni 2, Persona 5 e, agora, Dragon Quest XI.
A existência de um Dragon Quest da série principal em um console doméstico, com nível de produção AAA e polimento equivalente aos jogos mais sofisticados do mercado, seria algo difícil de se acreditar até alguns anos atrás. Parecia uma ficção, mas que felizmente se materializou.
Dragon Quest é uma série que tem especial apreço por suas raízes, evidente pelo resgate de elementos clássicos em qualquer jogo da série. Com a décima primeira edição da franquia não é diferente: monstros, fanfares, músicas e objetos remetem ao passado. A nostalgia parece ser o fator primordial no desenvolvimento de qualquer projeto da série e, nisso, há coisas boas, mas há outras ruins, que carecem de renovação.
Lançado no ano passado no Japão, o atraso de Dragon Quest XI no ocidente se justifica por trazer uma versão mais completa. As novidades são expressivas: há dublagens, houve uma reformulação da interface, uma nova mecânica de correr, entre outros detalhes. A dublagem representa um grande diferencial para o jogo da Square Enix e é, sem dúvidas, o upgrade mais bem-vindo.
O trabalho de localização impressiona e a qualidade da dublagem é ótima. Há quem não goste da preponderância do sotaque britânico nas versões ocidentais dos últimos Dragon Quests, mas há um charme bem peculiar nessa escolha. Embora o protagonista seja mudo, os demais personagens do grupo exalam carisma, demonstrando um comprometimento e bom trabalho dos dubladores.
O novo Dragon Quest traz uma história e narrativa com muitas similaridades dos produtos anteriores. Na luta do bem contra o mal, um escolhido aparece para salvar o mundo. Clichê? Um pouco, mas que pouco importa, visto que o jogo constantemente apresenta situações interessantes, locais exóticos e personagens cativantes. Em Dragon Quest XI, um incidente em um reino distante leva uma mãe a fugir com seu filho em busca de segurança, mas tal plano não tem um final feliz. A criança, e protagonista do jogo, seria a reencarnação do Luminary, um consagrado herói que derrotou o representante da escuridão no passado.
Após ser encontrado por um idoso na correnteza de um rio, o jovem Luminary passa a viver em um vilarejo distante do seu local de nascimento. O personagem principal vive uma vida simples até alcançar a maioridade, quando descobre algumas pistas sobre seu passado e destino. Embora tenha um ritmo devagar, assim começa a épica jornada de Dragon Quest XI.
A respeito do gameplay e do conteúdo, o novo jogo da Square Enix não tem a pretensão de revolucionar o gênero. São preservadas diversas tradições e a jogabilidade se caracteriza pela estratégia e planejamento, aspectos inerentes das clássicas batalhas por turno. Ainda que não traga inovações expressivas no gameplay, Dragon Quest XI representa uma notável evolução da série pelo alto nível de sofisticação empregado em cada elemento do jogo, com exceção da trilha sonora. Faz o simples, mas com extrema eficiência.
Aqueles jogadores aversos ao sistema de batalha por turnos dificilmente vão cair de amores por Dragon Quest. Contudo, com o mínimo de tolerância, é garantido se divertir com a dinamicidade dos confrontos. Além das opções básicas de habilidades e magias próprias de cada personagem, a novidade dos “pep powers” traz uma variedade muito bem-vinda às lutas. Todo personagem pode entrar no estado “pepped”, o que acarreta em bônus de atributos e possibilita o uso de poderes inéditos, baseados na composição dos integrantes em batalha.
Tomando como exemplo o personagem Erik (o ladrão), se o jogador combinar seu pep power com o do protagonista, fica disponível um ataque especial que garante o furto de um item escondido pelo inimigo. As animações desses poderes são incríveis e seus efeitos, devastadores, portanto, vale a pena experimentar as diversas possibilidades. Tal recurso propicia uma enorme variedade na progressão de uma luta e aumenta a profundidade do jogo.
Dragon Quest XI traz um mundo vasto e permeado de povos com culturas distintas. A estrutura da progressão é parecida com a de RPGs japoneses tradicionais e a jornada é dividida pelas visitas a locais diferentes, cada um com seus pequenos problemas ou situações que complementam o todo da história. Explorar as cidades e vilas é uma tarefa agradável nessa edição, pois existem muitos segredos, estabelecimentos de comércio e quests opcionais com recompensas gratificantes. O jogo reúne quase todos os elementos esperados pelos saudosistas de JRPGs clássicos e expande a fórmula do melhor modo possível, preenchendo a saudade de um subgênero que era muito comum na década de 80 e 90.
A aventura é longa, mas há sábias medidas implementadas no jogo para contornar a saturação. Os minigames, por exemplo, marcam presença. Seja na corrida de cavalos, nas atividades do casino ou na forja de equipamentos, há sempre uma distração de puro entretenimento que rompe com as atividades típicas de Dragon Quest XI. É um pacote completo e um investimento que rende uma experiência duradoura e agradável.
O jogo poderia ter uma dificuldade melhor balanceada e os fãs mais dedicados podem se decepcionar com a dificuldade padrão dos combates, é bem fácil para um game da série. A nova ação de corrida, implementada nesta versão ocidental, também facilita o desafio, pois os inimigos não acompanham seu personagem. Desse modo, é possível correr (rushar) por dungeons sem enfrentar um inimigo sequer – uma medida controversa para Dragon Quest, mas muito bem-vinda aos meus olhos. Se o desafio das batalhas não for suficiente, o jogador pode customizar a experiência com o novo “Draconian Mode”, ajustando diversos parâmetros da dificuldade.
Dentro do mercado de jogos eletrônicos, a arte de Akira Toriyama nunca foi realizada de maneira tão grandiosa como em Dragon Quest XI. Os desenvolvedores conseguiram casar a arte com a técnica e o resultado beira a perfeição. O vasto mundo do jogo exubera uma natureza sem poupar detalhes, os vilarejos e interiores são arquitetados com esmero e seus componentes – humanos ou monstros, são igualmente caprichados. A variedade de assets, o sistema de iluminação e a qualidade de texturização fazem desse episódio da franquia o JRPG mais belo disponível no mercado. A Unreal Engine 4 foi utilizada de forma eficiente e Dragon Quest XI demonstra os frutos da otimização desse motor gráfico.
Os poréns são poucos nesse campo técnico. Os gráficos podem apresentar uma certa tremulação (shimmering), especialmente em vegetações e nos cabelos ou roupas das personagens. Decepcionante é o fato de que, embora a Square Enix houvesse prometido melhoras na performance da Unreal Engine 4 na versão ocidental do jogo, a resolução e o framerate continuaram os mesmos do jogo japonês. No PlayStation 4 comum, a resolução é de apenas 900p e, no Pro, permanece os 1728p via checkerboard. A baixa resolução pode conferir um leve aspecto borrado ao jogo para os não proprietários do Pro e a nitidez das texturas é um pouco comprometida nesse caso.
Encontrar falhas em Dragon Quest XI é como procurar por uma agulha no palheiro, a não ser por um departamento específico. Conforme mencionado anteriormente, a trilha sonora não acompanha a excelência dos demais aspectos do game. É ruim e um retrocesso, considerando que Dragon Quest VIII (o último episódio numerado para consoles domésticos que saiu no ocidente), lançado em 2005 nos Estados Unidos, possuía uma trilha sonora orquestrada. O formato MIDI compromete muito a qualidade das músicas.
Os sintetizadores tipicamente utilizados na série são aplicados em abundância, mas é novamente uma medida para agradar uma geração de entusiastas da série. Nesse quesito, não há esforço para convidar e surpreender novos jogadores. O contraste entre a qualidade do áudio (músicas) e imagem decepciona. As restrições acerca da trilha sonora envolvendo o polêmico compositor Koichi Sugiyama impedem que o fantástico jogo da Square Enix se sobressaia ainda mais no mercado.
Veredito
Mesmo considerando a medíocre trilha sonora, o retorno da série principal de Dragon Quest em uma plataforma PlayStation não poderia ser mais especial. A décima primeira edição da franquia é excepcional e completa. Não só a melhor maneira de matar a saudade de um gênero querido em tempos recentes, Dragon Quest XI também é um fantástico videogame – provavelmente um dos melhores de 2018.
Jogo analisado com código fornecido pela Square Enix.
Veredito
Even considering the mediocre soundtrack, the return of the Dragon Quest main series on a PlayStation platform could not be more special. The eleventh edition of the franchise is exceptional and complete. Not only the best way to revisit a beloved genre in recent times, Dragon Quest XI is also a fantastic game – perhaps one of the best of 2018.
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