Rain World

Um cenário de desolação e ruínas. Um ambiente brutal e cheio de perigos. Escassez de alimentos. A luta para viver por mais um dia é árdua e seus inimigos são ferozes e quase sempre mais fortes que você. Suas chances de sobrevivência são mínimas. Bem-vindos a Rain World.

"Um dia da caça, outro do caçador". Este ditado define bem Rain World, uma produção indie desenvolvida pela Videocult, pequeno estúdio de jogos situado em Boston, e distribuído sob o selo da Adult Swim Games. Acredite: este é um jogo muito difícil, em que morrer é tão constante quanto frustrante.

Você controla um Slugcat, uma mistura de gato com lesma (seres híbridos são comuns no mundo do jogo). O pequeno ser é separado de sua família durante uma tempestade e acaba sozinho em um ambiente devastado. Seu objetivo final? Difícil de saber. Sua motivação é sobreviver, e para isso, é necessário comer e procurar abrigo.

Rain World te dá poucas pistas sobre o que aconteceu em seu mundo, tampouco o que você deve fazer. Sua narrativa, bem como grande parte de suas mecânicas, estão ocultas, deixando a cargo do jogador descobrir praticamente tudo, quase sempre na base da tentativa e erro. À primeira vista, percebe-se que o mundo é estranhamente marcado por máquinas e estruturas que revelam certo traço de civilização, embora não haja sinal de seres humanos.

Logo no começo você é acompanhado por um ser amarelo e estranho, que parece uma holografia. Ele serve como um guia, auxiliando (quando assim deseja) na procura de comida e abrigo. De vez em quando ele também mostra pequenas animações difíceis de interpretar, mas que parecem revelar parte da narrativa. Ele acaba sendo como aquele antigo clipe do Word: bonitinho e que te ajuda no começo, mas depois de um tempo você começa a ignorar ou querer que ele vá embora, pois se torna irritante.

Alimentação e abrigo são suas duas mecânicas elementares. Não se sabe a razão, mas o mundo de Rain World é marcado por chuvas constantes e pesadas. É necessário se proteger procurando por abrigos, sendo que estes são escassos e bem espalhados pelo mapa. A chuva dura longos períodos, então é também necessário estar bem alimentado, permitindo ao personagem hibernar até que ela passe. Caso não coma o nível mínimo requisitado, mesmo encontrando um abrigo, o Slugcat irá morrer de fome.

Dicas visuais e sonoras avisam quando a chuva está para chegar. Além disso, há uma espécie de relógio que pode ser visto ao segurar R1. Durante este tempo, você explora o ambiente em busca de comida, que podem ser algumas frutas, larvas e pequenos morcegos. No entanto, este é um mundo vivo; conforme os dias passam, a comida vai se tornando escassa, o que te obriga a explorar cada vez mais longe e torcer para encontrar um novo abrigo ou retornar a tempo ao anterior.

Apesar de a chuva ser inevitável e uma preocupação constante, o perigo maior é outro. Você é uma pequena parte de um ecossistema gigante e não é o único procurando sobreviver; existe toda uma fauna no ambiente fazendo o mesmo. É aqui que Rain World tem seu maior destaque e também sua maior frustração: você faz parte da cadeia alimentar. Sobreviver em um ambiente em decadência, competindo por comida e lutando para não ser a comida, é altamente difícil.

O Slugcat é um animal fraco e pequeno, e acaba servindo de presa apetitosa para muitos outros animais, todos muito mais fortes ou detentores de habilidades letais. Desse modo, além de se preocupar em se alimentar, é necessário também fugir de predadores, os quais podem surgir a qualquer momento, tanto em terra quanto pelos ares. Ser ágil e sorrateiro, esgueirando-se por pequenas passagens e utilizando o ambiente a seu favor, geralmente é a melhor abordagem.

Tenha em mente desde já que você irá morrer. Muito. E depois disso mais um pouco. Não somente virando o jantar de algum outro ser vivo, como também sendo vítima de perigos do próprio ambiente. A dificuldade é alta desde o começo e irá traumatizar até mesmo aqueles mais cuidadosos. Morrer significa voltar para o último abrigo em que você hibernou (são seus checkpoints). No entanto, considerando que os abrigos são escassos e devem ser descobertos por conta própria, haverá diversos momentos de desespero e frustração ao perder todo seu progresso e refazer seus passos.

Espera que ainda tem mais: os animais em Rain World possuem movimentação e IA independentes, o que significa que eles são livres para se locomover pelo mundo, nem sempre estando no mesmo lugar em que você os encontrou da última vez. Isso gera um nível de tensão e ansiedade muito grandes, pois cada seção do mapa que você entra pode trazer uma surpresa.

Embora não seja recomendado, é possível tentar combater seus predadores. O pequeno gato-lesma pode utilizar pedras e lanças rudimentares para atirar nos inimigos, mas isso não é garantia de que eles morrerão. A melhor abordagem é (tentar) fugir e também usar da esperteza, observando a movimentação e comportamento dos inimigos e procurando usar o ambiente a seu favor. Vale lembrar que nem sempre você é a presa mais interessante no momento, e nem sempre os animais gostam da companhia de outros da mesma espécie.

As mecânicas de gameplay mais simples, como pular ou pegar objetos e atirá-los, são explicadas logo no início. No entanto, o jogo é bem mais profundo, sendo que há muito, muito mesmo, a ser descoberto. Uma simples pedra pode se revelar algo extremamente importante, uma planta insignificante pode ser sua salvação, etc. O problema é que nada é revelado ao jogador e isso acaba sendo um ponto de divisão: haverá aqueles que irão adorar esta abordagem de descoberta, enquanto outros irão detestá-la, pois sentirão falta daquele sentimento de progressão ou direção. Mesmo assim, todos irão concordar em um ponto: Rain World é um jogo cruel.

O jogo possui uma boa porção de plataforma, porém, a movimentação do Slugcat é toda desengonçada e isso acaba irritando. É difícil de saber se é algo proposital da desenvolvedora, mas os controles ficam bem imprecisos. Nem sempre aquilo que você desejava executar sairá da maneira que você quer, resultando em situações frustrantes, principalmente durante uma fuga desesperada que termina em sua morte. Uma dica é usar o D-Pad ao invés da alavanca analógica.

Os gráficos de Rain World são inspirados nos jogos da época do 16-bits. Tons mais escuros e acinzentados dominam grande parte da ambientação, algo que se encaixa bem na temática de um mundo marcado pela chuva. Algo bem legal é que é possível observar mudanças na iluminação dos elementos de background, simulando as nuvens se movimentando no céu. O mapa é bem extenso, trazendo dezenas de áreas compostas de muitas seções, sendo que todas possuem cenários bem variados. Os seres possuem um design bem minimalista, porém, funcional. Visualmente, é uma arte que agrada.

A música, embora presente, não é constante. Grande parte da sua jornada será marcada pelos sons ambientes, o barulho da água e de um trovão à distância. A música acaba servindo como um indicativo de perigo, surgindo em forma de uma batida agitada quando algum predador se encontra por perto. De maneira repentina e provavelmente aleatória, você também é surpreendido por uma trilha sonora ao estilo chiptunes.

É necessário relatar que o jogo possui alguns problemas técnicos que podem atrapalhar sua progressão. Por duas vezes ele travou durante a hibernação (que é quando é feito o save), o que corrompeu meu arquivo de dados. Houve também alguns travamentos ocasionais sem motivo aparente, mas que acabavam fazendo com que eu perdesse todo o progresso desde o último abrigo. Em um jogo já difícil por natureza, problemas assim são um pecado e torço para que sejam logo corrigidos.

Jogo analisado com código fornecido pela desenvolvedora.