Deadly Premonition: The Director's Cut

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Quando eu fiz a análise de Sorcery há um tempo atrás, eu disse que existem três tipos de jogos ruins: os que são realmente fracos, sem salvação; os que tem um bom potencial mas acabam se perdendo na execução; e jogos que são tão ruin que conseguem, seja por efeito cômico ou por possuírem tanto afeto de seus criadores, cativar e se tornarem “bons”. Nesta última categoria, citei especificamente Deadly Premonition (DP), já esperando fazer sua análise.

Só que DP não é um jogo que pode ser “analisado”, pelo menos não pelos padrões convencionais de uma “análise”. DP é um jogo extremamente atípico, e antes de seguir com qualquer discussão a respeito de seus gráficos e jogabilidade, é de bom tom conhecer a história de seu desenvolvimento. DP começou em 2004, sob o título de Rainy Woods. O jogo seria desenvolvido para a geração PS2 como “budget” (um “jogo B”, por assim dizer), mas mudou para o X360 no meio do caminho. Além disso, os trailers mostravam um jogo com diversas similaridades com o seriado Twin Peaks, o que acabou fazendo com que a produção do jogo se arrastasse por mais tempo. Ou seja, DP é um jogo de desenvolvimento arrastado, com troca de plataformas no meio do ciclo e com uma verba limitada.

Sabendo disso, você consegue entender porque a parte estética de DP é tão tosca. Hidetaka “SWERY” Suehiro, o diretor, parece ter plena consciência disso, e ao invés de focar seus recursos em gráficos e animações, preferiu desenvolver o mundo do jogo e seus personagens. De fato, DP consegue se segurar muito em parte pelo seu mundo estranho e personagens absolutamente bizarros.

Veja, por exemplo, seu personagem principal, o agente especial do FBI Francis York Morgan (mas você pode chamá-lo de York. Todos o chamam assim). York é inteligente e analítico, capaz de deduzir séries de eventos a partir de poucas pistas… só que York também conta com uma segunda personalidade chamada Zach, com a qual ele conversa abertamente e na frente de qualquer pessoa (e ninguém parece achar isso estranho). York também é louco por café, e frequentemente usa café para suas investigações, tomando “coincidências” apontadas de uma forma ou outra pelo seu café como verdades incontestáveis, por mais absurdas que sejam. E se você achar York estranho, saiba que ele nem se compara ao resto do elenco ridículo/sensacional de DP: um velho general de guerra que trata todos como soldados, uma velha senhora que carrega uma panela com a qual aparentemente conversa, um homem de máscara de gás que se locomove em uma cadeira de rodas, sempre acompanhado por seu fiel assistente que fala apenas em rimas e muito mais. Não deixe o começo “Silent HIll de pobre” lhe enganar: DP é diferente de tudo que você já viu em um Survival Horror.

O excelente elenco de DP, porém, não é fruto de um script afiado ou uma dublagem soberba. De fato, quando você tira do caminho os personagens e história de DP, você percebe como este é um jogo… estranho. Diferente. É difícil dizer o que é “ruim” porque essas partes “ruins” frequentemente, de forma intencional ou não, se tornam boas. O script, por exemplo, é absurdamente inconsistente – genial em alguns momentos para logo depois se tornar ridículo. Citando um pequeno exemplo, York acabou de testemunhar um assassinato brutal, faz todas as suas considerações pertinentes ao caso… e literalmente segundos depois, está discutindo com os outros investigadores, a uma mesa de jantar, sobre um caso de um estuprador que guardava os crânios de suas vítimas para urinar. Não faz sentido algum, e cedo ou tarde você percebe que o jogo não dá a mínima. DP parece estar em transe, num frenesi absurdo induzido pelo mais potente dos alucinógenos, em que faz o que lhe der na telha no momento em que bem entender – e essa autenticidade é o seu charme.

Se ainda existir qualquer dúvida quanto aos valores de produção baixos, basta olhar para o jogo rodando. Os gráficos são claramente feitos para uma geração anterior à atual, com texturas fracas, serrilhados excessivos e personagens, na melhor das hipóteses, com modelos medianos. O jogo ainda é pobremente otimizado e conta com várias instâncias de slowdowns e pop-up. As animações, então, são um show (de horrores) à parte. Os movimentos são robóticos e com poses pré-programadas, tal e qual nos idos tempos do PS2. Muitas vezes a animação simplesmente não condiz com o que é mostrado na tela ou dito pelos personagens, e algumas animações são exageradas ao ponto do ridículo. Sombras e sincronia labial são técnicas desconhecidas para DP.

Parece horrível? Bem, tecnicamente falando… é. Não há como fugir desse fato, e do ponto de vista puramente técnico, DP é quase vergonhoso. Só que o jogo usa isso a seu favor. Se você duvida se isso sequer é possível, basta ver a cena abaixo. Tudo é tão mal feito e ridículo que acaba se tornando genuinamente engraçado. Isso não é restrito a cutscenes, e diversos momentos e glitches do jogo são simplesmente hilariantes. Um exemplo é o restaurante dentro do hotel em que York está hospedado: a parte de fora do restaurante contém mesas e cadeiras, mas não está disponível para se entrar, então os produtores simplesmente removeram qualquer textura do lugar e aplicaram uma coloração marrom em tudo – é algo muito mal-feito, e tão surpreendente que é engraçado. Propositalmente ou não, DP é engraçado de um jeito que eu nunca vi em nenhum outro jogo.

As músicas merecem um destaque à parte. São repetitivas, mas nada realmente incômodo, e a qualidade das composições é surpreendentemente boa. Os efeitos sonoros são péssimos, do som dos passos de York que parecem uma porta rangendo ao péssimo som das armas. O que acontece de bizarro aqui, porém, é o quão incrivelmente inapropriadas às situações as músicas são. Não creio que haja algum outro jogo com uma discrepância tão grande entre o que quer que esteja acontecendo na tela com a música tocada. Estamos falando de um jazz animado tocando com um corpo mutilado dentro da sala e de um órgão sombrio tocando durante uma palestra. E assim como acontece com os gráficos, tudo isso só consegue fazer com DP fique ainda mais estranho – e engraçado.

DP é uma particularidade dentro dos Survival Horrors por ser “open world”. Greenvale é bastante grande e aberta à exploração, possuindo lugares a se visitar e muitas sidequests a se fazer. Existem também vários colecionáveis e até algumas atividades extras, como pescar e jogar dardos. A história e progressão são lineares, mas você pode revisitar qualquer capítulo a qualquer momento para fazer suas sidequests ou procurar itens.

Como você deve imaginar, mesmo em termos de gameplay, DP é funcional apenas o suficiente para não se tornar frustrante. O controle dos veículos é horrendo (embora esse aspecto possa ser melhorado com o decorrer do jogo), e o mapa é péssimo, já que você não pode fazer marcações e ele inexplicavelmente gosta de girar junto com sua posição, ficando extremamente confuso. Exceto por esses pontos, porém, DP não possui nenhuma outra falha importante. O combate é um pouco travado por não se poder mirar e atirar ao mesmo tempo – algo estranho, já que você pode andar com armas brancas empunhadas e a versão Director′s Cut possui um esquema de controle muito melhor, modificado para dual analog como praticamente todos os jogos de hoje -, mas os inimigos são simples e oferecem pouca resistência. Na verdade, a dificuldade geral do jogo é inferior à versão original, o que trabalha a favor do jogo – quanto menos tempo em combate, afinal, mais você poderá aproveitar a ótima história. A atmosfera do jogo é envolvente e consegue até assustar em alguns momentos, em especial nas sessões de fuga e nos momentos em que York deve se esconder.

Se você jogou a versão original de DP e gostou, esta versão Director′s Cut tem boas adições, como a já mencionada melhoria ao combate, os gráficos “melhorados” (ha!), melhorias no mapa e navegação e algumas adições à história, além de suporte ao PS Move e a 3D esteroscópico. Para os fãs, vale a pena pelo conteúdo novo e pela oportunidade de revisitar a estranhíssima Greenvale, mas quem já não gostou da versão original não vai encontrar nada aqui que o faça mudar de ideia.

É fácil dizer que jogos como God of War, Journey, Battlefield e Ni no Kunis são bons – suas boas características são visíveis, seus valores de produção são altos e suas mecânicas são funcionais e divertidas. Justificar como um jogo como Deadly Premonition pode ser bom, porém, é muito mais difícil. É um jogo que, ao invés de tentar disfarçar suas falhas, as abraça e veste com orgulho.

Quando DP foi lançado em 2010, ele dividiu o público e a crítica – você vai encontrar pessoas que odeiam cada pedaço do jogo a fãs fervorosos, e notas tão baixas como 2 a tão altas como 10 com direito a nomeação para GotY. Particularmente, acho que não se trata apenas de uma questão de o quanto você aguenta um jogo ser ruim apenas para aproveitar sua história e personagens, mas sim se você consegue rir do jogo junto a ele. Não se engane: visto do ponto de vista técnico, DP é um desastre: gráficos fracos, animação horrenda, músicas repetitivas que tocam em momentos inapropriados, dublagem tosca, slowdowns e combate travados. Entretanto, tudo isso, que seriam falhas gravíssimas em qualquer outro jogo, fazem apenas a história e personagem absurdos se tornarem ainda mais cativantes. É como ver um bebê querendo aprender a andar: o movimento é errado, desengonçado e ele por vezes acaba indo ao chão, mas não deixa de ser adorável. É impossível dizer se você vai conseguir gostar DP sem jogá-lo, então receba a recomendação abaixo com cautela, sabendo que 80% do número abaixo vem puramente do quão ridículo e engraçado DP é.

Deadly Premonition é horrível.

Deadly Premonition é maravilhoso.

— Resumo —

+ Dependendo do seu ponto de vista, todos os pontos negativos.
+ História e personagens sensacionais.
+ Engraçadíssimo… de forma proposital ou não.

Gráficos e animações horríveis.
Músicas inapropriadas.
Slowdowns e pop-ups excessivos.
Dublagem tosca.

Veredito

95

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